Já era tarde quando andei pelas ruas da cidade, vendo os templos e os monumentos do império e toda a sua vaidade, vendo as janelas se fecharem, as famílias se reunirem ao redor da mesa, os filhos calados e os pais também. Tomei o caminho para fora da cidade até o lugar onde um riacho com água fresca e uma árvore de eucalipto acompanham a alma confundida e os olhos pensativos contemplando o sol-pôr. Mas quando cheguei já me esperava um homem velho com cabelo branco e barba, deitado em baixo da árvore me chamando para falar que precisava de falar para as jovens da cidade e de todas cidades do arquipélago.
«Venha e senta ao meu lado para ver o sol-pôr e para pensar. Você é jovem, tem pernas jovens e parece que as ruas da cidade não te importam tanto, nem as lojas, nem os templos e nem os monumentos feitos de pedra. Você ainda é carne, osso e sangue e teu sangue corre tão fresco como este riacho, mas porque voltas toda noite e não segues os múltiplos caminhos da tua vida. Eu na minha vida sempre fui um peregrino, sempre andei de um templo para o outro, para os templos que não são de pedra mas sim, como você, de carne e sempre queria aprender mais do que uma língua, pois as línguas são as chaves para as almas. E sabe porque fui assim até agora e sempre serei assim se não fosse o meu corpo envelhecido? Porque a minha história é uma história de peregrinos, de marujos, de pastores saindo das montanhas e das vinhas e das igrejas e mosteiros para enfrentar o mar, para ir além do horizonte além das aldeias velhas e pequenas. E nas igrejas e mosteiros o que se aprende? Aprende se amar e estudar. E nas montanhas com o rebanho e nas vinhas, o que se aprende? Aprende se o que é a liberdade e aprende guiar, aprende ser companheiro e aprende sonhar. Isto, você vai precisar quando fores viajar e conhecer o mundo – ser livre e companheiro, saber guiar e amar, e quando um dia alguém não te agrada segue o teu caminho ou aprenderá amar ainda mais. Eu sei que também não fui perfeito, nunca fui um bom pai e nem um bom marido, pois pais e maridos não podem ser companheiros e nunca estão livres. E quando encontras uma mulher que desejas não casa com ela, mas seja um companheiro que ama tanto quanto possível e que respeita. E enfim não fala do amor que houve, do amor que tem para os que foram antes ou que vem depois, pois amor é para dar e para ter, mas nenhuma língua pode explicar o que é na verdade o amor. Então viaja pelo mundo como um peregrino e eu espero que facas muitos amigos que querem viajar também no mesmo sentido mas não no mesmo caminho e não seja nunca um guerreiro pois os guerreiros matam mas os peregrinos não. Sei que todos nos temos ou somos o nosso próprio campo de batalha, que já fizemos muitas guerras, algumas ganhado outros perdido, mas isto é com nos e não com os outros. Com os outros seja sempre alguém que dar quanto pode, sem querer receber nada de volta, nada mais do que tudo, que é o casamento da liberdade com o sonho numa esfera plena de amor…parece uma utopia, eu sei, mas como não pensar utópico enquanto homem, somente os animais e os deuses não pensam em utopias.»
«Podia dizer mais, mas o tempo está curto hoje e assim te digo três coisas para o seu futuro movimento. Primeiro: sempre ama quando possível e quando não podes amar tanto quanto queres ou deverias, toma o teu caminho e procura o próximo lugar para fazer os outros sentir e para sentir mesmo este casamento da liberdade com o sonho. Segundo: Nunca seja guerreiro e nunca tenta convencer ninguém. Se queres que alguém aprende o que você já sabe e que precisa ser multiplicado, ama simplesmente. Não mata, faça crianças em todos os sentidos e não tenha medo das doenças mentais ou corporais. Na maioria das vezes somente podem te fazer mais forte e quanto mais forte você é menos doenças vão tomar conta de você. E se um dia houver uma doença que te vai matar e você sabe que esta doença chegou com amor, não lamenta - pois somente as doenças que vem da raiva fazem chorar. Terceiro: Tenta viajar quando possível, na historia e nos sonhos, nos livros e na escritura e sempre novamente em novos caminhos. E forma um grupo de peregrinos, muitos peregrinos espreito pelo mundo, indo e voltando para fazer os outros sentir o seu novo evangelho da liberdade e do sonho, peregrinos que não precisam muito…mas que precisam seguir este velho ditado: navegar é preciso, viver não.»
quem quer corrigir agradeço: dirk.hennrichATgmx.ch
tá fixe.
ResponderEliminare é melhor não corrigir nada, que corrigir seria traduzir para uma maneira convencional qualquer que não é, nem deixa de ser, A certa.
Dos textos mais bonitos que li nos últimos meses.
ResponderEliminarCreio ser peregrina em certos dias e sei que estou tão longe dos verdadeiros peregrinos e dos verdadeiros templos...
Obrigada pela partilha*
Dirk, és o meu herói!
ResponderEliminarAs peregrinações aos lugares santos limpam a mente, tornando-a resplandescente (como sempre foi, é e será). Hoje o local de peregrinação foi a faculdade de letras, sítio onde se reviveu um dos maiores santos de Portugal e do Mundo, Agostinho da Silva, esse homem velho de cabelo branco e barba que, a meu ver, nos deixou como maior legado, a forma de como nos podemos libertar deste mundo de cariz egótico, centrado no eu, gerador de emoções que deturpam a visão da realidade como o apego, a aversão e a indiferença. Mergulhados nesta ilusão, nunca poderemos ter paz de espírito; para nos libertarmos da «serpente» pratiquemos a ascese diariamente, através da oração ou da meditação.
ResponderEliminarE assim, seguindo a Luz que se desvenda a partir destas práticas, saberemos como agir para nosso bem, para o bem do outro e para o bem da Humanidade.
Que todos possamos ser peregrinos. Grato pela leitura deste belo texto.
Saúde!
Este texto, porque somos peregrinos, não requer qualquer correcção. Quer quem o leia, quem o escute, não com os olhos, ou com a inteligência moldada por esta ou por aquela língua, quer quem o receba de mãos limpas e o escute com o coração, com a alma pronta para partir. É uma narrativa muito bela e cheia daquela força que habita o Homem na Idade da Inocência e o leva a desejar partir. Agradeço a leitura a quem ma proporcionou. Que leveza, que vontade irreprimível de partir!
ResponderEliminarSaúdo este belo texto, digno de um Querubinischer Wandersmann!
ResponderEliminarAbraço
amo-te!
ResponderEliminarUm belíssimo texto. Gostei muito! E "as línguas são as chaves para as almas", sem dúvida, uma delas e a belíssima mensagem final, terminando com uma citação de Pompeu, se não estou em erro? Sim, naveguemos, mesmo que só pelos sonhos e pelos livros. Mas se pudermos juntar tudo, melhor.
ResponderEliminarIsso, Dirk! Amar: sem alianças, sem correntes, sem prisões... amar e "dar sem querer nada de volta". Sempre!
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