terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Sophia de Mello Breyner: Pirata

Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.

Gosto de uivar no vento com os mastros
E de me abrir na brisa com as velas,
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.

A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.

Sophia de Mello Breyner

4 comentários:

  1. "E nunca acordo deste sonho e nunca durmo."

    a poetisa Sophia de Mello Breyner
    é desde início de escuta da poesia, uma companhia de longos tempos.

    quando encontro os seus poemas, os seus versos de silêncio, a maresia das suas palavras, a crítica ali no seu clamor...Fico sentada no caule de uma planta, que muitas vezes me chama de novo às origens.

    grata pela partilha.

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  2. A Liliana já disse tanto, tanto... mas, ainda assim, me permita ela, alma-irmã de poeta, e Madalena também, a ousadia de dizer umas das minhas prolixas bagatelas.

    Sophia é sempre tão grande, tão definitivamente justa na visão que nos torna presenta que, na verdade, nos fala sempre numa como que serena e sábia exaltação feita de sentido do sublime e da inaugural doçura que aflora à pálpebra das coisas quando nos concedemos a silenciar todo o ruído de que constituímos o nosso viver.

    A ambas muito agradeço esta comunhão na riqueza do diverso em nós, bem como a inevitável vinda desta mãe-poeta em visita, ela de quem, como de raras, assim podemos falar sem mais que esperável contradição.

    E calo-me, ... para que ela, como sempre, nos silencie dos mais verazes e belos frutos.

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  3. Eu diria que já esteve aqui Sophia, que seus olhos vi. De lá se via o mar, se via a flor de outro jardim sonhar e despertar...


    Desse lugar se via surgir das negras cordas, a fera que o mar fora, a se acalmar.
    O uivo dos ventos é brisa, na cálida pálpebra dum repouso manso.
    Onde a pátria é um corpo de esperança, uma esfera de leve amanhecer na fronte das roseiras.
    A minha pátria é onde o sol se põe, para nascer num lugar recôndito do sonho onde me abrigo.
    Como canavial o meu corpo é de vento e segue nesse mar...

    Mais uma vez, o poema me convoca a uma nova viagem, velejo em redor do mar, elemento de que é feito o sal do meu sentir.

    Agradeço a Madalena que aqui o trouxe na voz serena e imensa do mar de Sophia...

    Grata, gratíssima.

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  4. Sophia é para mim uma memória que desejo transportar comigo para todo o sempre. Sophia e o seu mar e a sua casa branca branca e a sua luta feita poesia por tudo o que é justo e claro no mundo. E este pirata que uiva no vento com os mastros e que amarra tigres e ursos aos remos, faz-me lembrar alguém... Dois alguéns.

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