terça-feira, 6 de janeiro de 2009

então queres ser escritor?/ charles bukowski

se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração da tua cabeça da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.

se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.

se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.

não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-
-devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.

quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.

não há outra alternativa.

e nunca houve.


Charles Bukowski (1920-1994)

8 comentários:

  1. Apenas o "se foste escolhido,/ vai acontecer" me causou certa perplexidade, no universo denotante respirado pelo poema e, antes dele, pelo próprio poeta.

    Obrigado, Liliana, por mais este belo Bukowski.
    Faz-me bem esta linguagem rente-ao-chão do pó.

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  2. Mulheres de Charles Bukovski

    Parecia uma índia. O nariz e a boca eram de índio. Teria vinte e três anos, olhos castanhos, falava pausadamente e tinha um corpo fabuloso. Lera quatro ou cinco dos meus livros. Porreiro.

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  3. Uma entretela "porreira", essa... mascavada.
    Se não fosse a india, até parecia Lobo Antunes,isso.

    Se bem que este que escreve lento e pachorrentamente e se entranha seco na remela à terceira linha me faça adormecer e à décima primeira acordar de susto perguntando
    Valha-me São José Onde está o tio Saramago para ensinar a este António a ganhar um Nobel de vez
    Olha Esqueci me daquela coisa da pontuação Nunca hei de aprender Nem o Saramago a escrever realmente bem

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  4. O Carlinhos e ca dos meus.

    Este poema deveria ser gravado em pedra a porta de toda e qualquer editora, livraria, cafe estilo "art nouveau", pardieiro "heavy metal" ou "punk-hardcore-straightedge", para nao dizer a porta da Associacao Portuguesa de Escritores, na primeira pagina das revistinhas literarias e na porta de toda e qualquer casa de banho publica.

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  5. Este poema é muito inspirador. Obrigado Liliana:)

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  6. Também não exageremos, ó amiga Ana Margarida, ok?

    Ou será que a Ana quer também uma lápide com o poema, à sua porta, gravado em caracteres, sei lá, pali ou assim, par'li estar a minha amiga sentada em "charla" bukowskina?

    "Mulheres"! - diria ele, o... "Carlinhos", quando chegasse...

    Para isso, prefiro o questionário de Proust: é mais curto e usa menos as mesmas palavras.

    (O "Marcelinho" é cá dos meus...)
    (O Carlinhos é lá do seus...)

    Pronto!
    Bjs!

    N.B. Eu ponho acentos porque me apetece, mas pode continuar sem os pôr: não mace o teclado!
    Eles entendem-se às mil maravilhas...

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  7. Amigo Lapdrey,

    Por acaso esse poema do Carlinhos e daqueles que uso para me lembrar a toda a hora de que escrevo apenas pois nao sei fazer nada de realmente util nesta vida.

    Visto que a porta do meu humilde estudio e demasiado pequena e ainda por cima e arrendado, o que me proibe de tais desvarios esteticos, e que nao conto ter uma lapide muito grande na minha campa, perfiro manter esses nacos de lucidez num caderninho sempre pronto a abrir em momentos que esta ameace faltar-me (isto e, nos momentos em que julgo que ler, escrever e investigar valem realmente alguma coisa).

    E o amigo poeta Lapdrey, ja pensou em fazer o mesmo?

    Ja agora, para stisfazer a sua curiosidade: Nao ponho acentos, pois o teclado nao me permite: Comprei o computador nos EUA (pronto, agora ja sabe de onde vem a raiz da minha deformacao). Sim, ha maneiras de o fazer, bastante complexas, mas nao estou para gastar mais tempo nos blogues do que ja gasto.

    Que me desculpem aqueles a quem ofendo o sentido estetico.

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  8. obrigada a todos, sem excepção pelos comentários.

    (p.s - já me vou habituando ao Lapdrey, nas suas lanças, e Ana Margarida Esteves, esteve "limpa" na sua resposta --------eheheh isto tem sido giro assim, ver as pessoas realmente envolvidas nos seus comentários---------o charles gostaria disto também)

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