terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Sê 'em ti mesmo o teu próprio culminar' (Stirner)


Salvador Dali,"Galatea de las Esferas"(1952)


“Como a nossa época está à procura da palavra que exprima o espírito que a habita, numerosos são os nomes que invadem o proscénio, pretendendo todos serem os melhores. Por todos os lados se manifesta o mais diverso fervilhar de partidos e em torno da herança apodrecida do passado reúnem-se as águias do momento. Os cadáveres políticos, sociais, religiosos, científicos, artísticos, morais e outros, abundam por todo o lado e, enquanto não forem todos consumidos, o ar não se purificará e a respiração dos viventes continuará opressa.
Sem a nossa participação, a nossa época não achará a palavra justa, pelo que todos deveremos trabalhar nesse sentido. Mas, se é certo que esta é a nossa tarefa, poderemos com razão perguntar o que se fez e se conta fazer connosco. Teremos de nos interrogar acerca da educação que nos deverá tornar capazes de sermos os criadores dessa palavra. Procura-se desenvolver conscienciosamente a nossa disposição para nos tornarmos criadores, ou antes, somos tratados como criaturas cuja natureza apenas admite a amestração? Esta questão é tão importante quanto qualquer das nossas questões sociais; na realidade, é mesmo mais importante, visto estas repousarem nesta base decisiva. Sede completos, e assim efectuareis algo de realizado. Sê 'em ti mesmo o teu próprio culminar' e dessa maneira, também a vossa comunidade e a vossa vida social alcançarão a culminância”.

Max Stirner, “O falso princípio da nossa educação”, inTextos Dispersos”, Via Editora, Lisboa, 1979, pág. 63 e seg.

9 comentários:

  1. Grato, Lapdrey, por me recordar este autor pelo qual tive uma verdadeira paixão! O António Cândido Franco está a organizar um número d'"A Ideia", revista anarquista, dedicado a ele e convidou-me para escrever sobre "O Único e a Sua Propriedade". Temo todavia não ter tempo, pois era para já, segundo creio. O meu amigo não quererá escrever algo para lá, mesmo muito breve?

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  2. Grato também, meu caro Paulo, pela lembrança que, em certa intervenção exemplar aqui, me devolveu também Stirner ao espírito.

    Stirner, foi e é de facto referência a que amiúde regresso, para mais limpo e enxuto "avanço" em mim, se algo como isso haja.

    Seja como for, aquilo que da consciência em mim adere ainda e se compraz no movente, sempre sente Stirner comigo "debaixo de olho", e assim isso tanto me faz senti-lo marco de extremada lucidez "sófica" quanto agitador imprescindível de toda a veleidade social que em mim possa ainda suscitar-se.

    Quanto, ao resto que me propõe, caro Paulo, se tal convite seja transferível, o que muito duvido e sempre seria perda, falaremos ainda assim sobre isso.

    Grato, de novo, pela lembrança.

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  3. uau Lapdrey, mas que convite honroso! :)

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  4. O que é uma "veleidade social"?

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  5. Exactamente, Fragmentus e Anónimo, o que estamos a fazer: o que vimos todos aqui fazer, quem sabe...

    Leu o texto de Stirner, meu caro Anónimo? Se não leu detidamente, eu avivo-lhe a memória porventura mais curta ou quiçá tropeçante na desatenção própria. Acontece aos melhores, e aos piores também (a estes, e eu neles, acontece também):

    "Os cadáveres políticos, sociais, religiosos, científicos, artísticos, morais e outros, abundam por todo o lado e, enquanto não forem todos consumidos, o ar não se purificará e a respiração dos viventes continuará opressa."

    Por "todo o lado", diz Stirner, leu, caro Anónimo?
    Fala-lhes aqui então um "cadáver" desses, meus caros. Nem mais.
    Venho aqui – entre outros motivos menos extremados talvez, não sei se mais saudáveis, mas sem dúvida de menos nobilitante proveito - para me "consumir" e ser "consumido".

    Nisso, até os convites ou a ausência deles são meros "detalhes" do que mais sempre importa: aqueles mais honram sempre quem os faz do que quem (como eu) os aceite ou decline, que os de todo sempre desmereço.

    A sua ausência, entretanto, é sempre (consentindo eu em que o seja) "terapêutica" - não ser lembrado é, na verdade, a melhor maneira de nos lembramos de nós e, nisso, do nada que somos.

    Aquela portuguesmente chamada "dor de cotovelo" (uma quase "categoria existencial", que tanto entre nós superabunda e a tudo por todo o lado corrói) por vezes espalha-se às restantes parte do corpo: quando tal acontece, e tal tende a acontecer igualmente "por todo o lado", nada tal a ninguém aproveita.

    Eis porque Stirner, prevista e avisadamente, logo acrescenta: "enquanto não forem todos consumidos, o ar não se purificará e a respiração dos viventes continuará opressa". “Todos”, pois, consumidos importa que sejamos. Em querendo-o, é claro.

    Nesta alma a consumir-se, que me vejo, mais aproveitará sempre o convite para o que quer que seja, naquilo a que seja convidado, a sempre a mim nisso convidar-me a ser indiferente às vãs honrarias que disso e no resto se tenha ou haja, que a tal in-diferença quero ser indiferente: já terei tido nisso o meu "galardão", que os não procuro, ainda que eles, pelos vistos, ainda me procurem, procurando este nada chapado que sou.

    Nisso, entretanto, importa ser dito, fica obviamente sempre intacta a nobreza e bondade de quem convide.

    "Veleidade social", meu caro Anónimo, é então (no limite) deter e manter em nós, como valor intrínseco - inalterável, digamos, como se de um absoluto valor matemático absoluto se tratasse - o que meramente perpassa as relações de tensão, vigilância, domínio e controle de que porventura constituamos a nossa vida de relação.

    Tudo o que demos ou recebamos, e tudo o que em contrário disso nos aconteça, será de todo vão se disso não fizermos via de disso mesmo nos libertarmos. Tanto quanto libertarmo-nos da necessidade de aqui virmos fazer o que quer que façamos.

    Abraço a ambos, e a Paulo Borges.

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  6. Muito caro Lapdrey,

    O seu post- não gosto nada desta palavra -, melhor o texto que nos ofertou para reflexão, abre em mim uma ferida que tem muitos anos. A dificuldade em sermos criadores e conseguirmos que os que ensinamos se tornem criadores de si, dos outros e do mundo. A educação e não apenas em Portugal, basta ver um filme que o não é, mais do que tudo é um documentário, A Turma", vive tempos de agonia e morte. E essa morte de que todos somos responsáveis tem os seus protagonistas. Os políticos que não percebendo nada e nada sabendo de substancial sobre a essência do humano, perceberam bem que a escola se deveria tornar o lugar da multiplicação dos ignorantes que os elegem e perpetuam. Nas escolas, por essa Europa fora e só dela posso falar, tudo é cadáver porque os políticos, cheios das fantásticas encenações da Ciência da Educação - ciência de tornar morto o vivo, a originalidade em previsibilidade - prendem o ar dos que ensinam. E a escola, verdadeiro lugar da Vida se entusiasmar e ganhar fogo, é o lugar da morte e da asfixia. E os que não têm ar não falam, não conhecem a palavra, o logos, para poderem exprimir o espírito que habita o tempo. Uma ciência que consegue quantificar, ou tem a pretensão de quantificar tudo, as atitudes e as operações e criações mais elevadas e sublimes do espírito humano, é uma ciência da amestração. A escola é hoje o lugar do degradar e do degrandante e não há nem culminar nem culminância. E é por isso causa de tanta infelicidade e abandono...

    A palavra que exprime o espírito que habita o tempo...e asfixio de dor...

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  7. Quase sempre que chego à Faculdade de Letras de Lisboa me deparo com uma parede que diz algo como... "A escola ensina-te a obedecer"

    Em nome de quem e para quê? Parece não importar.

    (Mas sejamos agora mais 'gregos' do que os gregos...)

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  8. Grato, por virem, Isabel e Anita.

    Sempre que à Faculdade de Letras algum muitíssimo bom motivo me faz regressar - que apenas um unicamente muito, muito bom motivo lá me faz regressar - sempre a mim assoma aquilo que tal lugar fica porventura eternamente a dever a todos quantos por lá passam.

    Isto vale, por certo - com as diferenças que cada diferença confere a um mesmo problema - para todas as escolas.

    Num ensino em que a escola tem como razão quase exclusiva de ser o ensinar e não o aprender, e cujo objectivo axial é realmente aprender a não pensar e não aprender a fazê-lo - uma tal escola é, na verdade (ai de nós, que com isso nos não sublevamos nem sublevámos, e a ela entregamos os nossos filhos, para a mais mísera morte mental), tal escola é, sem tirar nem pôr, uma fábrica de idiotas convencidos que saem preparados para saberem viver (nem falo em trabalhar, e menos ainda em criar), quando deveriam é sair convictos de que o que meramente sabem fazer é nem terem sequer a garantia de saberem saber sobreviver.

    Honra, porém, àqueles que, disso lucida e extremamente conscientes, aceitam ainda assim viver em tal pântano fétido, para ao menos ensinarem (avisarem, talvez melhor dito), a quantos às suas incertas margens arribem, que ali não devem permanecer por tempo delongado, mas debandarem mal possam ou saibam aonde devam, em demanda do que nos manda realmente ser ... humanos.

    Razão tinha o velho Diógenes à procura dum homem em Atenas: que traria ele na mão, se viesse em busca de coisa humana, na aldeia-fantasma das nossas escolas?

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