Tarde de Verão...
Uma leve brisa de ar percorre a montanha levando os habitantes de uma próxima povoação a reunirem-se de emergência por debaixo do velho Salgueiro, à porta do café germinado.
Finda a hora do almoço, já em meia-volta para o abrigo, Pedro descobre duas das suas ovelhas totalmente remoídas. Se o rebanho tivesse mil cabeças era motivo provável para nem se preocupar, há comida para nós e para eles, iria pensar.
A natureza planeara um ataque a treze ovelhas, que no seu reduto proporcionavam o acrescido ganha-pão ao mestre Carpinteiro.
João, velho Ansião, negociante e contrabandista de profissão havia declarado o estado de emergência... Há que contactar aqueles que regem as leis naturais da coabitação Homem-Bicho! - apelou.
Seria de esperar, após uma fervorosa troca de ideias, um ataque em massa (respeitando a ideia do autor), com batedores experientes, aos causadores da imensa tragédia, mas não. Impôs-se o bom senso e... ânimos acalmados.
Com o auxílio dum lápis de refugo, de umas palavras desenhadas e frases bem construídas, foi redigida a missiva à autoridade regulamentadora.
Pedro sente-se mais calmo, e claro está, qualquer tostão que venha sempre será bem empregue e embora escasso poderá vir a remediar a compra de um borrego, ou mesmo os dois.
A época do ano não era favorável.
O Outono aproximava-se…
O Outono veio e com ele o esquecimento.
Desfeita a reunião, emitida e enviada a carta, declarou-se o fim do trabalho selado com duas fatias do outro presunto e um tinto fresco, para manter saúde.
Já a geada cortava quando a tragédia bateu à porta...
Um Inverno-Rei ceifando a vida a mais umas quantas canhonas.
Seis no total, repartidas por Pedro, duas novamente, Zé da Montanha três e João com a restante.
Deveria ter chegado uma resposta mas nem por ela se ouviu...
O estado de emergência fora novamente declarado.
Com a população abrigada em frente ao café, intimada pela trovoada, foram apresentados os factos. Ouviram-se opiniões... chegou-se ao consenso.
Tomada a decisão...
Veio a madrugada e os sinos a rebate.
Uns e outros chegavam lentamente... agasalhos de palha em deslocação ao centro, marcas de sangue na ponte velha... setas, a indicar o caminho a percorrer... olhos expectantes, arregalados em contraste com outros, agora sem vida.
O Salgueiro era deus, o tampo de granito, o altar e em cima, Homem-Bicho finalmente em repouso, gozando a eternidade... num silêncio de bosque, humanamente vazio.
21 de Setembro de 1997
(sem título)
E assim continuará,
seja talvez essa a verdadeira lição...
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Vergílio Torres
Vergílio,
ResponderEliminarnão vou dar uma sugestão. Nem poderia dar...o texto tem uma relação com a voz que o escreveu, não com a dos outros. Mas posso dizer que quando lia ouvi dentro de mim um verso conhecidíssimo que diz: "esta é a minha carta ao mundo que nunca me respondeu..."
Deve saber de quem é...
Uma tarde muito feliz.
E, obrigada pelo outro Vergílio do outro dia, também.
:) Por aqui continuaremos, a pedir ao mundo que nos receba de braços abertos, já que a Ele estaremos dispostos a dar tudo...
ResponderEliminarObrigado.
Caro Vergílio, gostei da estranha tristeza da sua história, mas o título não surge... Pode ser um bom sinal, algo que se recusa a ser baptizado... Há coisas que resistem ao nome, outras que lhe não resistem... Finam-se...
ResponderEliminarNão pude deixar de reter "há coisas que resistem ao nome", "relação com a voz que escreveu"... Esta história, mais precisamente um conto, nunca teve título, uma sugestão inicial para a sua leitura. Nada mais. Muitas foram as vezes que me senti tentado a esse baptismo quando no fundo, por estas palavras sabia que ele se recusava a aceitá-lo. Não deixa de ser um confronto meu para com o que escrevi em tempos. Guardo-o na recordação, com saudade... Recordo-me também da motivação inicial para a criação deste conto, mas nada disto me ilumina, muito menos me satisfaz. Muito sinceramente, sei que ele não quer ser baptizado, (abusando agora do termo) não quer ser sugerido por título, mas no entanto é esta conversa que eu tenho com ele, e com todos vós que me faz imaginar o seu nome... sabendo de antemão que ele não o deseja, ou eu... Obrigado caro amigo :)
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