Passei hoje toda a manhã na Assembleia da República, para assistir à discussão da petição sobre os Direitos Humanos no Tibete, de que fui o primeiro subscritor e que obteve 11000 assinaturas. Mas não é disso que venho falar. Venho falar da confirmação directa da imagem que já tinha do estado da nação, no que respeita aos seus representantes parlamentares.
Hoje era o último dia de trabalhos antes das férias parlamentares, com uma agenda cheia de debates e votações sobre projectos de lei e petições. Às 10 horas, quando abriram os trabalhos, as bancadas teriam no máximo um terço dos deputados. À medida que os vários oradores, do governo e dos partidos, tomavam a palavra, aquilo a que se assistia era o seguinte: dos escassos presentes, ninguém parecia estar a ouvir absolutamente nada; uns levavam o portátil e mandavam mails, outros falavam ao telefone, uns conversavam em pequenos grupos, alguns de costas viradas para o orador, outros liam tranquilamente os jornais: diários, desportivos, etc. Apenas interrompiam estas actividades para aplaudirem maquinalmente o orador do seu partido, voltando depois ao mesmo.
Foi só por volta do meio-dia que o hemiciclo se começou a compor e só então chegaram as figuras mais relevantes e as caras mais conhecidas dos vários partidos, com ar descontraído, palmadinhas nas costas e sorrisos cúmplices para os seus correlegionários. Foi por essa altura que a petição relativa ao Tibete começou a ser discutida. Quando a deputada do PS começou a apresentar o relatório sobre a situação no Tibete, elaborado a partir das reuniões que o grupo parlamentar dos Negócios Estrangeiros manteve connosco, o ruído das conversas era tal que ela teve de parar por duas vezes e o próprio Presidente da Assembleia, Jaime Gama, de pedir silêncio aos "senhores deputados". Sem qualquer efeito. O ambiente era igual ou pior ao de uma turma das mais indisciplinadas do ensino primário ou secundário. Em abono da verdade, ressalve-se que só a bancada do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista mantinha relativamente maior silêncio e compostura.
Seria apenas hoje, por ser o último dia antes das férias? Não. Uma amiga que lá trabalha esclareceu que é sempre assim.
Após a apresentação das várias matérias em debate, nestas circunstâncias de total alheamento e desrespeito mútuo, ia-se seguir a votação. Levantei-me e vim-me embora. Estava elucidado e só pensava que, após dois mandatos de quatro anos nesta vida, saem de lá com belas reformas para sempre.
Estou esclarecido sobre o estado da nação, espelhado no seu Parlamento, que deveria ser-lhe exemplo. Só pergunto, a mim e a vocês, se são estes os nossos representantes, se são estes que queremos como representantes. É isto democracia, partidocracia ou mediocrecracia? E o que fazemos?
Eu não vou escrever aqui "merdocracia" para não te ofender...
ResponderEliminarE é claro que nunca subscreverias tal coisa, como é claro.
E poderias fechar aqui esta casa de loucos pela qual não te podes responsabilizar.
Mas, só para apimentar um pouco o debate, nós vivemos a pior crise petrolífera de sempre, há crise económica, mas não assistimos a uma hecatombe. Fossem diferentes estes pulhazinhos gestores de défices e da burrice mais descarada, e a situação do país seria diferente, com mais alternativas para todos os que precisam.
E o alheamento em relação à questão tibetana não é de estranhar, uma vez que nem o que está aqui mesmo à porta das instituições do Estado é visto com olhos de ver.
Eu sou democrata, mas cada vez mais profundamente anarquista. Cada vez mais.
Não precisamos de burros se queremos que a nossa vida colectiva seja orientada de forma inteligente.
E depois da campanha que foi feita contra o funcionalismo público e contra os professores e, agora mais recentemente, contra as instituições do ensino superior, o que precisamos não é uma super-universidade, como algumas mentes ruminantes defenderam há pouco, nos terros do Júlio de Matos e por ali fora até onde nem o diabo imagina, que seria a maior universidade do mundo, o que precisamos é do maior manicómio do mundo para lá pôr esses senhores deputados e afins, ou para para lá nos mudarmos para podermos viver mais descansadamente.
E reformava já essa gente toda.
E falando a sério: há que intervir. Eu não acredito que Portugal se reveja nesta trupe cavaqueira (são todos, mesmo os mais contrários à figura regente).
Mas o problema não está nessas figuras. Como é claro, está em nós.:)
"O que fazemos?"
ResponderEliminarO que estás a fazer...
"Eu sou democrata, mas cada vez mais profundamente anarquista."
ResponderEliminarMais um, mais um:-)! Não sou a única a olhar o vazio!
O que precisamos fazer? Apostar uma educação popular de base, de raiz, que aproveite o conhecimento experiencial de cada comunidade e o transporte em ferramenta de desenvolvimento de uma consciência crítica do todo e consciente da interdependência e por isso da necessidade de praticar dois valores fundamentais - a solidariedade e a valorização da vida interior sobre as aparências expeteriores, que alimentam o consumismo.
Há que construir a identidade a partir de dentro, da vida interior, e não a partir de fora, do espelho das reacções dos outros em relação a nós e da forma como elas nos posicionam em hierarquias sociais.
Mas acham que a democracia vai durar para sempre? Acham que é a única forma de governo possível e viável? Será a ideia de democracia assim tão perfeita e atemporal que não se consiga conceber uma outra forma de regime? Porque depositam toda a vossa fé na democracia, como se ela fosse a única esperança a que nos podemos agarrar? Quanto tempo durou a democracia na Grécia? E em Roma, quanto tempo durou a res publica? Depois da Atenas democrática veio a Alexandria faraónica. Depois da Roma republicana veio a Roma imperial, cujo modelo foi precisamente o regime alexandrino, mas com uma diferença: a instiuições republicanas continuaram a funcionar, ou seja, ajustou-se a tradição democrática a uma tradição bem mais antiga (milenar) e estável. A democracia tal como a conhecemos já deu o que tinha a dar... Invente-se outra coisa!
ResponderEliminarPor esse motivo o Egipto torna-se importante: ele surge como uma terceira opção ao lado do despotismo oriental e da democracia ocidental. Nesta época (e talvez já antes, nos círculos pitagóricos) o Egipto significava estabilidade política e cultural, um poder absoluto legitimado por uma obrigação rigorosa perante antiquíssimas e venerandas leis, uma função claramente definida da religião na colectividade («teologia política») e uma élite filosófico-político-religiosa, à qual pertencia também e sobretudo o rei. O rei era filósofo, legislador e sumo sacerdote. Dele provinham profunda sabedoria, boas leis e ritos apreciados pelo deus. Ptolomeu pode ter querido recorrer a este papel do faraó como fundador de rituais quando introduziu em Alexadria o culto de Serápis. O fundamento filosófico-sacerdotal da monarquia egípcia permanece um topos na literatura grega sobre o Egipto.
ResponderEliminar«L’immagine greca della cultura egiziana», in I Greci 3 (i Greci oltre la Grecia), S. Settis (coord.), Turim, Einaudi, 2001, p. 437.
Reparem no regime inglês, que é talvez um dos melhores exemplos de uma boa solução de convivência entre a tradição monárquica e a democracia. Vejam como a rainha da Inglaterra é o sumo sacerdote da Igreja Anglicana, e ao mesmo tempo é o soberano da Commonwealth; os canadianos e os australianos são súbbditos da Isabel II, não é verdade? Mas vivem nas suas democracias, Canadá e Austrália. Não é por acaso que a Anglofonia é actualmente a cultural mais universal... Mas vai vir o tempo da Lusofonia, que também vai precisar de um soberano que seja um sumo sacerdote. E não é preciso abandonar a democracia, os romanos não a abandonaram, é preciso repensá-la, readaptá-la... E que dizer da tradição da figura do Dalai Lama? Chefe político, chefe religioso, sumo sacerdote... Será que algum dia veremos um Dalai Lama luso? (Quem alguma vez teria imaginado um faraó grego...?)Tudo é possível...
ResponderEliminarQue tinha que fazer a Humanidade? Ela estava no fim. Esgotara tudo.
ResponderEliminar- Para qualquer lado que a gente se volte: tudo no fim.
(...)
Há dois mil anos. Política, Arte, Religião, Costumes, Filosofia. Tudo no fim.
- Política, Filosofia, Religião. É ver a arte, essa evidência da vida. Tudo se despedaça, se destrói, no estertor do fim.
(...)
- Todas as religiões estarão em crise. Mas não o sagrado que as justifica.
(...)
- É o fim de uma cultura - disse alguém. - Tudo o que nela era possível se realizou. Não há mais possibilidade. Há só que reinventar tudo outra vez.
Alegria Breve, 214-215.
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A invenção de um novo mundo não é uma invenção de ninguém. Não está na nossa mão criá-lo; está só, quando muito, ajudar ao seu parto. E todavia - sabemo-lo bem - é em nós que ele se gera; mas tão longe donde estamos, que só quando irrevogável o sabemos. Um mundo acontece na escolha indeterminável de nós. Assim pois, testemunhas apenas à superfície desse acto de criação, instrumentos que se ignoram para a grande obra invisível, anterior à obra visível, nós cumprimos sempre as ordens que ninguém deu e não as pudemos pois discutir.
(...)
Mais alto do que os deuses, porque aos deuses inventou, que o homem tente agora inventar-se a si mesmo. Uma nova idade se erga - vai erguer-se, eu o sei, nós os sabemos. Não de sinais revelados em profecia, mas da grave certeza que está antes dos profetas e do seu ruído.
Invocação ao Meu Corpo, 14-18.
Que símbolo final
ResponderEliminarmostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto...
"uma obrigação rigorosa perante antiquíssimas e venerandas leis, uma função claramente definida da religião na colectividade («teologia política») e uma élite filosófico-político-religiosa, à qual pertencia também e sobretudo o rei. O rei era filósofo, legislador e sumo sacerdote."
ResponderEliminarJá diz a sabedoria popular que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absoltamente.
Como se pode esperar tal perfeição de um ser humano? Mesmo se esse ser humano for um Dalai Lama Luso? Se o próprio Dalai Lama é humano?
Não me identifico de maneira nenhuma com est proposta. Prefiro ma democracia tosca e decadente a ser governada por uma casta à parte, num regime absoluto em que religião e política se confundem.
Algúém tem outras propostas de alternativa sistema político que temos?
Confesso que de momento não consigo formular nenhum.
Só sei qe a ideia de uma elite filosófico-político-religiosa me dá calafrios.
Honestamente, sinto-me cada vez mais pessimista. Ultimamente mesmo, hoje mesmo, dizia a uma amiga que gostava de morar no campo. Claro que dirão que isto é alienação e fuga ilusória da realidade mas, ainda conforme essa amiga, o que mais apetece é ir para uma ilha e levar unicamente uma metralhadora para disparar sobre qualquer um que venha para fazer amizade.
ResponderEliminarA humanidade está deveras cansativa e envilecida. Até esta coisa das bicicletas nos passeios me está a deixar psicótica. Digam-me: exagero?
E viver no campo?Se formassemos uma comunidade bucólica, rural, retirada das grandes urbes?
Digam-me que podíamos pensar nisto, estou tão cansada!
Beijos tamborínicos.
Ana Margarida, parece-me que estás demasiado presa aos (pre)conceitos da nossa época, à história tal como ta contaram na escola, à imediatez dos clichés. E depois tens que ler tudo, captar a totalidade das ideias, não te fixes num só ponto. Reiventar não é copiar o passado, amiga. Também não é deitar as conquistas do presente para o lixo... A Isabel II tem poder absoluto? Os canadianos não vivem em democracia? Reiventar é reinventar, baralhar as cartas e voltar a dar... Haja criatividade, abertura de espírito, disponibilidade e ousadia para experimentar ideias novas, por tudo em causa e ao mesmo tempo admitir a possibilidade de tudo e mais alguma coisa. Não me digas que já tens o cérebro formatado pela mentalidade da eficientíssima democracia americana... não será ela um absolutismo materialista mascarado de democracia? E o poder económico, não é ele um absolutismo? No fundo é dele que vêm todas as leis (com mais ou menos hipocrisia...) É tudo tão relativo... conceitos, conceitos, conceitos...
ResponderEliminarIsso! Um Dalai Lama luso! Um filósofo-sacerdote-rei iluminado, união do céu e da terra! O Rei-Pontífice do V Império! Isso é a única via! A única garantia de um governo que vise o Bem comum!
ResponderEliminar"Não me digas que já tens o cérebro formatado pela mentalidade da eficientíssima democracia americana... "
ResponderEliminarDE MANEIRA ALGUMA!!!!! Se aquilo é democracia, vou ali já venho.
"não será ela um absolutismo materialista mascarado de democracia?"
Pior, é uma mercadocracia e um regime ditatorial, dirigido pelo complexo militar-industrial, mascarado por um discurso delicodoce e politicamente correcto.
Prefiro o caos político Brasileiro à "eficiente" "democracia" norte-americana.
O que eu queria deizer é que, sinceramente, não acho que uma casta de intelectuais seja a melhor forma de se escolher governantes (prefiro uma de agricultores, ao menos estes têm um conhecimento mais profundo dos ciclos na Natureza) e que um filósofo-rei-iluminado seja o melhor tipo de governante, pois desconfio muito das pessoas que acham que atingiram a iluminação e mato o Buda sempre que o encontro pela frente.
Além de que esta proposta cheira um bocado a Integralismo Lusitano e coisas parecidas que me fazem fugir a sete pés ... Pode ser preconceito, mas quem não os tem?
Pensava que matar o Buda era Despertar!... Já deves então estar iluminada.
ResponderEliminarMuito longe disso, meu caro amigo eco, muito longe disso ...
ResponderEliminarDuvido até que atinga a iluminação nesta vida ou noutras próximas.
Ou até o próprio Despertar.
ResponderEliminarPaulo, o que aconteceu na votação sobre a petição pelos direitos Humanos no Tibete?
ResponderEliminarSolidariedade!