terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

antemanhã




entre um dia e outro toda a vida
vem beber a água ténue
do esquecimento
que leva os idos
e os deixa presos numa ilha sem nome
o som de passos nos corredores ermos
do palácio onde não fui rei
desperta-me por vezes
e danço a folia dos deserdados
entre um dia e outro
quando o possível vem à tona da ilusão
mas lavo o rosto na água sem calafrios
e a realidade dá-se-me sem as certezas
que a trazem presa nas rédeas da metafísica
bebedeira de casualidade e causalidade sem eixos
ou rumos impostos ab initio
entre um dia e outro fica a distância
entre a séria impossibilidade de ser outro
e a impossibilidade doida de ser eu
nas duas faces da navalha
dois rostos iguais
espelham a coincidência do que não sou
por já ter sido
e por ainda não ser
e no meio
naquela equidistância que cegou os gregos
e os bárbaros que os leram no depois
o sangue
a flor
a morte
a dor
a alegria
sem mais
o bolor
e os dentes cravados
no ao de lá da carne
em greta
não fuja o diabo da cruz
e o ventre fique prenhe
de outra vez

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