MOMENTO
ajo
como um asno
teimo
dão-me porrada
pasmo
na impossibilidade
animal
de me vingar
ou defender
arreganho os dentes
com sarcasmo
Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
terça-feira, 8 de outubro de 2013
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
11 DE SETEMBRO - SE BEM ME LEMBRO
SE BEM ME LEMBRO
EM 73 NO CHILE
HOUVE UM ONZE DE SETEMBRO
NÃO SÓ NO CHILE
EM TODO O MUNDO DESDE SEMPRE
HOUVE E CONTINUARÁ A HAVER
ONZES DE SETEMBRO
E VINTE E CINCOS DE ABRIL
MAS ESTE NO CHILE
EU BEM ME LEMBRO
ROUBOU-NOS DOIS POETAS
DE QUE EU GOSTAVA MUITO
:
PABLO NERUDA E SALVADOR ALLENDE
VOLVIDOS VINTE E OITO ANOS
- TUDO SE REPETE - POUCO OU NADA MUDA
EM NOVA YORK CAEM DUAS TORRES
QUEM SABE PARA VINGAR AS MORTES
DE SALVADOR ALLENDE
E PABLO NERUDA
SE BEM ME LEMBRO
DITAS GÉMEAS
RECONHECIDAMENTE
AS MAIS RICAS DO MUNDO
CONTUDO
SE MUITA GENTE AINDA HOJE CHORA
O ONZE DE SETEMBRO DE NOVA VORK
COMO UM DIA TRISTE, DESUMANO - VIL
SE BEM ME LEMBRO
A HUMANIDADE O QUE MAIS DEPLORA
É O NEGRO ONZE DE SETEMBRO
QUE EM 73
PARA TODO O SEMPRE
ENLUTOU O CHILE
SE BEM ME LEMBRO
EM 73 NO CHILE
HOUVE UM ONZE DE SETEMBRO
NÃO SÓ NO CHILE
EM TODO O MUNDO DESDE SEMPRE
HOUVE E CONTINUARÁ A HAVER
ONZES DE SETEMBRO
E VINTE E CINCOS DE ABRIL
MAS ESTE NO CHILE
EU BEM ME LEMBRO
ROUBOU-NOS DOIS POETAS
DE QUE EU GOSTAVA MUITO
:
PABLO NERUDA E SALVADOR ALLENDE
VOLVIDOS VINTE E OITO ANOS
- TUDO SE REPETE - POUCO OU NADA MUDA
EM NOVA YORK CAEM DUAS TORRES
QUEM SABE PARA VINGAR AS MORTES
DE SALVADOR ALLENDE
E PABLO NERUDA
SE BEM ME LEMBRO
DITAS GÉMEAS
RECONHECIDAMENTE
AS MAIS RICAS DO MUNDO
CONTUDO
SE MUITA GENTE AINDA HOJE CHORA
O ONZE DE SETEMBRO DE NOVA VORK
COMO UM DIA TRISTE, DESUMANO - VIL
SE BEM ME LEMBRO
A HUMANIDADE O QUE MAIS DEPLORA
É O NEGRO ONZE DE SETEMBRO
QUE EM 73
PARA TODO O SEMPRE
ENLUTOU O CHILE
terça-feira, 13 de agosto de 2013
terça-feira, 6 de agosto de 2013
terça-feira, 30 de julho de 2013
GRANDES SÓ A MINHA ALDEIA
E EU
vivo no campo
- a 2 quilómetros da Aldeia
da minha Aldeia
a 7 da Vila
a 20 da Cidade
vivo a não mais de 150
quilómetros de Lisboa
- que é a capital de Portugal
como o Mundo é pequeno
- acabo de confirmar:
não mais de 200 países como Portugal
a despeito da China e da Índia
e da Rússia
e dos Estados Unidos da América
- não mais de 200 países como Portugal
há quem já os tenha percorrido a todos
dado a volta ao Mundo
onde cabem estes 200 países
é aquilo a que chamamos
World
Earth (?)
Monde
Mundo
uma frágil bolinha de sabão
pronta a esvair-se
ao menor grão de areia
que lhe surja no percurso
já Universo é coisa bem maior
é noite
-paro o carro junto à casa onde moro
como sempre virado para Norte
à minha frente a Ursa maior
um pouco à direita
à minha mão direita
a menos de um metro de distância
a simpática W/Cassiopeia
atrás de mim - nem preciso olhar para saber -
um extenso ligeiramente encurvado rabo-de-gato - a nossa Via Látea-
com ninguém sabe quantos milhões de estrelas como o Sol
não sei quantos milhares de milhões
de planetas
como este nosso a que chamamos Mundo
ainda à direita - e mais alto do que o binómio
Ursa Maior-Cassiopeia
o caracol de Pastelaria
a que em boa hora deram o nome de
Andrómeda
que eu já vi
duas ou três vezes
enrolada na sua bela pequenez
sem sair do carro
penso em como tudo isto é belo
e ridiculamente pequeno apesar de tudo
não há Lua
Marte fulge
por cima da cumieira do Monte
abro a porta do carro
saio
viro-me rigorosamente para Norte
sou intransigento nisso
abro o fecho-eclaire das calças
esboço um sorriso
mijo
E EU
vivo no campo
- a 2 quilómetros da Aldeia
da minha Aldeia
a 7 da Vila
a 20 da Cidade
vivo a não mais de 150
quilómetros de Lisboa
- que é a capital de Portugal
como o Mundo é pequeno
- acabo de confirmar:
não mais de 200 países como Portugal
a despeito da China e da Índia
e da Rússia
e dos Estados Unidos da América
- não mais de 200 países como Portugal
há quem já os tenha percorrido a todos
dado a volta ao Mundo
onde cabem estes 200 países
é aquilo a que chamamos
World
Earth (?)
Monde
Mundo
uma frágil bolinha de sabão
pronta a esvair-se
ao menor grão de areia
que lhe surja no percurso
já Universo é coisa bem maior
é noite
-paro o carro junto à casa onde moro
como sempre virado para Norte
à minha frente a Ursa maior
um pouco à direita
à minha mão direita
a menos de um metro de distância
a simpática W/Cassiopeia
atrás de mim - nem preciso olhar para saber -
um extenso ligeiramente encurvado rabo-de-gato - a nossa Via Látea-
com ninguém sabe quantos milhões de estrelas como o Sol
não sei quantos milhares de milhões
de planetas
como este nosso a que chamamos Mundo
ainda à direita - e mais alto do que o binómio
Ursa Maior-Cassiopeia
o caracol de Pastelaria
a que em boa hora deram o nome de
Andrómeda
que eu já vi
duas ou três vezes
enrolada na sua bela pequenez
sem sair do carro
penso em como tudo isto é belo
e ridiculamente pequeno apesar de tudo
não há Lua
Marte fulge
por cima da cumieira do Monte
abro a porta do carro
saio
viro-me rigorosamente para Norte
sou intransigento nisso
abro o fecho-eclaire das calças
esboço um sorriso
mijo
segunda-feira, 29 de julho de 2013
sexta-feira, 26 de julho de 2013
domingo, 21 de julho de 2013
ERAM SEMPRE NOVE À HORA DA COMIDA
sete fêmeas e dois machos
- elas, duas brancas
três tartarugas
uma indefinida e uma preta
eles, machos,
um amarelo tigrado
o outro - pardo
dos machos
com o andar do tempo
veio um branco não sei de onde
que após muita porrada
expulsou em definitivo
o pardo
e o amarelo
passaram
a ser só oito à hora da comida
só oito
até que uma das tartarugas deu à luz
3 amarelos
outra tartaruga
pariu 4 brancos - com as extremidades amarelas
- um dos quais desapareceu
nas múltiplas mudanças
a que a mãe os sujeitou
a preta pariu três
-cada um de sua cor - um preto
um branco
um amarelo
há ainda uma tartaruga
e uma branca por parir
de qualquer modo
são agora 9
mais 9 além dos nove iniciais
(8 desde que o branco chegou
e expulsou o pardo e o
amarelo)
são agora portanto
- para mal de meus
orçamento e vida -
17 gatos
à hora
da comida
sete fêmeas e dois machos
- elas, duas brancas
três tartarugas
uma indefinida e uma preta
eles, machos,
um amarelo tigrado
o outro - pardo
dos machos
com o andar do tempo
veio um branco não sei de onde
que após muita porrada
expulsou em definitivo
o pardo
e o amarelo
passaram
a ser só oito à hora da comida
só oito
até que uma das tartarugas deu à luz
3 amarelos
outra tartaruga
pariu 4 brancos - com as extremidades amarelas
- um dos quais desapareceu
nas múltiplas mudanças
a que a mãe os sujeitou
a preta pariu três
-cada um de sua cor - um preto
um branco
um amarelo
há ainda uma tartaruga
e uma branca por parir
de qualquer modo
são agora 9
mais 9 além dos nove iniciais
(8 desde que o branco chegou
e expulsou o pardo e o
amarelo)
são agora portanto
- para mal de meus
orçamento e vida -
17 gatos
à hora
da comida
quarta-feira, 17 de julho de 2013
segunda-feira, 8 de julho de 2013
domingo, 7 de julho de 2013
gosto
gosto do teu abraço
gosto do teu sorriso
gosto quando lês em voz alta
gosto quando falas de história
gosto quando me dás a ler
gosto quando me levas ao cinema
gosto quando te irritas
gosto quando me dizes não
gosto de ver o tejo contigo
gosto do que não gosto
gosto da tua impaciência
gosto da tua generosidade
gosto da tua resistência
gosto da tua janela florida
gosto dos teus livros espalhados
gosto da tua musica
gosto da tua mão nos meus ombros
gosto do teu beijo na minha testa
gosto de ti assim
como és
gosto do teu sorriso
gosto quando lês em voz alta
gosto quando falas de história
gosto quando me dás a ler
gosto quando me levas ao cinema
gosto quando te irritas
gosto quando me dizes não
gosto de ver o tejo contigo
gosto do que não gosto
gosto da tua impaciência
gosto da tua generosidade
gosto da tua resistência
gosto da tua janela florida
gosto dos teus livros espalhados
gosto da tua musica
gosto da tua mão nos meus ombros
gosto do teu beijo na minha testa
gosto de ti assim
como és
sábado, 6 de julho de 2013
lagartos ao sol
Um grupo de restaurantes vazios decoram a praia urbana. Uma família numerosa de prédios com varandas fechadas e parques de campismos com roulotes instaladas há anos completam o cenário.
As mercearias concorrem derrotadas com os mini-mercados.
Um casal cuja faixa etária parece-se com a minha, pergunta:
- Os bancos estão abertos aos sábados?
Responde o merceeiro
- Só em Paris...
Na Costa da Caparica, há brasileiros e portugueses, velhos e jovens, brancos e pretos, gordos e magros e gordos de novo. Um hamburguer ao modo Mc Donald's custa menos de 2€.
A caminho da praia encontro Rosa com a família. Chapéus de sol, sacos com comida e bebidas tornam a bagagem do fato de banho pesada.
É com esforço que damos um abraço, as nossas mochilas atrapalham. Resignadas sorrimos.
- Como estás? Há tempo tempo! Não envelheces...
- Nem tu!
Ambas sabemos que mentimos. Do meu lado intactas restam as sardas, do lado de Rosa, os mesmos ombros magros contrastam agora com a gordura acumulada nas ancas.
- Mas como estás?
- Desempregada...
- Mas fora isto, está tudo bem?
...
O nosso olhar vagueia. Pede um mergulho. O mar está povoado de banhistas como se fossem peixes - na rede boa presa.
Na areia - lagartos ao sol.
quinta-feira, 4 de julho de 2013
desejo
redondo, quase sem forma, viaja do pescoço ao dorso
ganha ânimo na despedida, quando no ventre faz ninho
roubando ao tempo o que tempo não dá
é assim o desejo que teimoso regressa
tempestade serena que a vontade alimenta
euforia que se escapa, foge e acorda
até que com ele a morte case.
terça-feira, 2 de julho de 2013
alentejo
Pedi ao céu que não
e fico nua
Febril em mim, habitas
Antes,
a antiga sorte
da tua ausência.
Agora sem ti
sou tua
e fico nua
Febril em mim, habitas
Antes,
a antiga sorte
da tua ausência.
Agora sem ti
sou tua
domingo, 30 de junho de 2013
E se
Na sala da nossa casa na Leôncio de Magalhães, em São Paulo, as mãos dos meus irmãos abriam-se para receber o pó que nos fazia voar.
- Vamos viajar os três! Basta-nos sentir os pés nas nuvens e cheirar o ar do céu...
De braços abertos percorríamos a sala e o chão deixava de existir.
- E se, o Tejo fosse a água que separa Niteroi da Guanabara...
E se, era semear em terra fértil.
“– «Eu sou aquele oculto e grande Cabo
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio e quantos passaram fui notório.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório,
Que para o Pólo Antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende. (...)” *
A vida desperta em cada instante, no Cabo das Tormentas a Boa Esperança.
E se, a vida fosse este ar puro, que por vezes inspiro em cada beijo, e nutre o meu desejo de atravessar o cabo para poder respirar?
Em cada uma das nossas mãos, liberdade. Descansávamos nas estrelas e de lá o mundo nos parecia pequeno.
Na dor que nos separava, um lamento pequeno a pedia-nos coragem.
E se a vida fosse
a Boa Esperança
Tormenta que apazigua
Vida
Vamos viajar - os três, de ocidente a oriente. Querida irmã tu serás a princesa e nós os guerreiros que defendem o teu reino. Recolhe as asas na tempestade, abre-as ao sabor do vento.
E se,
Esta é a parte que falta
acende a vida
alimenta a serenidade
vontade que tenho
e não tenho
meus dedos que tocam e fogem
o corpo que se contrai,
pede e recusa
enredo sublime
que reinventa a vida
A quem a minha ousadia tanto ofende
Na Leôncio de Magalhães, éramos três a crescer. Na casa vizinha um cão morria de tristeza pela morte do dono. O comboio no final da rua ditava as meias-horas. A Nair esticava a carapinha nos sábados. Nossa mãe tocava piano. Nosso pai, escrevia.
Na segunda metade de vida, contornámos o cabo.
E se, outra vida houver estaremos nela inteiros.
Com asas, sem medo de voar.
* Canto V - estancia 50 - Lusíadas - Camões
- Vamos viajar os três! Basta-nos sentir os pés nas nuvens e cheirar o ar do céu...
De braços abertos percorríamos a sala e o chão deixava de existir.
- E se, o Tejo fosse a água que separa Niteroi da Guanabara...
E se, era semear em terra fértil.
“– «Eu sou aquele oculto e grande Cabo
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio e quantos passaram fui notório.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório,
Que para o Pólo Antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende. (...)” *
A vida desperta em cada instante, no Cabo das Tormentas a Boa Esperança.
E se, a vida fosse este ar puro, que por vezes inspiro em cada beijo, e nutre o meu desejo de atravessar o cabo para poder respirar?
Em cada uma das nossas mãos, liberdade. Descansávamos nas estrelas e de lá o mundo nos parecia pequeno.
Na dor que nos separava, um lamento pequeno a pedia-nos coragem.
E se a vida fosse
a Boa Esperança
Tormenta que apazigua
Vida
Vamos viajar - os três, de ocidente a oriente. Querida irmã tu serás a princesa e nós os guerreiros que defendem o teu reino. Recolhe as asas na tempestade, abre-as ao sabor do vento.
E se,
Esta é a parte que falta
acende a vida
alimenta a serenidade
vontade que tenho
e não tenho
meus dedos que tocam e fogem
o corpo que se contrai,
pede e recusa
enredo sublime
que reinventa a vida
A quem a minha ousadia tanto ofende
Na Leôncio de Magalhães, éramos três a crescer. Na casa vizinha um cão morria de tristeza pela morte do dono. O comboio no final da rua ditava as meias-horas. A Nair esticava a carapinha nos sábados. Nossa mãe tocava piano. Nosso pai, escrevia.
Na segunda metade de vida, contornámos o cabo.
E se, outra vida houver estaremos nela inteiros.
Com asas, sem medo de voar.
* Canto V - estancia 50 - Lusíadas - Camões
quarta-feira, 19 de junho de 2013
TÃO NU!, por Isabel Rosete
Deixaste morrer o entusiasmo em mim
E o entusiasmo morreu por si.
Não sei..., não sei…, se ele voltará
Nesta ou em outra vida qualquer,
Nem o encanto que me habitou de ti.
Os meus ossos já não se guardam.
Completamente fragmentados,
Foram rendilhados pela tristeza da amargura
De já não seres nada em mim.
Já não tenho as mantas de retalhos coloridas
Tecidas de pétalas de flores viçosas,
Aquelas onde nos deitávamos,
A seguir ao almoço, para serenar
Durante a sesta adormecida entre-braços,
Os teus braços fortes de uma segurança
Tão..., mas tão… inabalável!
Também já não tenho a beleza vaga
Que em (teus) sonhos houver.
Apenas a revelação das evidências,
O violento derrube das aparências
E dos convencionalismos crescentes.
Não quero parecer nada!
Não quero que pareças nada!
Não sei se ouvirei, mais alguma vez, a tua voz!
Não sei se sentirei, de novo, o toque das tuas mãos!
Não sei se experimentarei, outra vez, o arrebatamento
Do teu corpo nu no meu, igualmente nu,
- Tão nu! -
Durante aquela penetração avassaladora.
Não sei se re-conhecerei o sabor da tua boca
Tão vigorosa e sedenta,
Ou os teus abraços, outrora, únicos,
Intensos e quentes, alucinantes e aconchegados!
As paixões são instantes de convulsões
Momentâneas que, depressa, arrefecem
Na omissão prolongada do seu objecto.
- Queres voltar depois de um tão longo
Período de ausência injustificada?
Não sabes que o Tempo tem o seu tempo?
O teu tempo esgotou-se
Tão imediatamente quanto a água das barragens
Em período de seca extrema.
Ficou apenas o vazio da tua passagem
Presente (amiúde) na minha memória,
Agora em repouso, no mais profundo silêncio de si.
E... a tarde cai, mais uma vez,
Neste resto de dia de lembranças
Sem que volte a avistar o teu rosto,
A tua ténue figura...
A fina silhueta, sem braços e sem pernas,
Em que te transformaste.
- Não! Não insistas! Já não vale a pena!
Não o vês? Será que não o vês?
A tua alma tornou-se demasiado pequena.
Isabel Rosete
Deixaste morrer o entusiasmo em mim
E o entusiasmo morreu por si.
Não sei..., não sei…, se ele voltará
Nesta ou em outra vida qualquer,
Nem o encanto que me habitou de ti.
Os meus ossos já não se guardam.
Completamente fragmentados,
Foram rendilhados pela tristeza da amargura
De já não seres nada em mim.
Já não tenho as mantas de retalhos coloridas
Tecidas de pétalas de flores viçosas,
Aquelas onde nos deitávamos,
A seguir ao almoço, para serenar
Durante a sesta adormecida entre-braços,
Os teus braços fortes de uma segurança
Tão..., mas tão… inabalável!
Também já não tenho a beleza vaga
Que em (teus) sonhos houver.
Apenas a revelação das evidências,
O violento derrube das aparências
E dos convencionalismos crescentes.
Não quero parecer nada!
Não quero que pareças nada!
Não sei se ouvirei, mais alguma vez, a tua voz!
Não sei se sentirei, de novo, o toque das tuas mãos!
Não sei se experimentarei, outra vez, o arrebatamento
Do teu corpo nu no meu, igualmente nu,
- Tão nu! -
Durante aquela penetração avassaladora.
Não sei se re-conhecerei o sabor da tua boca
Tão vigorosa e sedenta,
Ou os teus abraços, outrora, únicos,
Intensos e quentes, alucinantes e aconchegados!
As paixões são instantes de convulsões
Momentâneas que, depressa, arrefecem
Na omissão prolongada do seu objecto.
- Queres voltar depois de um tão longo
Período de ausência injustificada?
Não sabes que o Tempo tem o seu tempo?
O teu tempo esgotou-se
Tão imediatamente quanto a água das barragens
Em período de seca extrema.
Ficou apenas o vazio da tua passagem
Presente (amiúde) na minha memória,
Agora em repouso, no mais profundo silêncio de si.
E... a tarde cai, mais uma vez,
Neste resto de dia de lembranças
Sem que volte a avistar o teu rosto,
A tua ténue figura...
A fina silhueta, sem braços e sem pernas,
Em que te transformaste.
- Não! Não insistas! Já não vale a pena!
Não o vês? Será que não o vês?
A tua alma tornou-se demasiado pequena.
Isabel Rosete
segunda-feira, 17 de junho de 2013
quarta-feira, 5 de junho de 2013
segunda-feira, 3 de junho de 2013
segunda-feira, 27 de maio de 2013
segunda-feira
Hoje é segunda-feira e as velhas contam histórias de quando eram crianças.
Há buracos no asfalto a dar conta da terra que um dia foi fértil.
Não há andorinhas a cantar no meu quintal. Os galos estão presos, longe da capoeira.
É segunda-feira, sempre à segunda-feira.
Não há um relógio parado a dar conta do tempo sem hora marcada.
Nasce um pinguim sem hora de parto. Morre um falcão sem atestado deóbito.
Todos os dias, em cada dia, centenas de papeis determinam a vida.
Um homem sofre de amnésia e decreta que o tempo é ausente.
Tão próximo do velho que diz que a morte é presente. Encontra o sorriso de um dia que já não existe.
Todas as segundas-feiras nascem e morrem à segunda-feira.
O tempo de vida de uma borboleta.
O homem fraccionou o tempo. Desprezou o instante fugaz de um sopro que se desdobra noutro.
Adormece a noite na esperança de um novo dia.
Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo e segunda outra vez.
Há buracos no asfalto a dar conta da terra que um dia foi fértil.
Não há andorinhas a cantar no meu quintal. Os galos estão presos, longe da capoeira.
É segunda-feira, sempre à segunda-feira.
Não há um relógio parado a dar conta do tempo sem hora marcada.
Nasce um pinguim sem hora de parto. Morre um falcão sem atestado deóbito.
Todos os dias, em cada dia, centenas de papeis determinam a vida.
Um homem sofre de amnésia e decreta que o tempo é ausente.
Tão próximo do velho que diz que a morte é presente. Encontra o sorriso de um dia que já não existe.
Todas as segundas-feiras nascem e morrem à segunda-feira.
O tempo de vida de uma borboleta.
O homem fraccionou o tempo. Desprezou o instante fugaz de um sopro que se desdobra noutro.
Adormece a noite na esperança de um novo dia.
Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo e segunda outra vez.
sexta-feira, 17 de maio de 2013
julgava que tinha perdido um Trabalho
Prático de MÉTODOS QUALITATIVOS DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL - 9º.
semestre -
Universidade de Évora, sendo Professor
da Cadeira o distinto Mestre Prof Adrião (ou Adriano - o senhor que
me perdoe) Rodrigues.
além dos Métodos Qualitativos, que me
agradavam sobremodo e onde colhi nota, também já não sei se 17 se
18, fundamentalmente com base no tal poema que julgava perdido na
voracidade dos anos e encontrões da vida
Arrancava com o seguinte título:
A INSTITUIÇÃO REPRODUZ A SOCIEDADE
sendo a instituição uma Fábrica de
Tomate onde eu trabalhava
" não sei até que ponto é
possível/desejável planificar o trabalho. A
planificação, a racionalidade do
trabalho, a burocracia ao fim e ao cabo, só dão má qualidade à
vida:
devíamos aceitar esta situação como
transitória e ver de que modo poderia ser:
e penso que o exemplo está na maneira
como algumas crianças brincam. É daí que o trabalho dos adultos
tem que partir.
(da entrevista de MariaIzabel Barreno a
" o Jornal de Letras Artes e Ideias - edição de 26 de Maio de
1981)
O PRAZER DA FÁBRICA
penso que o prazer na Fábrica
só é possível na ganga suja de óleo
nas mãos amolecidas
da pasta cor-de-carne dos pimentos
da carnação da massa que escorrega
por
túneis de metal Inox
serve as naves como artérias
de ladrilhos
e transborda se derrama
como um corte de faca
e é sangue na limpeza do piso
e cor nas batas muito brancas das
mulheres
possível o prazer da Fábrica
só dentro do vapor das nuvens brancas
que nascem nas caldeiras de alumínio
de onde emergem figuras ferrugentas
mas alegres
bons adamastores
que têm cão
mulher e filhos
por cima das bancadas dos mecânicos
por gosto
elas próprias omelette- au- rhun dos
óleos entornados
da massa consistente que aplacenta as
peças
vindas dos cacifos
sopa-de-cavalo-cansado onde se encostam
por gosto
os cotovelos
nas tarefas exatas feitas com amor:
conduzir camiões enroscar parafusos
mudar as flores das jarras rotular
produtos
nas tarefas exatas feitas alegria
no colher das amostras no rigor das
análises
na limpeza doméstica
das tulhas e dos silos
prazer na Fábrica
não mais na datilógrafa que luta por aumentos
não mais na datilógrafa que luta por aumentos
no capataz que exulta
quando o chefe pelo Natal
o presenteia com um mágico envelope
A FÁBRICA
a Fábrica é cercada
com arame farpado
tem uma entrada que é um portão enorme
com a casa- dos- guardas frente ao barracão das bicicletas
e um pastor-alemão que é tão simbólico
tão apenas simbólico
como a vedação de arame-farpado
e a casa-dos-guardas frente ao barracão das bicicletas
sim
que a vedação de arame-farpado é fácil de transpor
nada custa franquear o portão enorme
o pastor-alemão nunca morde
nem ladra a ninguém
os guardas
estão invariavelmente bêbedos
mesmo no momento em que se rendem
parece então
que seria mais coerente plantar flores
quando o chefe pelo Natal
o presenteia com um mágico envelope
A FÁBRICA
a Fábrica é cercada
com arame farpado
tem uma entrada que é um portão enorme
com a casa- dos- guardas frente ao barracão das bicicletas
e um pastor-alemão que é tão simbólico
tão apenas simbólico
como a vedação de arame-farpado
e a casa-dos-guardas frente ao barracão das bicicletas
sim
que a vedação de arame-farpado é fácil de transpor
nada custa franquear o portão enorme
o pastor-alemão nunca morde
nem ladra a ninguém
os guardas
estão invariavelmente bêbedos
mesmo no momento em que se rendem
parece então
que seria mais coerente plantar flores
e árvores em redor
retirar o ar de manicómio
de parada militar
de campo-de-concentração que toda aquela
simbologia podre lhe empresta
assim os operários
chegariam contentes para exercer o seu trabalho
retirar o ar de manicómio
de parada militar
de campo-de-concentração que toda aquela
simbologia podre lhe empresta
assim os operários
chegariam contentes para exercer o seu trabalho
e não para o cumprir
teriam pássaros em volta
e não os tecnocráticos pardais
( há pardais nos Quartéis nos Hospitais
nos Pátios dos Tribunais
nas Paradas das Prisões
nas estátuas dos generais
nas frinchas dos saguões)
pássaros dizia em volta
teriam pássaros em volta
e não os tecnocráticos pardais
( há pardais nos Quartéis nos Hospitais
nos Pátios dos Tribunais
nas Paradas das Prisões
nas estátuas dos generais
nas frinchas dos saguões)
pássaros dizia em volta
os esquivos melros os térreos piscos
tímidos
andorinhas domésticas fariam
ninhos nos ângulos das naves
os cartaxos brincariam nas peças
não é possível o prazer na Fábrica
onde as coisas engrenam porque são determinadas
comandadas por senhores de batas
ninhos nos ângulos das naves
os cartaxos brincariam nas peças
não é possível o prazer na Fábrica
onde as coisas engrenam porque são determinadas
comandadas por senhores de batas
- que produzem a ORDEM
reprime-se em nome dessa coisa
ameaça-se com despedimentos
quem não tome a pílula vendado
produzir é o lema - produzir conforme os cáculos das máquinas
segundo estalecem
compromissos exteriores
:
Ces ; EFTAs ; outras siglas
tão acrílicas tão ásperas
tão “made in”
- filhas dessa coisa
a que chamavamos ORDEM
A ORDEM
vem sempre de cima
tal qual a chuva as trovoadas os coriscos
compromissos exteriores
:
Ces ; EFTAs ; outras siglas
tão acrílicas tão ásperas
tão “made in”
- filhas dessa coisa
a que chamavamos ORDEM
A ORDEM
vem sempre de cima
tal qual a chuva as trovoadas os coriscos
a caliça dos tetos
as cagadelas incómodas dos
pombos
mais de cima sempre mais de cima
mais de cima sempre mais de cima
mais do que por mais de cima se consiga
imaginar
em última instância
a ordem vem de Deus
então não se discute
o chefe-de-fabrico é deus em relação ao capataz
frente à sua imagem
este se recolhe
genuflete
a ordem vem de Deus
então não se discute
o chefe-de-fabrico é deus em relação ao capataz
frente à sua imagem
este se recolhe
genuflete
persigna-se
perturba-se
recolhe-se a si próprio
toma a Ordem como quem toma a hóstia
toma a Ordem como quem toma a hóstia
entrelaça os dedos transpirados
semicerra as pálpebras
com os olhos
melancolicamente virados ao vazio
adivinha
para além daquilo que lhe é dado:
deus diz dez
- o capataz já sonha vinte ou trinta
DEUS
deus não dorme
melancolicamente virados ao vazio
adivinha
para além daquilo que lhe é dado:
deus diz dez
- o capataz já sonha vinte ou trinta
DEUS
deus não dorme
não come – alimenta-se de
néctar
algum néctar do Olimpo
rodeado de anjos e arcanjos
algum néctar do Olimpo
rodeado de anjos e arcanjos
- que raramente são
seus filhos ou mulher
manda pôr na conta
e ordena que enderecem
ao economato celestial
não toma bica
manda pôr na conta
e ordena que enderecem
ao economato celestial
não toma bica
nem bagaço
-liba
- não defeca
nem micta
- segrega
os operários veem deus
de baixo para cima - respeitam-no num código
- que se chama de há milénios
- mandamentos
- dos quais o primeiro é o seguinte
:
amar ao chefe sobre todas as coisas
e os restantes
de um teor mais ou menos semelhante
assim é de facto:
o chefe é o sustentáculo da Fábrica - enquanto unidade de produção
do operário enquanto peça dessa
máquina
por inerência
sustentáculo das famílias todas
por inerência
sustentáculo das famílias todas
de todo o operário que há na
Fábrica
há pois
que amar ao chefe sobre todas as coisas
o POTLACH
há pois
que amar ao chefe sobre todas as coisas
o POTLACH
a mulher-da-limpeza é quem
tem menos para dar e quem dá mais
porque o faz diariamente a todos
tem menos para dar e quem dá mais
porque o faz diariamente a todos
para receber de todos (se possível)
um poucochinho mais – que cada um
isoladamente tem para lhe dar
a secretária pede-lhe do Bar um Trinaranjus
se as coisas correm bem a nível da chefia
um poucochinho mais – que cada um
isoladamente tem para lhe dar
a secretária pede-lhe do Bar um Trinaranjus
se as coisas correm bem a nível da chefia
o Trinaranjus que lhe traz a
mulher-a-dias serve
se as coisa correm mal
se as coisa correm mal
- não serve
porque tem borbulhas – se a mulher-a-dias trouxe com borbulhas
porque não tem borbulhas
se a mulher-a-dias trouxe
um Trinaranjus sem borbulhas
é pretexto pra a reprimir de maneira violenta
decisiva
dita exemplar
podem apontar-lhe a rua
o retorno à enxada
guardada na pequena dependência do quintal
a mulher-da-limpeza é meiga
solícita
servil
subserviente
vendível
desodorizada assética
- um produto
dá quanto pode dar
à Secretária da Administração
que por seu turno porfiará em dar
aos seus administradores
alguma coisa ainda
às suas companheiras de trabalho
todos nós – operários
técnicos administrativos
podem apontar-lhe a rua
o retorno à enxada
guardada na pequena dependência do quintal
a mulher-da-limpeza é meiga
solícita
servil
subserviente
vendível
desodorizada assética
- um produto
dá quanto pode dar
à Secretária da Administração
que por seu turno porfiará em dar
aos seus administradores
alguma coisa ainda
às suas companheiras de trabalho
todos nós – operários
técnicos administrativos
prodigalizamos em ofertas diárias
aos nossos superiores
que lambem os beiços
e tudo nos devolvem
que lambem os beiços
e tudo nos devolvem
numa grandiosa festa pelo Natal
há festões
e árvores enfeitadas em todos os recantos
há festões
e árvores enfeitadas em todos os recantos
prendas em caixinhas decoradas para os
nossos filhos
e mesas recheadas de leitões assados
-secos como múmias – em postura
de esfinge de Giseh
são nomeadas as pessoas
que recebem os prémios
galardoados os assíduos
os produtivos
e mesas recheadas de leitões assados
-secos como múmias – em postura
de esfinge de Giseh
são nomeadas as pessoas
que recebem os prémios
galardoados os assíduos
os produtivos
em suma – os integrados
quiçá os colaboradores mais íntimos
os tratadores
quiçá os colaboradores mais íntimos
os tratadores
dessa pomba cinzenta
a que chamámos ORDEM
esta a grande Festa o supremo Ofício
esta a grande Festa o supremo Ofício
a grande celebração
- o Facto Social Total
em que os deuses se misturam com os homens
- o Facto Social Total
em que os deuses se misturam com os homens
o nosso merecido
reconhecidamente
POTLACH
assim de há anos – desde que a Fábrica respira
até que outro processo nasça
na raíz do sistema cariado
penso por exemplo em produção
POTLACH
assim de há anos – desde que a Fábrica respira
até que outro processo nasça
na raíz do sistema cariado
penso por exemplo em produção
à maneira (simples)
de como (algumas)
crianças brincam
de como (algumas)
crianças brincam
António J. C. Saias
nº. 94 - 9º semestre
nº. 94 - 9º semestre
terça-feira, 30 de abril de 2013
O Plantador de
Palavras
Cultivar
o deserto
como
um pomar às avessas.
João Cabral de Melo
Neto
Terra
e Poesia – duas realidades feitas de uma materialidade que António
Saias explora mergulhando incansável em suas potencialidades
modeladoras. Isso significa serem esses dois vetores os responsáveis
pela dinâmica que alimenta os poemas de (H)ortografias
(2012),
constituindo sua razão maior: escrever a terra, plantar o poema,
cultivar as palavras como sementes e abrir a terra/página à
consciência do fazer.
São
tendências entrecruzadas, não paralelas, mas tecidas conjuntamente
no arado arejado a que se entrega o Poeta.
É
a “Gen-Ética” (título de um dos poemas) a permitir, por
exemplo,
a fabricação de produtos inusitados ou a transformação insólita
de elementos, como Nenúfar em Flamingo; é a aproximação num mesmo
espaço da VÊNUS DE MILO e os parasitas da Hortelã; é igualar o
papel à terra suada; é o suor servir-se de tinta e usar a enxada
como caneta; é o movimento simultâneo de junção e disjunção no
corpo da terra-escrita, “lavras com pa-lavras”; é o alimentar as
palavras como as cabras, com grãos e pastos, ordenhando-as para dar
bom rendimento.
Acontece
que a ligação intrínseca com a terra ou o solo (o baixo, raízes,
sementes, água) coexiste com outra: a aspiração ao alto (o céu, o
voo, o ar). Alto e baixo, tal jogo dialético já vem anunciado no
primeiro poema (ou epígrafe?) de (H)Ortografias:
feijão-de-trepar
:
raízes em terra
e
ânsia de voar
Notemos
como a verticalização se iconiza nos dois pontos – verdadeiras
raízes no solo da página, em contraste com as rimas abertas das
alturas /ar/. sugeridas pelos verbos “trepar” e “voar”.
Enraizamento e liberdade, imanência e transcendência, apego e
desapego – tais tensões perpassam toda a obra de Saias,
desdobrando-se em ampla significação. Do corpo entranhado da
escrita à materialidade do real, da consciência poética ao
posicionamento sócio-político, a poesia de Saias amalgama distintas
matérias em seu fazer, tendo como propósito maior a desacomodação
de condicionamentos alienantes.
Nesse
sentido, chama-nos a atenção a diversidade de formas de composição
dos poemas, como se a poesia, terreno fértil à germinação
múltipla, resultasse num campo propício a concepções distintas do
fazer. Assim, não apenas a moldura/estrutura textual como também as
fontes e motivos operacionalizados pelo poeta, bem como sua
consciência crítica, revelam uma sensibilidade antenada à cultura
literária de que faz parte.
Desse
modo, a irreverência à La Alexandre O’ Neill, o espírito breve e
sintético dos haicais, o engajamento crítico de cariz neo-realista,
lampejos surrealistas à Cesariny, essas matrizes se complementam no
percurso poético de António Saias. Sem dúvida, de todo esse caldo
cultural o que mais engrossa a textura de suas poesias é a presença
de O’ Neill. A série de poemas como “Ponto de Interrogação”,
“Ponto Final”, “Acento Circunflexo”, “Cedilha”, instauram
em nossa leitura um diálogo com as “Brincadeiras Ortográficas”
de O’ Neill. Em ambos os poetas, o espírito lúdico conjuga-se à
lucidez crítica no trato com a palavra e o real nela implícito. Por
isso, não se trata de uma metalinguagem encerrada nos limites da
funcionalidade linguística, e sim de um código estético atento às
relações tensivas entre palavra e realidade, representação e
traição.
Nos
versos “cada um manifesta-se como pode / ou pôde?” (2012, p.86),
o pretexto de falar sobre o acento circunflexo abre-se a uma
indagação que ultrapassa a questão gráfica para transformar-se
num dilema maior: a liberdade do sujeito para sua manifestação é
presente ou um gesto do passado? Ou melhor, que convenções ainda
pautam as atitudes humanas? A arbitrariedade do signo e leis que o
regem tem algo a ver com o arbítrio do ser humano?
Percebemos que a
leveza da brincadeira tem a sua contraface, pois torna visível outra
via de leitura em que desponta o senso crítico, como no poema
“Pragma (para poeta contra novo AO)” (2012, p.81):
SOL
quando está frio
apareces
isso me apraz
e sabes
quão pouco me faz
saber
quando me aqueces
se aquecer
se escreve com um
C
se com mil SS
No
diálogo com o sol desvela-se uma lição que extrapola os muros do
academicismo ou do purismo vernacular. Por isso, para além das
discussões infrutíferas em torno de acordos ortográficos, o poeta
se manifesta como alguém capaz de acolher o que a natureza oferece
para ser usufruído sem questionamento. Sentir-se aquecido ou
confortado pela realidade natural parece muito mais prazeroso do que
aceder às obrigações ou arbitrariedades das injunções
institucionais, portanto, pouco importa a ortografia correta de
aquecer, o que conta é o SOL maiúsculo que figura no alto do poema.
Evidentemente tal
atitude não está a negar a seriedade das convenções, mas sim
coloca sob suspeita o radicalismo ou cegueira que cerceiam as ações
quando estas se pautam exclusivamente por condicionamentos
inoperantes.
A
burla, gesto saudável para inverter as posições habituais e
categorias preestabelecidas, justifica-se como procedimento poético
porque nele está contido o conhecimento ou saber. Ao poeta cabe o
papel de investir numa aprendizagem que se desfaz do que se
cristalizou, para recuperar o frescor e a originalidade roubados pela
institucionalização. Antes cultivar o exótico que o pragmático
usual, eis o que nos comunica um poema como “O Grego → O Latim →
O Inglês → O Mandarim” (2012, p.80):
não tarda
quem quiser
mandar
em mim
não mais em
inglês
inglês
chegou
ao fim
ordens só vou
passar
ou aceitar
em
mandarim
O
próprio trocadilho entre “mandar em mim” e “mandarim” revela
a habilidade de quem manipula a língua como objeto que se esquiva
aos grilhões da seriedade gramatical, tronando-a maleável ao único
“idioma” que interessa – o da aventura poética. O poeta
dribla, assim, a visão pragmática geralmente associada à língua
inglesa, sugerindo atender a outras possibilidades idiomáticas ou
alternativas linguísticas, como o mandarim.
É
também o jogo verbal, próprio de quem gosta de tomar
as palavras como brinquedo, que leva o poeta a criar um diálogo com
o poeta brasileiro Manuel Bandeira: “o menino que gostava / de
brincar com as palavras / viu uma lagarta às listras // e lembrou-se
de chamar-lhe / LAGA_ARTISTA” (2012, p.74). Um outro poeta-criança,
também manipulador das palavras, Manoel de Barros, certamente
assinaria o jogo inventivo de Saias.
Por
outro lado, o gracejo que brota do uso crítico da língua com o
propósito de subversão das normas gramaticais pode também
descortinar outra face pela leitura: o encanto lírico. No poema
“GArçA” (2012, p.77), por exemplo, não somente o destaque
gráfico do signo como também o discurso sobre a ave acabam por
revelar a outra dimensão da linguagem e da própria ave. É que o
mirar-se na água-linguagem, em que despontam qualificações –
branca, leve, imponderável, esguia – permite que o reflexo da
imagem da ave faça transparecer outro sentido para a garça – a
graça. Beleza, recorte singular e poético da ave, num simples
anagrama e sugerido pelos breves versos. O “inegável erro / de
ortografia” é o que nos permite ler e ver o seu outro lado, o
reflexo invertido das letras em que surge, aí sim, a graça no duplo
sentido (encanto e humor).
Ao
tomar como tema no poema “Bucólico” (2012, p.31) o canto do
grilo (outro motivo
que nos remete a Alexandre O’Neill), António Saias explora as
potencialidades da rima, provocando curiosos efeitos semânticos.
Opondo-se à usual sensação de incômodo que advém do canto do
grilo, a visão do poeta constroi sensações prazerosas na sua
relação com o inseto, pois o encanto e a pulsação vital
materializam-se nos encontros sonoros e nas repetições: o
que mais me encanta / quando o grilo canta / é saber que é pelas
asas / que ele canta / -não pela garganta // ainda mais me encanta /
no cantar do grilo / é eu sentir-me vivo//. O
encadeamento dos sons guturais e as nasais /anta/ fazem com que o
canto vá tomando conta do espaço poético, enlaçado ao eu que o
incorpora. Num segundo momento do poema, o canto do grilo permanece,
porém, agora, associado ao tempo, como se cantar tivesse o poder de
amenizar a passagem do tempo e os contratempos da vida; as rimas e
recorrências fônicas dão corpo a essa sensação: atento
/ contra
o vento
/ ouvi-lo
/
grilo
/ canta
/ contra
o tempo.
Entretanto,
o bucolismo se reveste de outra dimensão, na medida em que o poeta
apresenta-o sob um viés crítico, atendendo a uma vertente mais
satírica, como no poema “Manhã Agrícola” (2012, p.28). Em
matéria de ecologia, diz o poeta, não servem cantigas enganadoras,
pois a realidade concreta e terrena exige outros cuidados. Formigas e
toupeiras podem alimentar as fábulas clássicas
ou inspirar Cesário Verde em seus poemas, mas na prática agrícola
são daninhas, o que revela o lado bem humorado do poeta para quem é
preciso entender a diferença entre as esferas literária e a práxis,
até para se respeitar a natureza específica de cada uma. Na poesia,
espaço em que o trabalho consciente com a linguagem faz coexistirem
as duas realidades, tudo é possível porque o senso crítico está
lá para denunciar as diferenças: “se precisar de bucolismo no
trabalho / arranjo um pintassilgo / ou um canário”, conclui o
poeta.
A
consciência aguda de Saias não se conforma à imobilidade e
passividade, preferindo o caminho da inquietação necessária à
derrocada dos valores estabelecidos. É preciso construir outro mundo
por meio de um lirismo inconformado, porém, insistente em seu poder
de renovação – é o que nos propõe o poema “É Preciso”:
é preciso
arrombar uma porta
é preciso
inventar um caminho
é preciso uma
leira cavada na horta
é preciso uma
acha de fogo azinho
é preciso um
canhão de certeza de tudo
é preciso uma
seara de raiva nos dedos
é preciso outro
mundo outro mundo outro mundo
sem
brechas nem bruxas nem monstros nem medos (2012, p.12)
Autodeterminada
(alimentada pelo anafórico “é preciso”), essa poesia reafirma
seu papel junto à realidade histórica, acreditando nas
possibilidades de transformação materializadas na linguagem.
Transformação legítima porque preparada e armada no seio mesmo da
escrita, espaço livre, aberto à emancipação do sujeito criador. A
fome, a exploração, as diferenças sociais, as falsidades, a
opressão e outros temas são revirados pela pena da escrita: “Fome
não apaga / este pão trigueiro // sou ladrão de palavras” (2012,
p.63). É graças ao investimento nas potencialidades do signo
poético que a realidade se ilumina, fazendo do trabalho árduo com a
palavra um análogo do trabalho braçal do homem ligado à terra.
COM ISTO ME DESPEÇO da SERPENTE
para mim de boa memória
abraço a todos
domingo, 28 de abril de 2013
quinta-feira, 25 de abril de 2013
O(H)VIBEJA
aí estão as cabras
com os seus brincos
pendurados das orelhas
as vacas e os porcos
com seus piercings
no focinho e nas narinas
os burros
com a sua calma legendária
suas orelhas de abano
de grandes mais eficientes do que auscultadores
os cavalos lazões
castanhos izabela
prontos a serem montados
por meninos e meninas
aí estão os vendedores
de algodão-em-rama e de amendoins
e os cães domésticos
puxando os donos pelas trelas
aí estão as aves exóticas
os papagaios araras
e os garnizés
e os pombos gordos
que nem perus pelo Natal
e os camponeses velhos reformados
a não perderem nada
pelos pavilhões arrastando os pés
aí estão as avós
puxadas pelos netos
atrás dos fumos doces
dos churros das farturas
e os agricultores
perdidos em projetos
que rentabilizem
a ingrata agricultura
a água do Alqueiva
os olivais a rega
sem a qual a planta não tem seiva
o vendedor de máquinas
prometendo a entrega
do tractor New Holland
para virar a leiva
a gente do governo
pródiga em promessas
:
baixa de impostos subsídios sonhos
os putos marginais
virando a Feira das avessas
limpando ao braço
transpirações e ranhos
aí estão os balões
as espadas Excalibur
os pavilhões
de produtos regionais
:
os méis os queijos os enchidos maduros
os cheiros assimilados
a humores corporais
entanto o Sol falece
prós lados de Lisboa
são horas de apanhar o autocarro
- há quem vá de vagar há quem se apresse
há os eternos retardatários
distribuindo ainda
o tinto que há num jarro
até pró ano - a Feira estava boa
podia estar melhor diz a mulher cansada
perde a gente o tempo
por aqui à toa
com o raio da crise
não dá pra comprar nada
com os seus brincos
pendurados das orelhas
as vacas e os porcos
com seus piercings
no focinho e nas narinas
os burros
com a sua calma legendária
suas orelhas de abano
de grandes mais eficientes do que auscultadores
os cavalos lazões
castanhos izabela
prontos a serem montados
por meninos e meninas
aí estão os vendedores
de algodão-em-rama e de amendoins
e os cães domésticos
puxando os donos pelas trelas
aí estão as aves exóticas
os papagaios araras
e os garnizés
e os pombos gordos
que nem perus pelo Natal
e os camponeses velhos reformados
a não perderem nada
pelos pavilhões arrastando os pés
aí estão as avós
puxadas pelos netos
atrás dos fumos doces
dos churros das farturas
e os agricultores
perdidos em projetos
que rentabilizem
a ingrata agricultura
a água do Alqueiva
os olivais a rega
sem a qual a planta não tem seiva
o vendedor de máquinas
prometendo a entrega
do tractor New Holland
para virar a leiva
a gente do governo
pródiga em promessas
:
baixa de impostos subsídios sonhos
os putos marginais
virando a Feira das avessas
limpando ao braço
transpirações e ranhos
aí estão os balões
as espadas Excalibur
os pavilhões
de produtos regionais
:
os méis os queijos os enchidos maduros
os cheiros assimilados
a humores corporais
entanto o Sol falece
prós lados de Lisboa
são horas de apanhar o autocarro
- há quem vá de vagar há quem se apresse
há os eternos retardatários
distribuindo ainda
o tinto que há num jarro
até pró ano - a Feira estava boa
podia estar melhor diz a mulher cansada
perde a gente o tempo
por aqui à toa
com o raio da crise
não dá pra comprar nada