terça-feira, 20 de setembro de 2011

A Dança de Ícaro / Cena II

“Apolo observa-o e ri. Ícaro era, ainda há breves momentos, o mais miserável dos homens e ei-lo agora a girar e rodopiar como uma serpente encantada! Apolo já conhecia, desde há muito, a condição humana. Sabia que os homens eram capazes das mais profundas contradições.
“Quantas tentativas fizeste para alcançar o sol? Qual o valor do teu esforço? Bem vejo como trocas facilmente o simples e o verdadeiro pelas loucuras dionisíacas! Eu sou o rosto da sabedoria e da justa medida. Todos me veneram porque sou o verdadeiro Deus e tu sempre foste, até hoje, o meu maior seguidor: Ícaro, o conquistador do sol!”
Imune aos pensamentos de Apolo, Ícaro prossegue com a sua dança. E com ela abraça o mundo! Ícaro sabe que a vida está cheia de altos e baixos, ora se cai, ora se levanta… Este momento é de ascensão! Ícaro eleva-se nos céus com Pégaso e as bacantes, acima dos campos e dos rios, e das âncoras dos homens… E à medida que sobe cada vez mais alto, observa as casas, com os seus jardins e cercas, as estradas e as pontes. E como nunca compreendeu o seu lugar nesse mundo, sorri por o ver tão pequeno e distante. Recorda o momento em que o sol sobre as asas de cera parecia ter ditado o seu fim. Frágil e exposto, caiu dos céus em rodopio de pena solta. Após o embate do corpo na terra seca, seguiu-se um longo período de silêncio que tocou a eternidade. Depois, o coro gritou em uníssono: “Ícaro, o irrealista!”; “Ícaro, o ambicioso!”; “Ícaro que queria chegar aos deuses!”; “Ícaro que caiu dos céus e se desfez em mil pedaços!”; “Ícaro!”… “Ícaro!”… “Ícaro!”…
Mas ao Ícaro que dança não pode ser atribuída nenhuma designação. Até porque não se sabe bem se ainda pertence a este mundo. O Ícaro que dança não segura nenhuma máscara e, por isso, perde o seu lugar na comunidade dos heróis trágicos!”
SIBILA

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