"Tudo o que vive, tudo o que é ser, seja uma estrela, uma planta, um animal ou um ser humano - ou até mesmo Deus Todo-Poderoso - possui uma orientação. Trata-se de uma ideia que tanto podemos traduzir em termos matemáticos, como físicos ou psicológicos. Ou, em última instância, religiosos. Ao longo da estrada por onde cada um de nós viaja, não há regresso. Temos de avançar ou que morrer, parando: morrer em vida. Este momento para diante, ou orientação, não é outra coisa senão a consciência. É um movimento ao longo de um trajecto que se nos revela sob a forma de oposições, ou, por outras palavras, em termos de dualidade. É apenas um, e contudo não é apenas um. São dois. O místico, cujo dualismo é maior do que o dos outros homens, soluciona momentaneamente o enigma, consderando alcançar um estado de êxtase em que é um só ser juntamente com o universo. Não vale a pena acrescentar que, em tais momentos, o místico não precisa de Deus, nem de nada para além de si próprio. Está para além de si próprio, por assim dizer, no sentido em que a sua consciência se expande de tal modo que inclui os dois pólos opostos do seu ser. A luta torna-se impensável. No seu estado como que de transe, o místico conhece o sentido do inefável. Tudo se torna claro e ele aceita tudo; ele próprio e o seu destino são um só. Nesses momentos, todo ele é orientação. Ou seja, conscência."
- Henry Miller, in Carta Aberta a Todos os Surrealistas do Mundo
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