Chamam ao Cristianismo a religião da compaixão. A compaixão está em contradição com as emoções tónicas, que elevam a energia do sentimento vital; a compaixão tem acção depressiva. Quando alguém se compadece, perde a força. Pela compaixão aumenta-se e multiplica-se o desperdício de energia que o sofrimento, por si próprio, já traz à vida. O próprio sentimento torna-se, pela compaixão, infeccioso; em determinadas circunstâncias, pode chegar-se a um desperdício global de vida e de energia vital, que se encontra numa relação absurda com o quantum da causa (o caso da morte do Nazareno). [...] Ousou-se mesmo chamar virtude à compaixão (em qualquer moral nobre, surge como fraqueza); foi-se mais longe, fez-se dela a virtude, o solo e a origem de todas as virtudes - só que, e é necessário não o esquecer, a partir do ponto de vista de uma filosofia que era niilista, que inscrevia como divisa no seu escudo a negação da vida.
Friedrich Nietzsche, O Anticristo, Edições 70, p.19
A compaixão,
ResponderEliminarNão é uma fórmula filosófica que permita exprimir ou justificar pensamentos e acções da sociedade cultural, política ou religiosa.
A compaixão É um estado de espírito,
tem-se, sente-se e acciona-se na coragem da expressão dos sentidos manifestados nas acções.
É um reflexo da capacidade de "enamoramento" pelo próximo e da vontade de ser com ele(a).
É exactamente o oposto, do que se pensa ou que se aprende, não tem regras ou códigos, é a mais pura expressão do coração.
Sem intenções, através do despreendimento de si mesmo. É o esquecer de si e relembrá-lo no outro, sendo-o.
É o ser no seu ser e esté presente em tudo e todos.
se a compaixão é "o ser no seu ser", então o que é o ser presente em tudo e todos? tem-se? sente-se? acciona-se? que ser é esse que determina enamoramentos ou concepções/sentimentos benévolos ou malignos? o que é o oposto do que se pensa ou se aprende senão pensamento e aprendizagem? estar sem intenção não é intenção? esquecer de si e relembrar no outro não é esquecer o outro e lembrar-se de si? o que é o si?
ResponderEliminarse a compaixão não é uma fórmula filosófica, poderá esta ser existencial ou esotérica?
ResponderEliminarabraço:)
Mentiras. O Cristianismo é a religião do Amor, não da compaixão.
ResponderEliminarLuís,
ResponderEliminarqual, na sua opinião, a diferença entre amor e compaixão? Estará o primeiro direccionado a Deus enquanto o segundo a todos os seres?
e porquê mentiras? o que é a verdade senão uma conjectura que a separa da mentira?
ResponderEliminarNão diria ser essa a diferença essencial. Talvez o amor seja pessoal, ao passo que a compaixão é impessoal. Na medida em que se dirige ao outro, a compaixão visa o sofrimento, o seu e o nosso, e é, nesse sentido, uma paixão partilhada, compaixão no/pelo sofrimento. O amor, por outro lado, visa directamente o núcleo da própria pessoalidade, independentemente daquilo que possa ser partilhado ou não; daí que o amor, a meu ver, vá além de todo o tipo de paixão e chegue a abarcar o próprio ódio. Numa relação de amor pode existir ódio relativamente a características positivas da identidade do outro, justamente porque este outro é irredutível às suas propriedades e é este outro, enquanto tal, que é amado/amante.
ResponderEliminarnão será esse "amor pessoal", suscitador de ódio, apego? assim como não será a compaixão, que "está em contradição com as emoções tónicas", apego? o que faz perder a "força", a "energia do sentimento vital"? não será o apego? qual a raíz do apego? não será o "núcleo da própria pessoalidade" ou as "características positivas da identidade do outro"?
ResponderEliminarpor isso, julgo que a compaixão pode ser impessoal mas também pode ser pessoal (de pessoa, identidade, ego, si) e julgo que Nietzsche se referia a esta, assim como o amor pode ser pessoal como também pode ser impessoal, direccionado a todos os seres sencientes, amigos e inimigos, sem um sujeito/objecto a demarcar a dualidade.
De modo algum. Quando me refiro ao núcleo da própria pessoalidade, refiro-me ao vazio constituinte da pessoa, o hiato que impede qualquer identificação directa com as propriedades positivas/substanciais que essa pessoa vem a assumir e que é, portanto, o núcleo da própria liberdade, na medida em que este vazio do si-próprio transcende a substância universal determinada pela necessidade. Simultaneamente, este hiato não se pode constituir ele mesmo como uma forma substancial, daí que, aparentemente, ele não negue à partida qualquer tipo de inclinação (tal como o ódio). Se este vazio se viesse a constituir como uma forma substancial entre outras e implicasse uma atitude particular entre outras - seja a compaixão pessoal, seja o amor impessoal - então deixaria de ser vazio.
ResponderEliminarConcordo com Nietzsche na sua crítica a uma compaixão deste tipo, centrada no ego. Em certas formas católicas e protestantes este tipo de atitudes são efectivamente correntes - uma espécie de compaixão prescrita pela moralidade, cujo objectivo é, em última instância, a satisfação egóica. Não julgo, porém, que isso defina aquilo que o Cristianismo é.
No meu entender, parece-me curioso que a transposição de um modelo de "compaixão", eminentemente oriental, para o ocidente incorre numa perversão semelhante ao fenómeno inverso que espelha, a transposição de um modelo de "amor" para o oriente - o tal amor universal, impessoal, ele próprio prescrito como mais uma forma substancial da moralidade - que, como todas as exportações coloniais, acaba por se repercutir na própria origem.
mas afinal, que hiato é esse que designa como o núcleo da liberdade que transcende a substância e não pode ele mesmo ser substância? Se o vazio não nega à partida o ódio, o ódio também não o nega e não será este, afinal, vazio? Se o vazio não nega o amor impessoal e a compaixão pessoal, não serão estes também vazios? O que afirma é que o hiato está separado da substância?
ResponderEliminarcomo é que algo pode estar separado de algo sendo mesmo esse algo não algo? está morto? então, não algo, hiato, vazio, ?Deus? está morto e separado de tudo o que é vivo? Separado de viscosidades psíquicas? Separado de fragrâncias fétidas e de abortos monstruosos? não é esta separação que o cristianismo nos tem ensinado? num lado está Deus, noutro toda a criatura cujo caminho é morrer para estar junto do que é morto. não?:)
ResponderEliminarO hiato é a não coincidência de si consigo mesmo. Enquanto tal é vazio. O estatuto da compaixão e do amor são distintos de todas as emoções, paixões e sentimentos, dado que ambos se caracterizam pela sua universalidade, que é distinta em cada um, ao passo que os outros visam sempre particularidades. Para o Cristianismo com certeza que não há separação, é do conhecimento geral que Jesus Cristo se dava com leprosos, por exemplo.
ResponderEliminarA imanência desse hiato é, pela falta de melhor expressão, uma espécie de torção na aparência de uma dada forma substancial que indica a sua insubstancialidade. Neste sentido, o vazio irrompe verdadeiramente no mundo como um gesto. E aí, claro que concordo consigo, o ódio é vazio e totalmente inofensivo, dado que é ódio à positividade substancial de toda a propriedade enquanto propriedade e não à pessoa, pelo que não pode nunca ser equiparado a um ódio homicida de tipo fundamentalista.
Não morte à vida. Morte à morte.
foi um gosto!
ResponderEliminarabraço:)
todavia... outra pergunta urge: se o hiato é a não concidência de si consigo mesmo, se é imanente e torce a aparência de uma dada forma substancial e irrompe no mundo como um gesto, de que forma se pode contemplá-lo a ponto de o caracterizar? Como se depara o hiato, torcendo e irrompendo no mundo, se o próprio deparar é separador?
ResponderEliminarEm relação ao cristianismo, julgo que se Jesus não se sentisse separado de leprosos, não se juntaria a eles, portanto creio que aqui há separação, não? Se Deus não se sentisse separado da sua criação ou vice-versa ou mesmo os dois, não teria enviado o seu mensageiro para junto do seu povo, não acha?
Também não compreendo porque é que o ódio relativamente à propriedade é vazio e diferente do ódio relativamente à pessoa... Assim como a diferença entre a universalidade do amor e da compaixão relativamente à particularidade das outras emoções, paixões e sentimentos. O que difere a propriedade da pessoa? O que difere o universal do particular? Um é rasgado pelo hiato e o outro não? O hiato escolhe o que trespassar? Quem decide? Diga-me como descobrir o hiato.