quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Pobre Tolo



O pobre tolo é um grupo de figuras; mas quem figura é o seu espectro, a divagar na noite indefinida. Canta para espalhar os medos, para acender uma luzinha que afugente a sombra. A sombra afasta-se dois passos e ergue-se, mais carregada e misteriosa. E o tolo dança e canta, no pequeno espaço alumiado. O dançar e cantar seduziram sempre os pobres tolos da poesia que, só de cheirarem o vinho, se embriagam.

A hora dos seus bailados é o sol-pôr, quando referve, no horizonte, a grande cratera doirada, onde mergulham a boca sequiosa todos os mágicos da melancolia.

Então é que ele dança, ébrio de luz, com as sombras do crepúsculo. E dança com o vento, que é o espectro do seu desejo. E dança junto do seu túmulo, que é o berço do seu espectro...

Teixeira de Pascoaes, O Pobre Tolo, Lisboa, Assírio e Alvim, 2000,

Imagem: p.121http://albumlv.files.wordpress.com/2008/02/album-6.jpg

3 comentários:

  1. Será um auto-retrato... a faiscar lume pelos desgrenhados cabelos?!... Até pode!... JCN

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  2. Muito belo,este cantar de espectros,"para acender uma luzinha que afugente a sombra". T
    Nós "pobres tolos" dançamos e cantamos (falo por mim e de mim)que também "só de cheirar o vinho [me] embriago".

    "Mágicos da melancolia" embriagados de luz, berços do nosso espectro.

    E essa dança ao pôr do sol me enleva e me leva até a um indefinido país e a um indefinido tempo em que me revejo sem rosto, túmulo de mim, sempre a cantar e a dançar, até adormecer no bosque...

    Obrigada por nos ter trazido este "Pobre Tolo"...

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  3. O tolo encontra-se junto de seu túmulo e o espectro pergunta-lhe… e o tolo, incapaz de o conceber levantou-se; mas que esse lugar foi decisivo, foi.
    O espectro e o tolo (em passagem)

    O tolo – (confuso)

    Espectro – Diz-me o seu olhar que não pertence a… Deixe-me vê-lo… Não é de cá, veio de longe… Não se preocupe, temos o agora! Ambos partilharemos da gratidão.

    O tolo – (com receio) Obrigado...

    Espectro – Estou aqui, a seu lado! Este, não é um bom local para se estar só. Campos eterno no vazio das almas tudo fazem para o abraçar. Não sei se me fiz entender… Vêm de lugares profundos os donos do Tempo e cegam de luz as verdes almas, como a sua.

    O tolo – (soluçando) Mas… mas que lugar é este? …Por alma de quem vim aqui parar?

    Espectro – Aqui, é o horizonte. A eterna e ínfima distância de entre tudo o que se aproxima. O infindo. Lugar sem época. O vale das sombras. O mundo acabado.

    O tolo – (assustado) E…

    Espectro – Tem calma, serena-te meu eu. À tua primeira dúvida, já te respondi. A segunda… Nem eu sei como ta ilustrar…

    O tolo – Então quer dizer que estou…

    Espectro – (interrompendo) Calma meu eu. Pela luz que de ti emana, digo-te que não estás…

    O tolo – Como posso estar aqui se…

    E agradeço a Wallace Armani pelo devaneio e transfiguração livre e adaptada de sua ópera.

    Desconhecia, na íntegra, esta passagem em Pascoaes.
    Pela partilha,
    muito grato Kunzang, um abraço.

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