Estamos a ver menos TV mas crianças e jovens passam mais tempo frente ao pequeno ecrã
Os espectadores portugueses estão a ver um pouco menos televisão do que em 2008. Mas nos últimos onze meses e meio, os mais novos, entre os quatro e os 14 anos, passaram mais tempo em frente ao pequeno ecrã.
De acordo com números disponibilizados ao PÚBLICO pela Marktest, desde Janeiro, cada português passou, em média, três horas e 27 minutos por dia a ver televisão. Um valor mais baixo do que o registado em todo o ano de 2008, quando a média se fixou em 3h35m11s e até do que em 2007. Na faixa etária mais baixa, o consumo de televisão está a crescer desde 2007, mas continua longe das 3h13m registadas no ano 2000.
Em termos globais, Portugal está abaixo da média europeia: no ano passado, os adultos terão visto três horas e 47 minutos por dia de TV, segundo o estudo Television - International Key Facts da IP Network - o que representa, em relação a 2000, mais 19 minutos por dia e quase mais cinco dias por ano.
A televisão, cujo dia mundial hoje se assinala, "é actualmente um remix de tecnologias e conteúdos, muito longe do conceito de há 20 anos: existem múltiplos ecrãs, diversas lógicas de ver TV e diferentes tipos de conteúdos", salienta Gustavo Cardoso, presidente do Obercom - Observatório da Comunicação e docente no ISCTE.
O exemplo mais notório deste cruzamento cada vez mais natural é o caso das crianças que vêem um desenho animado na TV, depois navegam na Internet nos respectivos sites, e depois vêem os DVD no ecrã de televisão. "Cada vez mais é impossível analisar um meio por si só. Muitas vezes as pessoas têm a TV ligada ao mesmo tempo que fazem outras coisas em diferentes ecrãs: mandam mensagens, falam ao telefone, navegam na Net. É complicado afirmar apenas que vêem TV durante três horas e meia por dia".
Mas isso não significa que a TV tenha os seus dias contados e que a prazo seja substituída pela Internet - cujo consumo, é certo, está perto de ultrapassar o da TV em alguns países. "O sistema de media actual gira em torno da baixa interactividade da TV e da alta interacção da Internet - e o público irá querer sempre ter ambos porque é impossível estar continuamente a interagir", prevê Gustavo Cardoso. A melhor prova disso, lembra o presidente do Obercom, é que a TV interactiva, apresentada há quase dez anos, foi um fiasco.
A nível mundial, os maiores viciados em TV estão na América do Norte (4h32m por dia, em 2008) e o Médio Oriente regista o maior aumento: de 3h53m (2007) para 4h22m (2008).
Fonte: www.publico.pt
_____
Estamos longe do colapso definitivo deste meio de comunicação?
A televisão, de meio plenipotenciário dentro das casas, passou a ter que partilhar o espaço com outros media e com outras formas de entretenimento surgidas com o desenvolvimento tecnológico das últimas duas décadas.
O PC foi o pivô desta revolução mediática: com o advento da internet e a democratização do seu acesso, os computadores pessoais depressa evoluiram para centros de entretenimento domésticos que fazem o cruzamento entre diversas plataformas e linguagens, incluindo a televisão que, enquanto aparelho, tem a tendência para se diluir nas outras plataformas.
As consolas de jogos foram-se tornado cada vez mais capazes de mimar este potencial de cruzamento trazido pela evolução do PC.
Cada vez mais as casas são elas próprias dispositivos de cruzamento de plataformas de comunicação e entretenimento, as redes domésticas tornam-se cada vez mais densas e diversificadas e os dispositivos acabam por tornar-se partes de um sistema integrado, perdendo autonomia e deixando de estar isolados enquanto centros de veiculação de conteúdos unidireccionais.
A interactividade e a personalização dos conteúdos tornam-se cada vez mais uma realidade: os sistemas informáticos que regem as redes de distribuição de conteúdos são cada vez mais sensíveis às especificidades do utilizador e este recebe, de forma selectiva, os conteúdos que lhe interessam, ou, ao limite, que se adequam ao seu perfil de utilizador.
Há aqui uma ilusão de liberdade e de personalização da informação. A publicidade é omnipresente, bem como as mais recentes formas de persuasão, como uma insidiosa forma de 'stortelling' que consiste em preparar os públicos para a aceitação de decisões políticas, através dos argumentos das séries televisivas, dos filmes comerciais, cuja produção, muitas vezes, é paga pelos promotores destas campanhas - este fenómeno surgiu primeiro com a publicidade e depressa evoluiu para o marketing político e institucional (governamental).
Hoje as pessoas têm um grande controlo sobre o tipo dos conteúdos a que acedem, mas não no que se refere à qualidade e à veracidade semântica desses conteúdos, uma vez que estes podem receber, subliminarmente ou sub-repticiamente, excrescências de sentido que visam o condicionamento de certos públicos-alvo.
E a esmagadora diversidade tem um reverso aparentemente inusitado: as pessoas acedem cada vez mais a uma gama cada vez mais restrita de conteúdos. O que diminui a dimensão formativa do acesso à informação, embora o seu potencial formativo seja imenso.
O excesso de informação pode funcionar como um mecanismo de dissuasão, numa escala gigantesca, uma vez que a capacidade de gestão da informação não é elástica: quanto mais informação existe mais difícil se torna a sua análise crítica e o seu processamento cognitivo e a sua interpretação racional.
A televisão, enquanto medium, não estamos a falar já do dispositivo de acesso aos conteúdos),situa-se no centro deste turbilhão mediático: ou desaparece enquanto media com uma especificidade própria - aí sites como o youtube poderão tornar-se numa antecipação do novo paradigma mediático, ou então tenderá a atrair para si o centro de gestão duma série de conteúdos que passarão a assumir uma forma e uma coerência que só esse medium lhes pode conferir (se existir enquanto tal, enquanto medium com uma especificidade própria).
Aparentemente a primeira alternativa parece ter um maior suporte factual. Hoje as televisões estão integradas em grandes grupos económicos que controlam os media. Os conteúdos televisivos são articulados com conteúdos de outras instâncias mediáticas, de acordo com estratégias empresariais definidas e acordo com interesses e objectivos que nada têm que ver com a relação com os destinatários dos mesmos enquanto sujeitos de direitos e portadores de intencionalidades que deverão ser respeitadas.
Do ponto de vista educacional o problema que se coloca não é o de saber se a televisão é ou não prejudicial ao desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, mas o de saber como lidar com esta avalancha de conteúdos a que estes estão expostos, bem como o de enquadrar a escola neste contexto cada vez mais efervescente.
Por um lado, aumentam as dificuldades de mobilização da atenção, uma vez que as novas gerações estão cada vez mais habituadas a prestarem atenção a várias coisas ao mesmo tempo, com prejuízo em termos da focalização unidireccional da atenção.
Até hoje a televisão foi um grande aliado da escola tradicional que, aos poucos, se foi adaptando ao paradigma televisivo: a despersonalização dos alunos, a organização das salas em função do espectador e em detrimento do interlocutor, a segmentação dos dias de aulas em tempos lectivos exclusivamente dedicados a cada uma das disciplinas que se sucedem linearmente, numa ordem cronológica e não de acordo com uma planificação centrada nas tarefas e nos percursos individuais.
Durante muito tempo os responsáveis pela educação escolar dormiram sob a sombra do império da imagem. A era da imagem acabou. Talvez estejamos a entrar na era da intertextualidade cibernética (usando este termo de forma muito abusiva). E ainda estamos longe de conseguir pensar o que aí está.
Neste momento a escola enfrenta este trilema: manter-se dentro do paradigma anterior, mesmo à custa de adaptações cada vez mais contranatura; aderir à actual dispersividade de discursos e práticas, tornando-se ela própria, à semelhança das casas das famílias, num dispositivo multi-plataforma, ou, o que é mais difícil porque exige que se enfrentem os problemas de forma profunda e fracturante, se terá que pensar noutro paradigma capaz de viabilizar uma superação do actual estado de coisas no sentido do aprofundamento da consciência ética, cívica e racional dos alunos e do alargamento dos seus horizontes culturais. O que obriga a repensar a própria tecitura da sociedade.
Reflexão muito pertinente. Sou particularmente sensível ao factor de distracção, de des-atenção, que todas estas novas tecnologias constituem. A meditação é o antídoto disto, que continua a levar-nos a crer poder encontrar fora o que sempre connosco está...
ResponderEliminarGostaria que publicasses este texto no blogue Outro Portugal.
Abraço