sábado, 3 de outubro de 2009

Tudo é vazio saído do vazio

Início de um tantra...

25 comentários:

  1. (...) tantra relacionado com a purificação do corpo, da fala e da mente através da transformação destes no corpo, fala e mente de uma divindade, neste caso Chakrasamvara (Heruka).

    Jonh Peacock, O Caminho Tibetano de Vida, Morte e Renascimento, Plátano Editora, 2005, p.39

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  2. "Quem não acolher o Reino de Deus como uma criança não entrará nele"

    Mc 10,15

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  3. Diz-me tanto este texto do Evangelho de S. Marcos que, em pensamento, sempre me remete para Mestre Echart.

    "Como uma criança" recebo esse texto.
    Com um sorriso que retribuo:)

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  4. Desulpem a distração na grafia: "Mestre Eckhart".

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  5. Num texto de Anacleto Oliveira publicado na página treze do jornal "Voz da Verdade" lê-se o seguinte:

    "A resposta de Jesus é introduzida como uma verdade de fé: «Em verdade vos digo: Quem não acolher o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele». Neste caso, a criança passa a modelo a imitar. Mas não pela sua inocência ou simplicidade ou qualquer outra virtude moral, como tantas vezes se diz. Nada disso. A razão é só e exactamente a mesma que leva Jesus a dar-se a elas: a sua fragilidade e radical dependência. É nessa condição que elas se abrem ao dom, se confiam a quem lhes pode dar o que não têm e de que necessitam para viver. Por exemplo os pais."

    Julgo que Anacleto Oliveira fala-nos de fé, da abertura de espírito - semelhante à abertura das crianças para com os seus pais, originada pelo seu sentimento de fragilidade e de dependência - que é preciso ter para ir ao encontro de Deus.

    Em O Caminho da Grande Perfeição, o Mestre Patrul Rinpoche fala-nos de três tipos de fé, a fé vivida - "aquela que surge em nós por pensarmos na imensa compaixão dos Budas e dos grandes mestres", - a fé ardente - "a nossa ânsia de nos libertarmos dos sofrimentos dos reinos inferiores (...); o nosso anseio de desfrutar a felicidade dos reinos superiores", - e a fé convicta - "a fé nas Três Jóias que vem do fundo dos nossos corações quando compreendemos as suas qualidades extraordinárias e o poder das suas bênçãos".

    Se por um lado concordo com o autor do artigo no que diz respeito à entrega, à abertura de espírito derivada pela dependência que o crente deve sentir em relação a Deus para se transcender e alcançá-Lo - processo que eu comparo à saudade que um sujeito cindido nutre por um objecto, alcançando o primeiro saúde ou, des-vendando este a sua natureza primordial, ao aliar-se ao segundo no Uno -, por outro lado duvido da existência desse Uno, desse sujeito e desse objecto pois Uno pressupõe a existência de uma essência e o que me parece é que as coisas simplesmente derivam de outras coisas precedentes através de um conjunto de causas e condições, sem que necessariamente haja uma essência, um uno no cerne (ou fora) do processo. Assim, creio eu, pensam os seguidores da via de Buda cujos Mestres apelam aos discípulos a verificação da verdade (se existe algo a que se possa denominar verdade...) por experiência própria.

    Acredito também que essa dependência acima mencionada é causa de sofrimento pois o crente essencialista, todos os dias e toda a hora, com a infinita variabilidade de causas e condições que caracteriza o jogo do mundo, busca a essência, busca Deus, busca o imutável, busca o "peixinho doirado" no meio da grande tempestade marítima que é a vida e isso fá-lo sofrer constantemente pois "a mudança é a única constante da vida"; talvez se o crente se libertasse da dependência, das causas e condições que fá-lo tornar-se activo no jogo do mundo, dos véus kármicos geradores de apego e de aversão, ... Enfim, talvez se o crente se libertasse do "velho deus, afinal bem menor e muito mais ridículo, do nosso ego, incapaz de se ultrapassar, de se trespassar e morrer nessa suposta transcendência de tudo!?" - palavras do professor Paulo Borges que tão bem caracterizam o ilusório, ignorante e opressor sentimento de si - o crente, agora sim, assemelhar-se-ia mais a uma criança e estaria mais livre para entrar no Reino de Deus.

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  6. ops... esqueci-me de mencionar o dia do jornal: 4 de Outubro de 2009...

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  7. Sim, as crianças são dependentes dos progenitores; e creio que se as crianças são simples e inocentes - o que considero ser ainda mais relevante - é porque (ainda) se sentem ligadas à natureza, ao cosmos, ao "nada que é tudo" que Agostinho da Silva misticamente denominou Espírito Santo. Todavia a miudagem cresce e torna-se cada vez mais dependente, primeiro dos pais, depois do sucesso académico que consequentemente abrirá portas para a dependência do sucesso laboral... Ops! Peço desculpa aos bloguers deste site como muitas vezes tenho feito;) pois enganei-me: não são as crianças que se tornam cada vez mais dependentes... é o EGO que se torna cada vez mais dependente até ao dia em que o sucesso conquistado não servirá de nada como a glória não serviu de nada a Aquiles após aquilo a que muitas tradições religiosas consideram ser a única verdade: a morte.

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  8. ... só agora é que reparei na data... é o jornal de amanhã mas já está à venda...

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  9. Kunzang, mas o autor deu-lhe o artigo a conhecer, antes do jornal sair? Era essa a minha questão.

    Abraço

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  10. Caro Kunzang,

    Sendo tudo vazio "saído do vazio", só re.aprendendo o silêncio e o vazio podemos aprender a escutar.
    A escutar o que nos é dito e a assentir com um sorriso ou afastando-nos com o nosso silêncio.
    A dependência e a confiança, seja a das crianças, efectivamente entregando-se à sabedoria e sensatez de seus pais; seja a do homem adulto à renúncia ao ego e às muitas palavras que o impedem de uma escuta activa, no vazio de seu coração.

    A fé, independentemente de que natureza ou tipo se revista ou a que Uno se dirija, a fé é uma entrega e um esvaziamento. Mas, paradoxalmente, é esse vazio que é pleno de centelha divina.

    Esse vazio que é Tudo é... "Deus" e só no Vazio Ele se manifesta um Tudo/Nada.

    Ser criança é estar disponível para Amar e ser Amada... ou não?

    O dia do jornal... é Amanhã?

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  11. Não... Comprei hoje o jornal na paróquia... não conheço o autor mas enviei um mail a informá-lo do comentário.

    abraço

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  12. Bom!... devo ter demorado a escrever...~
    Já o Paulo Borges (sempre atento!) tinha dado pelo lapso da data?

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  13. Cara Saudades,

    acho que ser criança é não sê-la, amando sem saber que se está a amar... Pela pouca experiência que tenho com crianças, vejo que elas melhor que ninguém sabem outrar-se nos seus jogos e brincadeiras, devendo a escola ser por isso o local onde os adultos deveriam reaprender a outrar-se sendo os mesmos...

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  14. Caro Kunzang,

    A escola poderia ser muita coisa daquilo que não é.

    Concordo consigo. Uma metáfora é sempre uma metáfora!...

    Ao contrário da sua experiência, a minha sempre me pôs em contacto com as crianças.

    O saber é ainda outra coisa... que nos daria outros tantos dedos de prosa...

    Passo a vida a fazer isso! A "outrar-me"! Que não é outra coisa que o "despejar-me" do ser e do saber. Preparo-me para as "brincadeiras", respeitando a pausa e o vazio...

    Silencio-me para compreender. Tento não interromper.
    "Pobre de Espírito" me encontro.
    Plenamente entrego à Vida a minha escuta.

    Um sorriso:)

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  15. Se viemos do Vazio para ao Vazio voçtarmos, para que foi... a Vida?!... Senhor KUNZANG, dê-me uma razão desta sua evidência, que profundamente me angustia! JCN

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  16. ENTRE CRIANÇAS

    (Para o senhor KUNZANG que, ao seu jeito e quando calha, também lida com as musas)

    Lê-se nos evangelhos que Jesus
    gostava do convívio das crianças
    com as quais se entretinha, envolto em luz,
    falando-lhes de um mundo de esperanças.

    Olhando-o de soslaio os fariseus
    fartavam-se, entre si, de o criticar
    por se afastar dos hábitos judeus
    na forma de as crianças abordar.

    - "Como ele perde o tempo, vejam lá,
    com estas criaturas que, ao crescer,
    como serão... no dia de amanhã?"

    - "Quem não tiver, vos digo, um coração
    como o destas crianças, podeis crer,
    ensejo não terá... de salvação"!

    JOÃO DE CASTRO NUNES

    Coimbra, 3 de Outubro de 2009.

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  17. Caro Doutor Nunes,
    vou postar o seu soneto no meu blogue... Tocou-me imenso...
    O que foi a vida? Julgo que cada um sabe à sua maneira a resposta para essa pergunta... Quanto a mim... fico-me pela pergunta...

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  18. Questão inspirada na dialéctica de Nagarjuna: como pode o vazio sair do vazio?

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  19. Ouvir Tulku Pema Wangyal cantar... Sentir o toque da mão cálida de um buda vivo... Permanecer numa sala repleta de gente perante Jigme Khientse Rinpoche em estado de samadhi... ler os evangelhos e meditar sobre as palavras de Jesus... fazer amor e deixarmo-nos preencher pelo continuum sonoro e luminoso... beijar a fronte de um bébé... beijar e dar a mão um idoso frágil e à beira da morte... abrir a janela para libertar uma mosca da sala... morrer compenetradamente na natureza primordial e moksha...
    fazer uma fogueira e queimar todo este palavreado vão...

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  20. (Seguindo o pensamento de Nagarjuna...)

    Só porque as coisas são vazias é que elas podem existir.

    O espaço não se altera por elas existirem.

    As coisas configuram-se no espaço

    As coisas, os fenómenos - para Nagarjuna -,não "corrompem" a vacuidade, adornam, por assim dizer, a vacuidade.


    Assim, os fenómenos são vazio, saindo do vazio. Como?? De nenhum modo, pois que o vazio é não vazio saído do vazio e do não vazio...

    A Vacuidade é a natureza de tudo, não o Vazio.

    ...

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  21. E nela de bom-grado nos queimamos, como a borboleta nerudiana atraída pelo fulgor das chamas. JCN

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