domingo, 18 de outubro de 2009

Diálogos do Jardim - O Tom e o Som de Isabelino Canto


Imagem de Jasek Yerka

Uma página branca é o silêncio liso da água, na folha do jardim. Uma letra suspensa no sonho , saída da morte, é um canto novo, uma palavra branca que se move devagar. Uma palavra branca é um som de escuta do silêncio. Move-se com solenidade no lago e no livro. Uma folha que vira com o vento é uma imagem onírica da leitora. A leitora vê no jardim um caminho solitário e silencioso. O silêncio chega solene, mora na Casa da linguagem, em Parasceve. Uma palavra apanhada da árvore é um fruto que mora no sonho e na infância. A página do sonho vira-se com o vento das palavras que sopram silêncios. Nasce uma nova folha. Escuta-se o silêncio que é o rosto acordado de Deus. A Mãe espreita o baloiço da lua a respirar. A lua crescente dentro dela e Deus mora dentro e fora do jardim. Ouve-se o silêncio dele no caminho que as gaivotas fazem, e nas marcas que deixam na areia. As gaivotas deixam na areia sons espaçados de silêncio. Desenhos para lá e para cá do jardim impermanente. Não tem tom nem som o Jardim de Saudades. A Mãe dorme como a nuvem em cima da árvore. O baloiço da lua movimenta-se na escuta. Uma harpa no vento caligrafa a solidão.Os cisnes labirintam-se no espelho da água. Não há vento nem movimento. Não há som nem tom. As penas brancas flutuam como neve no interior do labirinto verde. No interior da alma dos jardins. Aguardam o silêncio da noite. Preparam-se para o sonho e para avistar a morte. Há morte bastante no sonho. A cantora fecha o piano e deita-se no espelho da água do lago, a ouvir o sono tocar. O sono é um sino que deixa de se ouvir, quando chega a luz da aurora. O silêncio fecha a noite dentro de uma caixa de música. Lentas, as palavras mergulham no sono. Uma palavra sobe em estrela e aprece noite no azul escurecido. Uma só palavra para velar as que não se perdem nem caem na água: as que se equilibram no abismo. No regresso das gaivotas, os cisnes escutam os sons que moram na montanha. A montanha tem a forma de uma onda. O silêncio espraia palavras na pena das palavras, no pingo das síabas na janela da página. O silêncio é um ovo de luz na areia. Um nascimento interior.A Mãe veste as folhas das árvores para despi-las, depois, com solenidade. Depois da aurora, os cisnes iluminam-se; ardem sílabas na neve rosa. Os cisnes são, no sonho acordado, flamingos que chegam do passado, trazidos pelo som da Mãe. Recitam orações para as paisagens desertas do azul do rio. Há pássaros que soltam sons e desenhos no ar branco das nuvens. Ascendem-se as asas de Ícaro. Dédalo avista a ilha em branco da página que se solta do bosque revisitado. Um bosque é um templo e um leito para sonhar a infância. O labirinto estático silencia os cisnes e as gaivotas. A leitora sabe que as vozes imitam as partituras brancas dos sons amortecidos pelas nuvens e pelas penas dos cisnes. Os sons espalham-se pelas sementes que os pássaros trazem no bico da véspera. Os sonhos são símbolos a balbuciar desenhos no ouvido. As palavras são cisnes, levam a morte a cantar e trazem o sonho para o jardim. O Amor vê o que as palavras ainda não trouxeram da página da árvore. As rosas são letras desmaiadas na espelhada água entre o verde do labirinto e o branco das árvores. As árvores são nervuras finas, veios de folhas escritas com tinta azul. O peito dos cisnes é um leito de Ofélia, coberto pelas flores e folhas caídas do jardim. Os flamingos oram, levantam um pé enquanto sonham silêncios no desenho transparente da página. Da página avista-se o lugar de Parasceve. A casa abandonada da infância vai nos sonho de encontro à morte e ao ruído que fazem as palavras a adormecer sobre a folha da árvore. A folha do jardim colada, como no sonho. A leitura onírica de uma morte sonhada. Os cisnes seguram a morte ao indizível sem lugar e sem tempo que se ouve no jardim. Sopros de abandono e de beleza extrema saem dos lábios de I. Corre no meu olhar um rio de vidro e de cristal. Essa lágrima reflecte o labirinto e os cisnes, deslizando nas páginas e na voz ouvida no silêncio: a voz da leitora iluminada de letras desenhadas onde dormem poemas e as gaivotas segredam.

Para a Isabel a minha gratidão pelo tom e o som da sua escrita: leve, inspirada e, sobretudo, crente na leitura silenciosa de uma alma que se mantém suspensa na altura do seu voo. E o seu voo é um sorriso indireccionado: uma oração imóvel, espelho da infância na impermanência de tudo.

3 comentários:

  1. No antepórtico da dedicação deste canto, ao rés dos degraus dum tal jardim de tons e sons que tudo me calam - e a medo de pisar algo que desmereço - deixo aqui tão-só um mutino adjectivo: Sublime!

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  2. A quem de olhos vendados por um tecido fino de seda, a quem de mãos dadas para a dança de roda das bailarinas do vento veio ao átrio que nos chama da infância em jardins e bosques da mais alva brancura os sei, Saudade.

    À flor da linguagem que sempre nos fala, de tanto nos calar em ausências. Venho de olhar claro o jardim de Iabel. O Sumo Jardim que nos cala o olhar e nos cega de Luz.

    No pórtico permaneço ainda... soubera eu alcançar a sala... o jardim... a Casa. Avistar Parasceve e a estrada do céu, caminhos de Santiago...

    Nasce-nos fontes na voz, ao lembrar o jardim: o canto dos pássaros no cimo do plátano, a doirada asa do anjo...

    Escutar as brisas da leitora nas asas das borboletas... sopros de vento.. Saudade!

    Um aceno e um sopro indireccionado nos deixe ver o brilho tímido de um sorriso e de uma voz tão saudosa, na Serpente e no Jardim de Saudades, uma voz de isabelinos e violinos cantos... de vontade de bondade e e silentes rios...

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