“Os animais não são coisas” — um processo legislativo parado...
Em Maio de 2008, o Ministério da Justiça empreendeu a tarefa de colher pareceres junto das principais associações sobre o estado da protecção animal no nosso país e os seus problemas mais prementes, com o intuito de identificar áreas em que a mudança legislativa, mormente a consubstanciada na alteração do regime jurídico dos animais, se revelasse de importância crítica ou se afigurasse meta incontornável para garantir uma mais eficaz protecção aos animais. Posteriomente, foi ouvido o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e demais entidades.
Na sequência dessa consulta e dos pareceres assim colhidos, resultou um documento que foi submetido à apreciação das associações inquiridas. Nele se concluía pela necessidade de subtrair definitivamente os animais à categoria de coisas e de alterar, entre outros, o artigo Artigo 202-A do Código Civil, código que giza, afinal, o regime jurídico dos animais, e que influencia, nomeadamente através da terminologia usada e da atribuição de igual estatuto jurídico a animais e a coisas, a concepção de animal que informa as práticas da sociedade.
Tidas em conta foram, como se impunha, a crescente sensibilidade social a esta causa e a iniludível afirmação de novos paradigmas éticos e científicos, que reconhecem aos animais o carácter de seres vivos sensíveis e que repudiam uma arcaica concepção jurídica que os assemelha a coisas inanimadas e não lhes confere suficiente protecção.
A despeito de traduzir o sentimento da maioria dos Portugueses* e de reunir o consenso dos civilistas e dos mais reputados tratadistas internacionais quanto à sua relevância prática e à urgência da alteração, a aprovação do projecto tarda de forma intolerável, postergando a dignificação, que há muito urge, do estatuto dos animais e a consagração de princípios que são, também, indicadores civilizacionais e morais.
Não se vislumbram as razões de tal atraso ou retenção nas prateleiras de algum gabinete ministerial, porquanto:
(i) a alteração nada tem de vanguardista, antes assentando no pressuposto primordial de que a lei deve traduzir a consciência social de que é coetânea;
(ii) vários Estados europeus já a puseram em prática (a Áustria alterou o seu Código Civil nos anos 80 e a Alemanha na década de 90), alguns deles consagrando mesmo a protecção dos animais em diploma hierarquicamente superior ao Código Civil (a Alemanha, na sua Constituição Federal);
(iii) o diploma submetido a consulta está em perfeita sintonia com o Plano de Acção Comunitário relativo à Protecção e ao Bem-Estar dos Animais (2006-2010) e com as disposições dos Tratados de Amesterdão e de Lisboa;
(iv) a promoção do bem-estar animal insere-se nas preocupações do XVII Governo Constitucional (Capítulo III, ponto III, n.º 4, e Capítulo IV, ponto II, n.º 1, do Programa do XVII Governo Constitucional);
(v) a alteração proposta não carece de regulamentação para a sua concretização.
Saliente-se, em especial, que a substituição do conceito de “animal coisa” pelo de “animal ser sensível” impulsionaria decisivamente a protecção (incluindo a legislativa) dos animais e a necessária transformação de paradigmas e atitudes, num contexto em que os meios de comunicação social e os intervenientes das associações de defesa animal amiúde relatam casos de inquietante e impune crueldade contra os animais, algo que qualquer sociedade civilizada tem de combater convictamente. Neste sentido, o projecto de diploma faz referência expressa ao facto de o direito de propriedade sobre animais não contemplar a possibilidade de lhes infligir maus tratos, actos cruéis, formas de treino não adequadas ou outros actos que resultem em sofrimento injustificado ou abandono.
Eis, portanto, uma alteração cuja pertinência é inquestionável e que urge fazer aprovar, abrindo, assim, caminho a uma mudança das mentalidades, a um reforço da protecção jurídica dos animais e a uma sadia defesa da compaixão pelos seres indefesos (humanos e não humanos). Quem poderá considerá-la irrelevante, sem ver posta em causa a sua escala de valores morais e o seu travejamento como ser humano bem formado e informado?
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O que vão fazer pelos animais (e portanto pelos homens) os políticos que ganharem as próximas eleições?
O valor da vida é sempre relevante! E nós poderemos concerteza fazer por isso. Mas pelos outros(políticos que ganharem eleições) não poderemos responder.
ResponderEliminarOs políticos que ganharem as próximas eleições vão ser os políticos que ganharem as próximas eleições.
ResponderEliminarNão podemos responder, é verdade, pelos políticos, pois é lógico que os que ganharem serão os que ganharem. Compete-nos,outrossim, responder por nós e por quem é vítima de todo o desrespeito pela vida em qualquer das suas formas, mormente os que se vêem impossibilitados e impreparados a diferentes níveis, para defender o direito a uma existência plena e condigna. Os seres não são coisas, nós é que, muitas vezes, nos comportamos como tal.
ResponderEliminarUm abraço, Paulo
"Res" (coisa) é o inverso de "Ser"...
ResponderEliminarUm Abraço, Maria
Pois, Paulo, assim a "Res"(pública) se envergonhe e passe a estar mais atenta ao "ser" das coisas do que às "coisas" dos seres...
ResponderEliminarAbraço.
Se vos provar que as pedras, a terra e as cadeiras são seres sensíveis prometem-me que aprendem a levitar?
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