sábado, 29 de agosto de 2009

Somos o universo e não damos por isso

"Na sua ascensão espiritual para o Uno supremo, os yogis e yoginis tântricos intensificam progressivamente a sua consciência, o que assim os capacita para experimentarem domínios cada vez mais subtis de existência. Ao nível material, experimentamos o corpo como separado do seu ambiente. Todavia, nos níveis mais elevados de existência, as fronteiras entre o corpo e o ambiente tornam-se crescentemente indistintas e o corpo primordial é coextenso com o próprio universo. Por outras palavras, no mais alto nível da corporeidade somos literalmente o universo. Nesse nível somos verdadeiramente omnipresentes tal como omniscientes. Quanto mais baixo descemos na escada da evolução psicocósmica, mais pronunciada se torna a cisão entre consciência, corpo e ambiente"

- Georg Feuerstein, Tantra. The Path of Ecstasy, Boston/London, Shambhala, 1998, p.143.

Isto explica a irreflectida crença dominante de haver uma separação entre seres, objectos e mundo, que é a matriz de todos os problemas e conflitos que dilaceram o universo. Nada pode solucionar isto, a não ser uma radical mutação da consciência. Sem ela, de nada servem reformas ou revoluções intelectuais, morais, artísticas, sociais, económicas ou políticas. Sem essa radical mutação da consciência, trans-dualista, o mundo continua e continuará a ser o que sempre foi: um lugar de contínua expectativa da felicidade e do bem e de contínua frustração disso. Sempre o mesmo, desde o Paleolítico até à era tecnológica e para além.

Reflicta-se bem nisto e não percamos tempo com futilidades, por mais sedutoras que sejam.

24 comentários:

  1. Não somos seres distintos uns dos outros, Paulo?

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  2. Creio que o que se diz "ser" é função de um estado de percepção. Quando a percepção é dualista, parecemos distintos. Quando deixa de o ser, desaparece a distinção e com ela a própria não-distinção. Unidade e multiplicidade são meros conceitos que não agarram o modo de ser das coisas.

    É o que penso em função do que experimento. Cada um deve todavia investigar por si, mas não só intelectualmente, porque esse é o reino da dualidade.

    Abraço

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  3. Boa tarde Paulo.
    Faço agora uma pausa para respirar o ar que passa por entre as palavras que agradavelmente acabo de sentir.
    Tenho uma dúvida... (várias até, sorrisos) a decalagem do eu face ao que o rodeia é, ou pode considerar-se, um sintoma de esquizofrenia intelectual? Porque pergunto... por esta passagem em particular "Ao nível material, experimentamos o corpo como separado do seu ambiente."
    Esta dúvida leva-me a pensar na possibilidade de um desmembramento físico suportado por um sereno e aprazível estado de extrema consciência, faz sentido?

    Grato Paulo, um abraço!

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  4. "É o espírito que une Pai e Filho, dos quais vem tudo o resto, como criação de redenção; é o Espírito o traço comum de sujeito e objecto, por onde se estabelece todo o diálogo; é o Espírito a fonte indefinível de onde a vida pode fluir sob quaisquer formas, aquelas que eu conheço e venero ou não, e aquelas de que nem sequer posso ter uma ideia; e o Espírito que anima os que estão comigo e os meus adversários; foi o Espírito quem me trouxe o Cristo e quem a outros trouxe Buda, Maomé e Lao-Tseu; foi o Espírito quem me deu Eckhart e quem me deu a geometria analítica; nele se reconciliam Aristóteles e Platão, nele se acabam as geografias, ou políticas, que separam Ocidente de Oriente."

    Ecúmena

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  5. Tantrismo de tantos estragos no passado!
    985 dC é um marco disso.
    Até parece verdade e único caminho!

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  6. Caro Rui, à primeira questão responderia que sim. Em relação ao que diz no fim, não sei bem, pois a dualidade parece-me sempre implicar na consciência a experiência do que os indianos designam como "dukkha", mal-estar, insatisfação, sofrimento...

    Um Abraço

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  7. Amigo Agostinho,
    grato pelas suas palavras vindas do Espírito. Segundo percebi, o Espírito é o nível mais elevado de existência, no qual não há fronteiras entre o corpo e o Universo, tempo e eternidade. Creio que um praticante budista durante a sua vida exercita-se a aumentar a percepção que tem da luminosidade, a chamada luminosidade-filha, imagem essa transmitida por um mestre, para que no momento da morte consiga reconhecer a luminosidade, a luminosidade-mãe, revelada no final do bardo da morte, após a dissolução dos elementos corporais. Se o yogi conseguir tal proeza, a "filha" corre para a "mãe" e despimo-nos de todas as peles que nos fazem ilusoriamente sentir separados do universo.
    Quem nos separou? O que fez com que nos sentíssemos separados do Cosmos? O medo? Por que é que sentimos medo do escuro, das feras, de desastres naturais, de tudo o que ameaça a nossa vida? Temos medo da morte? Porquê? Porque como dizia Hamlet, não sabemos que sonhos iremos enfrentar após a morte? Por que não sabemos? Medo, morte, ignorância... Tudo leva à sua matriz... a separação. Sentimo-nos separados, vivenciamos o dogma da separação entre o ego e o outro, desconhecemos o que está para além da separação e con-finamo-nos... vivemos limitados... dentro de fronteiras... E por mais "novas fronteiras" que criemos, estaremos sempre confinados a fronteiras.
    Para rasgar as fronteiras há que matar a separação com a espada da sabedoria. Com ela cortaremos os laços que obscurecem a Visão. Quando a Visão, que julgo ser a visão do Espírito, se tornar mais nítida, há que "intensificá-la progressivamente" através da Meditação. Uma vez intensificada, acredito que toda a Acção será conduzida,não pelo ego, sim pelo Cosmos, para que se extingam as fronteiras, as separações, as diferenças, os limites, as raças,as espécies,... Tudo e todos unidos pela graça do amor... O V Império...

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  8. Amigos Serpentinos,
    gostava de partilhar convosco mais alguns pensamentos que vieram ter comigo.

    "Teve o homem receio de não haver mais a possibilidade de entender, de sentir, de se fundir no Uno quando, por se ter separado dos planos de Deus, como já antes se separara o anjo, principiou a separar-se do que até aí fora inteiramente seu irmão e, mais do que irmão, como que um dos aspectos de seu próprio corpo e de sua própria alma. Pela agricultura, escravizando a planta, dela se separou, pela caça, e pelo criatório, destruindo ou escravizando os animais, deles se separou; mas agricultura e criatório trazem consigo a propriedade, o cão de guarda e o rei, o banco e o soldado, a escola e o tributo, e a opinião que se chama pública mas é sempre realmente de quem pode e manda; como consequência é de seu irmão homem que o homem se separa, com uma suprema, embora nao definitiva, vitória do Diabo."

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  9. Grato, tinha também essa percepção ao estudar casos concretos, como Sá-Carneiro, que experimentou amplificadamente essas sensações; razões várias, levando a identificá-las com desprendimentos corporais, que não só mostravam um distanciamento do eu face aos objectos mas também, esse dito desdobramento físico do eu, clinicamente mais debatido. É certo no entanto quando afirma, que são experiências que podem e devem ser levadas a cabo pela mão de cada um, tentado fugir à racionalidade, já que induz a análise e um distânciamento à própria cognição onde reina a dualidade, essa, a que nos ofusca. (sorrisos)

    Bom, despeço-me com amizade.
    Grato, um abraço também.

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  10. Concordo consigo, amigo Agostinho. Quando praticava tiro com arco no Japão, não conseguia alcançar a tensão e distensão necessárias para efectuar o tiro pois a minha mente estava imbuída de pensamentos, de conceitos, de alvos a atingir, ... Quando estirava o arco, existia separadamente de mim o arco a seta e o alvo, a separação entre mim, o atirador, e o alvo... Só no momento em que consegui diluir o meu ego no alvo, ou o contrário, diluir o alvo no meu ego, senti-me fundido no Todo e alcancei a tensão necessária... ou libertei-me da tensão em excesso... ou os dois... ou nada... para dizer a verdade, não percebo nada...

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  11. Sócrates, o filósofo29 de agosto de 2009 às 17:18

    Eu sei que nada sei

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  12. Mas afinal o que defendeis? O ser ou não ser? A existência condenada pelo fado ou a não-existência, também ela condenada pela incerteza? A vida ou a morte? O destino ou o inferno? O que escolheis?

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  13. Meu caro Hamlet,

    "A forma é vazio, o vazio é forma. O vazio nada é senão a forma, a forma nada é senão vazio".

    E fique a saber que vazio não é o tal defendido pelos niilistas, o vazio vazio. Os portugueses têm uma palavra muito boa para definir vazio, vacuidade: nada. O nada não é uma negação, logo não nega (nem afirma) o tudo que possa surgir e coexistir. Nada é tudo e tudo é nada... Se calhar seria esta a melhor tradução do meu sutra para português... Mas para entenderdes a vacuidade, tereis de praticar muito a meditação e não perder tempo com passeios pelo cemitério...

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  14. As deambulações pelo cemitério são importantíssimas pois permitem o desprendimento à existência. Se quereis tornar-vos num arahat, desprendidos do apego, haveis que praticar a renúncia. Não conheço melhor sítio para tal prática como um cemitério.

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  15. Deixem-se de conversas fúteis e sigam a vossa via. Pode haver milhentas vias neste mundo mas acredito que todas elas conduzem ao Espírito, à nossa natureza primordial, ao Cosmos. Uma vez re-ligados, não há vida nem morte a temer... Uma vez unidos, não há medos e esperanças que nos perturbem... Uma vez mortos, estaremos renascidos para a vida eterna. Fiat Lux...

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  16. Meditem nos cemitérios sentados sobre os cadáveres, façam amor sobre as campas, dancem com a ronda dos espectros!

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  17. Meditar em cemitérios sobre cadáveres? Mas que linguagem herética... quão profano, anárquico e pecaminoso é este blogue do Paulo Borges... :(

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  18. “…alto nível de corporeidade..”?
    Confundo com o interesse em mundos subtis, muito em moda nos dias que correm. Mas o que isso importa quando aquilo a que nos desafiam desde que nascemos é viver corporalmente?
    Não será essa a grande questão? Que possam sair de nossas mãos acções que unam o corpo, a alma e o espírito?

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  19. Meu caro Paulo Borges, sempre com a demanda quixotesca de querer o ser humano em espirito puro?

    folgo em ver que não perdeu o seu idealismo estoicamente absurdo.

    saudações de um antigo aluno

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  20. Qual ser humano? Qual aluno? Qual corpo, alma e espírito? Não percebo o que dizem...

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  21. Eu ser humano.
    Eu ser aluna há algum tempo, ser lenta.
    Eu ter corpo e alma à procura de espírito. Eu ainda não encontrar. Eu estar a investigar. Depois, eu dar notícias.

    Viver muitos anos os idealistas estoicamente absurdos!

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