segunda-feira, 20 de abril de 2009

Trouxe um rio


E sempre a minha voz vai com a corrente: rio abaixo, rio acima, deslizando sobre as águas onde a luz é um tecido de prata a levar e a trazer os sonhos de que nos lembramos, quando a noite é uma almofada de estrelas atada à cintura das casas. Dolente, a ponte, abre-se para as margens de uma canção tão triste que o Tejo chora dentro dela; e a chuva é um rito no coração aberto da cidade. Sei do fado de um rio na voz doce de Camané. E as calçadas são a luz a subir a íngreme escada das colinas onde a Saudade de perde e os poetas se perdem e se encontram no escuro redemoinho do vento e entram, de súbito, numa tasca africana, onde o som da morna requebra a voz da morena de olhos cor de canela bravia, terrugem vermelha de distância entre uma luz azul que grita o Tejo e o vago verde do mar das ilhas da Guiné e Cabo-Verde. Ilhas do meu país de olhos de água, onde as ilhas são corpos deitados no mar, em posição de fetos, filhos do encontro; filhos desta miscigenização de almas mais do que de corpos. E é o rosto sempre a fitar a distância de uma escada e no cimo um jardim. E ao longe, em perfil de serpente engolindo a água e o sonho circula o Tejo por dentro da voz: “Sei de um rio”... E deus que assiste a tudo isto dentro do nosso olhar, volta o seu rosto à interior distância, ao sem tempo e sem espaço onde se nasce muito antes de haver mundo e de nos lembramos de sempre ter havido, para o nosso canto, uma voz anterior às estrelas, como diz o poeta: um rio que nasceu antes de haver Natureza e do mesmo tempo de haver e não haver. Tempo anterior a tudo, antes mesmo de Deus. Tempo da Saudade, fado tão nosso!


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