Morreu, no dia 24 de Abril, Tomás Jorge (Vieira da Cruz) - no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, vítima de um cancro mais teimoso que ele. Filho do ‘príncipe dos poetas coloniais’, por quem sempre nutriu uma profunda admiração e um verdadeiro reconhecimento, foi um dos grandes vultos do nacionalismo literário angolano dos anos 50 e 60, para além de declamador possante, com acurado sentido do ritmo – que provavelmente herdou de seu pai.
Cresceu como escritor no meio daquela poesia-comunicado, poesia de apelo muito crú à luta, em que se vigiava a correção ideológica e não se ligava nada à estética desde que ela funcionasse, servisse. Mas os versos dele destacavam-se por um ritmo próprio, que não era o da oratória política (como em Agostinho Neto e, em parte, em Viriato da Cruz); também se destacavam porque ali pulsava uma tímida mas recorrente inquietação filosófica, sobre o cosmos, a essência do homem e do destino, a certeza da morte e o sabor da vida. Infelizmente não levou mais longe essa inquietação – premências da luta, solvências do exílio.
Também não alinhou impensadamente ou automaticamente na ideologia dominante entre os nacionalistas da época (por isso não entrou no Partido Comunista Angolano, nem deu o seu acordo, ou nome, ou poema, à viragem do regime pós-independência para o bloco soviético). Mas fê-lo sem entrar em negociatas, fraquezas de espírito, nem se fechar em qualquer outra ideologia de reação. Continuou a ser poeta, essencialmente poeta, desprendido, não ligando ao desprezo, à indiferença, ao ghetto a que o votavam. Aparecia por si próprio e isso lhe (nos) bastava. Amava com autenticidade e sentido crítico a sua pátria e, em particular, a sua mátria: a velha e viva cidade de Luanda, a Loanda de outros tempos e de hoje, a cidade dentro das suas cidades como lembrou poeticamente Jorge Macedo. Quando a revisitou, nos últimos anos, andava de hiace, ou candongueiro, nesses pequenos táxis coletivos onde há lugar para pessoas a mais, cuidados a menos, calor sufocante, insegurança total, condução alucinante, tudo menos comodidade. Ia e vinha para o subúrbio onde generosamente a família da mulher o albergava. Durante o dia, passeava anónimo pela sua Luanda, vendo-se impotente perante a pobreza e feiura da nova cidade. Comia um bom funge no Kinaxixe, antes do edifício ir abaixo em nome de um centro comercial que não surge, claro. Com o Macedo, às vezes comigo, alguns outros da mesma ‘laia’, brincava, usando a voz altissonante, brincava com todos e chamava cada coisa pelo seu nome, ali, no meio do povo, anónimo e assumido. A pátria por que lutou ignorava-o. Ainda assim ia lá, não podia passar sem ela. E humildemente se apresentava só com a sua pessoa. ‘Esses cotas são loucos’, diziam os miúdos, candengues nossos aqui. Mas isso, naquele tempo e neste, entre cinzentos fraques a 33º à sombra, isso mesmo já não foi pouco.
MESMO QUE FOSSE-O, PAZ AOS MORTOS
ResponderEliminar1. Assumiu sempre o nome dele, ao contrário destes anónimos que se traem a si próprios.
ResponderEliminar2. Nunca foi da UNITA e detestava a figura de Savimbi.
3. Era um Homem com H grande, viril e que não teria problema nenhum em lhe responder cara a cara.
4. Quanto às grosserias, guarde-as para si e assuma-se.