domingo, 19 de abril de 2009

Colecção de Deuses

No princípio Elohim criou o céu e a terra. E a terra era deserta e vazia, e o espírito de Elohim esvoaçava sobre as águas. Nesse tempo, Deus repousava a sós consigo próprio. Deus tinha, na altura, um estranho nome: Abismo. Este nome não significa que ele fosse uma cavidade abrupta, ou a vasta extensão dos oceanos primordiais. Significa que era superior a todas as qualidades humanas. Abismo ignorava, igualmente, as qualidades que é costume atribuir a Deus: ciência, sabedoria e verdade. Não era o Todo, não era o Uno, não era o Bem, nem o Pai, nem o Senhor. Quem era, então, esse Deus indizível e incompreensível, acerca do qual não se podia afirmar nem negar nada? Talvez seja possível arriscar que Abismo era o imenso Nada, o ilimitado Não-Ser que contém em si a possibilidade de todos os nomes que existem. É-nos dito no mito que junto a Abismo repousava uma entidade feminina: Silêncio. Silêncio foi concebida na negação de todo o espaço e na negação de toda a linguagem. Abismo e Silêncio fundiam-se e anulavam-se numa perfeita unidade andrógina. No fim, a pureza absoluta deste par foi violada. Abismo depôs uma semente em Silêncio, surgindo, deste modo, um acto de criação no coração do Não-Ser. Silêncio ficou grávida e gerou Intelecto, em tudo semelhante a Abismo e Silêncio. No entanto, enquanto Abismo e Silêncio se mantiveram na obscuridade e na incompreensibilidade, Intelecto habitou a luz clara do ser, do conhecimento e da palavra.

6 comentários:

  1. "Às vezes eu mesmo, que devera ser um alto iniciado, pergunto ao que em mim é de além de Deus se estes deuses todos e todos estes astros não serão mais que sonos de si mesmos, grandes esquecimentos do abismo"

    - [fala do Diabo] Fernando Pessoa, "A Hora do Diabo", p.26.

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  2. Cansado de ser apenas deus
    perguntei os segredos do mundo
    à minha esposa Frigga.

    Ela no seu infinito Amor
    não quiz me poupar à dor.
    Por sua ordem me enforquei
    e na Árvore da Vida meditei.

    Em nove dias descobri
    os segredos das runas
    e decidi
    honrar dignamente a descoberta.

    Olhei para o fundo do poço
    onde deixei
    meu olho direito e o tranformei
    em boca escarninha que me lembrará
    por toda a Eternidade que algo haverá
    para além de tudo aquilo que aprendi e imaginei.

    Descobri assim a humildade
    que me transporta além do que é ser deus
    transformando-me em sonho, em mito, em desejo humano
    em toda e qualquer idade.

    Por maior ainda do que ser deus,
    ou ser a teta que o mundo amamenta,
    é enfrentar com coragem o turbilhão
    que a tudo revolve, a tudo o que se julga existir arrebenta.

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  3. Odin, quão gratas são essas palavras!

    E bem vinda, Cláudia, com a funda sabedoria do grande Abismo e do grande Silêncio!

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  4. Será o Abismo Deus e criador? Duvido abissalmente.

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  5. Abismo da expectativa

    A expectativa assume-se como forma de assentar definitivamente todos objectivos num corpo, que é futuro.
    Viver o tempo que nos resta com a cabeça focada e alinhada para essa distância, viver de acordo com a projecção sem sabermos o que daí poderá advir, viver para o futuro sem sabermos o que fazer com o presente, viver uma tranqulidade de tempos tão díspares fundindo-os em um só tempo, tudo isto é expectativa.
    Se a mesma expectativa sobre algo físico ou imaginário é largamente vivenciada, ultrapassando todos os limites de tudo o que se pensa ser provável, o Homem começa a fantasiar, alinhando a sua vida de acordo com a indicação magnética de que tudo aí será meta, ou resultado final compreensível. Deste alinhamento resultam frequentemente a angústia, a ansiedade, o Homem insone, a viagem alada no dorso de Pégaso e o que cada vez se afirma como regresso à realidade, à vivência e exitência de um eu, à queda do cavalo.

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  6. Todos morrem à espera... de viver. E assim renascem... à espera de morrer.

    Sei do que falo. Ando nisto há muito tempo. Desde o sem tempo.

    Andamos todos.

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