quinta-feira, 19 de março de 2009

A Pessoa

Não, sou nada, sempre serei nada
e apesar disso sou um exilado da terra e do mar
sem falar do céu, com pés inchados.
Não falo nenhuma língua e não tenho nenhuma língua
somente um músculo sangrento e inchado
tanto de tentar falar e chupar a essência das coisas
todas perdidas como eu no espaço e no tempo
e no espaço do tempo que chamamos a vida.

Não, não falo nenhuma língua suficiente
pois sou incapaz de natureza e cheio do orgulho amargo
das minhas próteses e não falo a língua do ódio
pois a minha raiva é uma onda sem espuma
que não quebra as rochas da terra … Ai! Ai! Ai!
Veja as ondas do mar serena, raiva imortal da água e da lua.

Não, sou nada, nem um grau de areia
pedra incluído no ciclo eterno e esplendoroso das coisas
sou nada pois não sou nem coisa nem espectro
sou exilado como o vento mas somente no vento
uma pluma preta com a cor do asfalto e com o cheiro do alheio
do estrangeiro inimigo dos costumes quotidianos
que causa o medo nas ruas escuras das cidades
angustia tenho também, neste caminho sem fim.

Não, sou nada e não tenho nada
pois tudo é dono de mim, sou escravo da minha liberdade
e prisioneiro de uma ética duvidosa da verdade fugitiva
da tolerância cheia de crueldade com dentes e olhos
com palavras antropófagos e corpos carnívoros
com o fome das almas que se escondem e que se recusam
para o canto mais distante da larva mortal.
Palavras e palavrões destinados para confundir os povos
para sempre, para poder sobreviver como parasitas
para se multiplicar nas bocas humanas com mal cheiros.

Não, sou nada e apesar disso não falo nenhuma língua
pois as línguas falarão de me e me falam e me abrasam
não falo a língua do amor mas a minha carência de querer amor
é como um remoinho, um buraco preto, um querer que destrua tudo
o próprio ser e tudo que é e que quer ser, mesmo aqui e agora mesmo.

Não, sou nada e o nada que sou é como o nada
e o que eu sou, sendo nada, sou eu mesmo…Ai! Ai! Ai!

Lisboa 22.01.09

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