A tarde reclina-se, graciosa e mansamente, como uma flor que fecha as pétalas, mal a sombra lhe toca, empurrando para trás da luz a pedra mais sossegada do jardim. A tarde - se a tarde fosse uma pessoa - correria como aquele ribeiro da infância que me acompanha e corre, também ele, mansamente, para lugar nenhum. A tarde tem a felicidade de não ter nem a calma nem a alegria que sinto, nem de querer tê-la. A natureza seria um bom espelho se fosse espelho. Mas não é, há quem diga. Segue comigo e com a tarde o rio que sabe o caminho e a minha alma que se interroga sobre o que é saber-se o caminho, para concluir que o não sabemos. Dele tão só pisamos terra. Cuidaremos de não pisar os canteiros nem quem connosco siga: astro ou anjo, rio ou pássaro a procurar, no que é mais baixo e abrigado, um lugar para o sono. Porque a à minha alma seguirá sempre o rio, viajante e viajeira de si. Quase brisa, quase borboleta.
Estamos sempre na foz. E na foz somos nascente. Bebemos desse caldo do céu que é a vida e nesse intermezzo de uma ópera de despedida das rosas de inverno. Olhamos para dentro do coração de quem lê e ouve uma lacrimozza de nós. Somos nós a secar as poças de água e o musgo das paredes; os troncos ainda nus dos pequenos arbustos a pedirem os vestidos verdes que não lhes são negados, para vestir a paisagem da nossa eternidade em ciclos revisitada nos não estranhe mudados em seu mudado aparecer.
Também a flor do lilaseiro não tardará a crescer sobre a pedra das nossas memórias, e o vento não desviará o seu trajecto, sem que a bailarina solte um som de asas no silêncio adormentado da tarde. A nossa eternidade é a ideia da neve sobre os píncaros da montanha, quando havia tempo para segredar ao vento uma história que nos imaginava: sentados debaixo de uma árvore a ver o universo a actuar, na repetição das coisas que não têm tamanho nem tempo nem duração. São a ilusão dele, tão real, que nos pomos a pensar que deus nos terá desenhado a partir desse nada que nos será fim e início. E nós, humanos, actores esquecidos por um deus cansado, nós perdidos, dentro do abismal universo a ser partículas, fragmentos de uma existência que em pensamento e criação, resolve mais uma das suas equações das rosas, só para a tarde não doer tanto.
Só para sorrir do ninho da cegonha na igreja por onde passo raramente, e onde a cegonha decidiu permanecer e morar até a tarde se pôr nos meus olhos acordados. Quem ama as palavras e as usa para compreender a claridade do dia que, a pouco pouco, inclina mais a cabeça para trás, sabe que a imagem pode ser o pretexto para o texto que nasce imagem que, por sua vez cria imagem, numa rede infinita de conexões que fazem com o que se sonha seja tão ao mais real do que o que se vê apenas. A experiência da Saudade é também tempo, mas a criação é o que faz com que se possa matar a morte e se sintam saudades de ter saudades.
Estamos sempre na foz. E na foz somos nascente. Bebemos desse caldo do céu que é a vida e nesse intermezzo de uma ópera de despedida das rosas de inverno. Olhamos para dentro do coração de quem lê e ouve uma lacrimozza de nós. Somos nós a secar as poças de água e o musgo das paredes; os troncos ainda nus dos pequenos arbustos a pedirem os vestidos verdes que não lhes são negados, para vestir a paisagem da nossa eternidade em ciclos revisitada nos não estranhe mudados em seu mudado aparecer.
Também a flor do lilaseiro não tardará a crescer sobre a pedra das nossas memórias, e o vento não desviará o seu trajecto, sem que a bailarina solte um som de asas no silêncio adormentado da tarde. A nossa eternidade é a ideia da neve sobre os píncaros da montanha, quando havia tempo para segredar ao vento uma história que nos imaginava: sentados debaixo de uma árvore a ver o universo a actuar, na repetição das coisas que não têm tamanho nem tempo nem duração. São a ilusão dele, tão real, que nos pomos a pensar que deus nos terá desenhado a partir desse nada que nos será fim e início. E nós, humanos, actores esquecidos por um deus cansado, nós perdidos, dentro do abismal universo a ser partículas, fragmentos de uma existência que em pensamento e criação, resolve mais uma das suas equações das rosas, só para a tarde não doer tanto.
Só para sorrir do ninho da cegonha na igreja por onde passo raramente, e onde a cegonha decidiu permanecer e morar até a tarde se pôr nos meus olhos acordados. Quem ama as palavras e as usa para compreender a claridade do dia que, a pouco pouco, inclina mais a cabeça para trás, sabe que a imagem pode ser o pretexto para o texto que nasce imagem que, por sua vez cria imagem, numa rede infinita de conexões que fazem com o que se sonha seja tão ao mais real do que o que se vê apenas. A experiência da Saudade é também tempo, mas a criação é o que faz com que se possa matar a morte e se sintam saudades de ter saudades.
Sabia desde sempre que nas suas mãos, nas mãos de quem escreve, as Primaveras chegam mais seguras, chegam mais amplas, chegam logo a seguir às cegonhas, chegam perfeitas e sem espaços por preencher. Sabia, pela travessia dos seus jardins que florescem flores sem nome e onde há ópera sem temporada, que a Primavera é um estado da alma que sente saudades. Uma alma em estado de saudade é um jardim com fauna e flora abundantes. Pascoaes também o sabia, a Suadades também e, com os seus jardins escritos, foi conseguindo distrair-me do tédio e do abandono dos dias infelizes. Quero acreditar numa ideia de eternidade próxima da neve no cimo das montanhas e tenho saudades de reler "Para Sempre" e andar em torno daquela montanha e do Amor. Nas suas planícies reencontro-me, ainda acredito que nas montanhas posso ressuscitar.
ResponderEliminarCara Saudades,
ResponderEliminar(Cheguei a juntar as rosas num ramo, mas juntas as Rosas entardecem e para mim não há Entardecer que não seja Deserto. No Deserto rosa-se e escuta-se. Chegam-me versos do Calbi Arabi, os ventos mudam-lhe os tons mas não o lugar d’Amor)
Neste entardecer apenas escuto o que tu escutas e imortalizas de Beleza, que és tu no Tempo de Saudade.
Muito grata.
Sabia, também eu, que a ópera ou o canto das rosas são a leitura que Isabel, na pedra que lá está para ver paisagens, gosta de ouvir quando a tarde se curva e nós com ela. Ou, acordada na torre, quando o vento é mais brando e a alma se espalha pelo jardim como um perfume de presença inaudível às vezes sopra, Isabel, palavras em sons que o jardim não estranha.
ResponderEliminarSeja aí, onde mais se vê e mais se cala, que a nossa funda amizade dê flor de “saurir” de Primavera. Ser na planície já é ganhar toda a largura do céu em horizontes amplos. É fácil ver a silhueta e a sua aura ao entardecer. Na montanha é onde o ar e a sua escrita se purificam e a ressuscitam, como bem diz.
Grata por estar aqui, onde deve estar quem tem alma tão grande e visão tão funda e sensível.
Um abraço e um toque na pena que aqui deixou, para um trabalho tão subtil e rigoroso. Lá irei de novo, de dia.
Durma bem, Iabel.
Cara Luíza,
ResponderEliminarGrata pela leitura das rosas, as do deserto, sobretudo para a Luíza, a de muito silêncio na voz.
Estes, de Ibn Sara
Sao as laranjas brasas que mostram sobre os ramos
as suas cores vivas
ou rostos que assomam
entre as verdes cortinas dos palanquins?
São os ramos que se balouçam ou forma
delicadas
por cujo amor sofro o que sofro?
Vejo a laranjeira que nos mostra deus frutos: parecem lágrimas coloridas de vermelho
pelas tormentas do amor.
(...)
Para o deserto, iremos, para o deserto!
Um abraço de amizade.
Uma bela e melancólica tarde de primavera com o deus a cansar-se em nós e, "nós perdidos, dentro do abismal universo a ser partículas, fragmentos de uma existência que em pensamento e criação, resolve mais uma das suas equações das rosas, só para a tarde não doer tanto."
ResponderEliminarBelíssimo!
que maravilha!!!
ResponderEliminar"E nós, humanos, actores esquecidos por um deus cansado, nós perdidos, dentro do abismal universo a ser partículas, fragmentos de uma existência que em pensamento e criação, resolve mais uma das suas equações das rosas, só para a tarde não doer tanto."
deleito-me nesta re-leitura...e agradeço a divina partilha! :)
um bj de pétala de rosa
bem, não me leve a mal mas esse excerto é de uma profundidade e encanto poético q me causam inveja...rs
ResponderEliminarÉ muito belo o que escreve, mas, despertando da perigosa sedução da beleza, surge-me a questão: não é também pela criação que há morte e não é a saudade de ter saudade, em vez de a matar, o que alimenta Uroboros, o círculo vicioso da vida mortal?
ResponderEliminarPaulo, se estivessemos desde sempre despertos, como saberíamos que estavamos despertos? Reminiscências e fulgurações, o que nisso somos nascer, intermitências de alma ou tão só o desejo de eternidade que a todos impele a libertarmo-nos de querer ser livres, sendo-o na busca de o ser. Eterna busca...
ResponderEliminarO resto, é uroboros e saudade, sim, a divina via. A via que libertando-nos nos aprisiona ao tempo de noval renascimento e morte. Somos prisão consciente, desejo de nada.
Ainda não somos deuses, ainda não somos buda... se o fossemos não o saberíamos, ou não seria Ele.
Santos,loucos e poetas. Aí gosto de me perder...
A nossa eternidade é desejo de transcensão. Pode ela tomar os caminhos que queira ou possa, o caminho é sempre sem via e quem vê emudece e cega quem ouve. Porque emudece, pode ser a resposta que a isso a Saudade dê. Somos divinos e morremos antes de nascer. Há nisso antiguidade, gnose...
Como viver o tempo, a realidade, o espaço como se não houvesse corpo, sem ser com a experiência do corpo e dos sentidos?! Da forma fazer uso. Para viver o silêncio, a castidade, a ausência, teremos que nos saber o seu inverso e reverso e o mesmo anverso disso.
Só existe uma via e um caminho e é no encontro em nós de uma fonte, ou de um jardim ou de um fundo e pleno oceano, não imóvel ou se imóvel em ondas será a sua imobilidade. Peca aos sentidos quem a si mesmo se castra para se sentir puro. A pureza é dos tolos...
Quem é saudoso não abandona o humano, pois só no mundo há Saudade.
Um forte abraço e grata pelo comentário
Cara Saudades, não podia estar mais em desacordo com quase tudo o que diz, o que não me apraz nem desapraz, pois a busca da verdade não tem de agradar ou não e com afectos humanos não se condiciona.
ResponderEliminarDespertar é saber, sim, que se desperta e se está desperto, livre de ignorância, pois de outro modo que despertar seria? Saber é sabor de experiência feito, não conhecimento conceptual. Muito prejudicial me parece esse comum preconceito de que a plenitude se não sabe.
Não ver que já, e desde sempre, somos isso mesmo que procuramos é de facto "eterna busca", ou seja, eterna errância, Uroboros e tudo o mais que diz, saudade que ignora a saúde e a soledade (integridade, não solidão) que em si há e que só obscuramente pressente e persegue, ilusoriamente o perdendo nesse mesmo persegui-lo. Só "divina via" porque toda a via divina é implicitamente diabólica, porque todo o deus ou anjo que se não livra de o ser é um diabo ou demónio camuflado. Muitas vezes camuflado de beleza, amor-apego e poesia, venenosas seduções dos espíritos incautos. Bem o disse Pascoaes: "Poetas, cúmplices de Deus no crime da criação".
Quem fala em abandonar corpo e sentidos? Mas sabemos porventura o que realmente é em nós Corpo e Sentido, reconhecemos e fruímos o incriado, luminoso e pujante fundo da carne? De que corpo e sentidos falamos? Dos que morrem ou dos transfigurados e In/Ressurrectos!?
Quem é saudoso de o não ser, pois nele Uroboros se empluma e desperta de o ser, não abandona o humano pois descobre que nunca é ou foi humano ou divino, isto ou aquilo. Esse mata a saudade, devolvendo-a à sua meta-mundana procedência. Pois a Saudade, coisa tão benéfica e maléfica, não podia ser humana nem do mundo. Como disse ainda Pascoaes: "O homem, o próprio mundo passará, / Mas a Saudade é irmã da eternidade!".
Há que extirpá-la daí. Exilar o Deus-Demónio do incriado que somos. Despertar Despertos.
Um Abraço amigo
Caríssimo Paulo,
ResponderEliminarSó para ouvi-lo e lê-lo neste comentário, bem foi feito em pelo inverso de si consigo me encontrar. Não é cada coisa o seu avesso?
Um abraço firme de Saudades
Paulo,
ResponderEliminarMas a "Saudade é irmã da eternidade", como sabemos, e o já repetimos imensíssimas vezes... Contudo só o homem cria as Saudades em dois sentidos as cria: como memória de um antes da cisão que o homem é, consciente do tempo e da sua finitude e de tudo o que nos aprisiona e em anamnese de um futuro que em esperança de uma experiência primordial se manifesta em "ex-tase e "ên-stase. É a Saudade já regresso.
Palavras suas: "a serpente a devorar-se pela cauda, não para eternamente renascer, mas para se consumir e libertar na plenitude da vacuidade que intimamente é.
(...)A Saudade inconsciente do que é e dessa inconsciência é a mais poderosa força escravizadora que há no universo"...
Conheço. Assmida e consciente seria o seu inverso. Também é dito: "A Saudade é a saúde a libertar-se da doença e da cura".
Em não ser e em jamais ter sido o saúdo, Paulo.
Saudades, agora já concordo mais consigo, excepto em que só o homem cria Saudades. Na verdade, na leitura que faço de Pascoaes a Saudade é o dilaceramento interno do absoluto ou o satanismo divino que origina o mundo e se propaga na inquieta e autopoética criatividade das almas... Um pouco como a Sehnsucht no ensaio de Schelling sobre a liberdade humana, de 1809.
ResponderEliminarO que penso é que esse inumano drama da Saudade nos possui, para todo o bem e todo o mal. Por isso na Saudade só aspiro à sua morte no in-stante, sem passado nem futuro.
"A essência das coisas é tristeza, uma desilusão em que transcurece o fantasma do Criador, ou ele falecido na sua obra. E o poeta não jaz, em cada verso dos seus poemas, como dentro dum esquife ? Tocamos o sentido das lacrimae rerum (...)" - "Santo Agostinho", p.55.
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