quinta-feira, 19 de março de 2009

Contemplação



Contemplação

Vejo passar o tempo, o rio calmo
Onde se afoga o desespero humano;
Imagino-lhe a foz, no trágico oceano
Da morte;
E a nenhum Sul ou Norte
Consciente
Consigo vislumbrar-lhe a lírica nascente.

Já caudaloso em cada latitude,
Em vão procuro a fonte
Que lhe dê começo:
A madrugada duma telha de água,
Hesitante
Antes do grande dia
Que toda a madrugada principia.

Ganges sagrado do desassossego,
Vem dos confins do nada
Em direcção ao grande mar vazio...
E à tona da barrenta omnipotência
Leva a cega inocência
Naufragada
De cada vida nele purificada.


Miguel Torga, Câmara Ardente.

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