terça-feira, 31 de março de 2009

Agostinho da Silva: por novos "frades-políticos"

Demasiado se tem sacrificado, seja por “interesses”, “impulsos” ou pelo referido “peso das fatalidades”, ao ingresso num “grupo” contra outro, ao alistamento nessa política sectária ou “de cabila” que predomina planetariamente. É a hora de enveredar por um “caminho inteiramente diferente”, menos teórico do que activo e prático. Mas isso exige – proposta que Agostinho manterá e acentuará até ao final da vida – que surja um novo tipo humano, por uma profunda transformação do homem actual. A exemplo dos monges-guerreiros medievais, é necessário que surjam “frades políticos”, ou seja, “homens que, imolando tudo o que lhes é estritamente pessoal nas aras do geral, não queriam [queiram ?] terras separadas do céu, nem céus separados da terra, mas sempre e sempre e sempre os dois unidos no mesmo esplendor de fraternidade, de paz e de bem-aventurança”. O que só “se fará fazendo”, não “falando ou escrevendo ou pensando”. Para o que aponta vias concretas: “não-intervenção absoluta na política de grupos”, “escolha, para governantes, de homens e não de legendas”; “atenção aos problemas locais e imediatos e não só aos planetários e futuros”.
A “base de tudo”, porém, terá de ser a interiorização do combate, já não movido a qualquer adversário exterior, mas ao que em si menos vale, a luta que visa não a conquista do poder, mas a “conquista e domínio de si mesmo”, pela via única que “têm apontado a experiência e os séculos: o caminho da ascese mais rigorosa e absoluta, da oração contínua e do amor dos homens em Deus e por Deus”. É a acção interior, mais difícil e exigente, que torna verdadeira e benéfica a intervenção exterior.

- Excerto da minha comunicação, "Política e Espiritualidade em Agostinho da Silva", a apresentar no Colóquio do dia 3 de Abril, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Para quem a palavra "Deus" seja de menos ou demasiado, como para mim, pode substituir por "ausência de sujeito e objecto". "Oração contínua" também se pode substituir por absorção contínua nessa mesma ausência. Os budistas podem chamar-lhe vacuidade, desde que não se apeguem a esse conceito, mera bola de sabão, como todos os demais.

13 comentários:

  1. O que falta no mundo é espírito monástico, ou seja, espírito de unidade, com renúncia não ao mundo, mas ao egoísmo, fruto da separação fictícia entre eu e mundo.

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  2. E vocês acham que a decadência geral do mundo ainda vai dar para ser invertida? Não nos espera a catástrofe, fatalmente? Não é nela que já vivemos?

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  3. Catastrófico não será considerar que tudo está irremediavelmente perdido?

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  4. Ver que nada há a perder nem ganhar é o que há a perder ou ganhar. Monge-guerreiro é o que não espera nem desespera. Sem eu nem mundo, sem pensar nem agir é e a tudo beneficia.

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  5. O que fazes para tentar seguir esse ideal na tua vida e nos teus actos, Paulo?

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  6. Capuchinho Vermelho1 de abril de 2009 às 03:08

    Tudo bem, o que fazer então para formar estes “frades-políticos”? Clonar o Nun’Alvares e criar uma versão Neo-templária da “École Nationale de Administration” ou do Colégio da Europa? Já basta o circo que a corja do Vaticano quer armar à custa dele…
    Restringir o acesso aos cargos politicos a uma casta de iluminados de algum grupo iniciático ou religioso?

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  7. Já andam aqui a fazer muitas perguntinhas … Cuidado que a coisa pode degenerar num debate a sério … Que é feito do meu amigalhaço Lapdrey?

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  8. Querem então politicos que não pensem nem ajam? Para isso já basta os que temos!

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  9. ah,ah..
    menos teórico do que activo e prático?
    era um deus apagado e não percebi.

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  10. lapdrey, aparece se és homem.

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  11. Quem não pensa nem age, movido por conceitos e emoções, pensa e age plenamente. É paradoxal, como tudo o que é verdadeiro.

    Isto não é um ideal a seguir. Mal de quem o tem, porque o não é.

    Os monges-guerreiros formam-se e formam, não são formados. Ocupam o centro do mundo e tudo em sua volta gira, sem dar por isso. Riem-se, silenciosos e sérios, dos cargos políticos.

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  12. Unir terra e céu a maior aspiração do homem. O combate do "guerreiro-frade" não é outro que o combate em si mesmo do que vencido é como se não o fora e perdido está também ganho. As divisão são indivisas.

    Um abraço

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  13. Isto disse-o, de outro modo, Platão. Os males da humanidade só terminarão quando os reis forem filósofos e os filósofos reis. Mas Agostinho acrescenta: quando todos forem filósofos-reis, não dos outros, mas de si próprios.

    O estado em que está o mundo é o resultado de não sermos nem filósofos nem reis de nós mesmos e, por isso, sermos governados por imbecis, iguais a nós.

    Temos o que merecemos e para o qual temos trabalhado a vida inteira.

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