Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
domingo, 1 de fevereiro de 2009
"Nada há debaixo do meu manto a não ser Deus" - Al-Hallaj
Al-Hallaj permaneceu impassível quando lhe amputaram as mãos. Não deu mostras de dor quando a multidão lhe lançou pedras que lhe abriram grandes feridas. Um dos seus amigos, um mestre sufi, bateu-lhe com uma flor. Mansur gritou como se o estivessem torturando. Procedeu assim para mostrar que nada do que fizerem quem cria fazer o bem podia dana-lo. Mas o ligeiro "toque" de alguém que sabia, como ele, que era injustamente acusado e condenado, era mais doloroso que qualquer tortura. Mansur e os seus companheiros sufi, ainda que foram impotentes perante a tirania, são recordados por essa lição, enquanto quem o torturara pertence ao esquecimento. Enquanto agonizava, Mansur disse: "A gente deste mundo trata de fazer o bem. Eu recomendo-lhes que busquem algo cuja parte mais ínfima tem mais valor que toda bondade: o conhecimento do que é a verdade, quer dizer, a ciência verdadeira". O caminho do sufi, Idries Shah.
As palavras proferidas por Mansur foram Ana al Haqq (Eu sou Deus ou mais literalmente: eu sou a verdade). Muitos sufis arriscaram a sua vida por defender que essas palavras eram na boca de Mansur humildade e veracidade, pois não era "Mansur" quem falava. Quando o tentaram convencer de que as suas palavras não eram correctas, Mansur disse:
- Pode que seja como dizes, mas se eu me retractasse agora, os meus actos cairiam fora do tapete do comportamento justo (literalmente da Futuwah, comportamento cavalheiresco).
Os vículos de Mansur e Jesus (Isa) são óbvios. Isto é a razão de que muitos sufis tenham sido considerados cristões encobertos.
Olho atentamente a imagem. Reconheço um pássaro não sei se dentro ou fora do manto. Mas não posso deixar de perguntar-me: que haverá debaixo do meu manto? Por que é que certas palavras nos conseguem despir ou vestir de nudez? Há almas que declaram e nos aclaram, outras hesitam e obscurecem(-nos). Hoje, ao atentar na imagem, não posso deixar de pensar que deve haver uma relação entre a luz e a nudez da alma, a luz e a nudez das paisagens. Mas qual, que a não vejo?!
Isabel, o martírio de Mansur não é o mais inspirador em certos momentos. A experiência dele liga-se à cor preta, ao negro luminoso. "Na escuridão o caminho". O negro é a cor atribuída também ao centro subtil chamado de "Jesus do meu ser" (a "latifa" profundamente oculta)ligado à profunda intuição. De maneira que não andas tão desencaminhada! Não digo isto para te consolar de qualquer cousa (não deixa de ser um jogo) porque espero não cair em tamanha arrogância. Envio-te a minha admiração e respeito, se isso for possível.As tuas palavras sempre são claras e obscuras mas transparentes
Mas consolas! Hoje as palavras e os diálogos breves consolam. Quanto mais as belas narrativas que contigo aprendo! Vou precisar sempre que me contem narrativas! Um sorriso muito amigo e grato por tudo o que suavemente ensinas.
A imagem é bem narrativa...estava à tua espera e da Saudades que à narrativa acresce logo,, e de um golpe brilhante, a poesia. O Paulo conhece bem os colaboradores do blog. Ainda bem! Só me deslumbro com isso.
A propósito do nascimento de grandes Mestres, da "execução de Deus" e de "Deus executando-se a si mesmo", lembrei-me do discurso de Krishna a Arjuna, no Bhagavad-Gita, sobre o conhecimento (jñana) de Atma e o papel do sacrifício:
"Sou Atma imutável, não nascido, sou o Senhor de todos os seres vivos; mas, Eu renasço, sim, cá neste mundo, por Minha Maya e por Minha Prákriti."
"Porque sempre que o Dharma desfalece, seguido da desordem, ó Grão Filho de Bhárata, então, Eu volto a emergir de Mim próprio no coração dum ser humano."
"Pra protecção dos bons e homens santos, e pra acabar de vez co'os criminosos, e no objectivo de firmar o Dharma, d'yuga em yuga, Eu manifesto-me."
"Aquele que vê, na inacção, acção e, na acção, só vê a inacção, esse é um sábio entre os homens: integrado, em Yôga, pratica todos os seus actos."
"Aquele cujas empresas estão libertas de desejo e de tenção, e cuja acção é queimada plo fogo deste conhecimento, tal homem, entre os sábios, é baptizado mestre."
"Livre d'apegos, em total libertação, tendo, no conhecimento (jñana), a consciência absorvida, agindo só por sacrifício, os seus actos dissolvem-se por completo sem deixar vestígios."
"A oferenda é Brahma; a oblação é Brahma lançada ao fogo, que é Brahma, por Brahma. Só consegue atingir Brahma, quem vê, n'acção do sacrifício, unicamente Brahma."
"Desta maneira há inúmeros sacrifícios of'recidos à boca de Brahma; e tais sacrifícios provêm todos da acção. Depois de saberes isto, então, estarás liberto."
"Melhor que o sacrifício dos haveres terrenos é este o sacrifício: o do Meu conhecimento (jñana), ó Filho de Prithá; qualquer acção que seja, ó Arjuna, nele está inteiramente implícita!"
Também não posso deixar de notar o paralelismo existente entre o renascimento cíclico de Vishnu como forma de firmar o Dharma e o fundamento da monarquia Egípcia, em que o Faraó é concebido como a própria encarnação de Horus, cuja função é a de firmar a Lei de Maat, em constante equilíbrio de forças com o poder caótico de Seth.
"Como Jesus, para revelar o espírito do todo.../ Eu disse: Eu sou a verdade (ana'l Haqq), a essência do Todo.../ Como Jesus, portador do Evangelho de amor,/ Eu realizei, sobre o patíbulo, o mais alto amor".
Quem me dera à Hora da Grande Verdade, poder dizer o mesmo!
ResponderEliminarGrata por lembrares este mestre. Aqui transcrevo palavras suas:
"Ó Todo do Meu Todo"
Eis-me aqui, eis-me aqui, ó meu segredo, ó minha confidência!
Eis-me aqui, eis-me aqui, ó meu fim, ó meu sentido! Chamo-te.., não! És Tu quem me chamas para Ti!
Como Te haveria falado, a Ti, se Tu não me houvesses falado a mim?
Ó essência da essência da minha existência, ó termo do meu desígnio!
Tu que me fazes falar, ó Tu, minhas enunciações, Tu meus pestanejares!
Ó Todo de meu Todo, ó meu ouvido, ó minha visão,
Ó minha totalidade, minha composição e minhas partes!
Ó Todo de meu Todo, Todo de toda coisa, enigma equívoco; obscureço o todo do Teu todo ao querer Te expressar!
Ó Tu, de quem meu espírito estava suspenso, já ao morrer de êxtase, ah! Continua sendo sua
prenda minha desdita...
O supremo objeto que eu solicito e espero, ó meu hóspede,
Ó alento de meu espírito, ó minha vida neste mundo e no outro!
Seja meu coração Teu resgate! Ó meu ouvido, ó minha visão.
Por que tanta demora, em meu retiro, tão distante?
Ah! Ainda que para meus olhos Te escondes no invisível, meu coração já Te contempla, desde meu afastamento, sim, desde o meu exílio.
Um abraço, Paulo.
Maravilhoso in-stante de libertante paroxismo extreme: entre a sempre nunca Presença e a nunca sempre Ausência!
ResponderEliminarGrato, Paulo!
A FLOR E A PEDRA
ResponderEliminarAl-Hallaj permaneceu impassível quando lhe amputaram as mãos. Não deu mostras de dor quando a multidão lhe lançou pedras que lhe abriram grandes feridas.
Um dos seus amigos, um mestre sufi, bateu-lhe com uma flor. Mansur gritou como se o estivessem torturando.
Procedeu assim para mostrar que nada do que fizerem quem cria fazer o bem podia dana-lo. Mas o ligeiro "toque" de alguém que sabia, como ele, que era injustamente acusado e condenado, era mais doloroso que qualquer tortura.
Mansur e os seus companheiros sufi, ainda que foram impotentes perante a tirania, são recordados por essa lição, enquanto quem o torturara pertence ao esquecimento.
Enquanto agonizava, Mansur disse: "A gente deste mundo trata de fazer o bem. Eu recomendo-lhes que busquem algo cuja parte mais ínfima tem mais valor que toda bondade: o conhecimento do que é a verdade, quer dizer, a ciência verdadeira". O caminho do sufi, Idries Shah.
As palavras proferidas por Mansur foram Ana al Haqq (Eu sou Deus ou mais literalmente: eu sou a verdade).
Muitos sufis arriscaram a sua vida por defender que essas palavras eram na boca de Mansur humildade e veracidade, pois não era "Mansur" quem falava.
Quando o tentaram convencer de que as suas palavras não eram correctas, Mansur disse:
- Pode que seja como dizes, mas se eu me retractasse agora, os meus actos cairiam fora do tapete do comportamento justo (literalmente da Futuwah, comportamento cavalheiresco).
Os vículos de Mansur e Jesus (Isa) são óbvios. Isto é a razão de que muitos sufis tenham sido considerados cristões encobertos.
Um forte abraço, Paulo.
Olho atentamente a imagem. Reconheço um pássaro não sei se dentro ou fora do manto. Mas não posso deixar de perguntar-me: que haverá debaixo do meu manto? Por que é que certas palavras nos conseguem despir ou vestir de nudez? Há almas que declaram e nos aclaram, outras hesitam e obscurecem(-nos). Hoje, ao atentar na imagem, não posso deixar de pensar que deve haver uma relação entre a luz e a nudez da alma, a luz e a nudez das paisagens. Mas qual, que a não vejo?!
ResponderEliminarA minha obscuridade que assim se vê...
Isabel,
ResponderEliminaro martírio de Mansur não é o mais inspirador em certos momentos. A experiência dele liga-se à cor preta, ao negro luminoso. "Na escuridão o caminho". O negro é a cor atribuída também ao centro subtil chamado de "Jesus do meu ser" (a "latifa" profundamente oculta)ligado à profunda intuição. De maneira que não andas tão desencaminhada!
Não digo isto para te consolar de qualquer cousa (não deixa de ser um jogo) porque espero não cair em tamanha arrogância. Envio-te a minha admiração e respeito, se isso for possível.As tuas palavras sempre são claras e obscuras mas transparentes
Mas consolas! Hoje as palavras e os diálogos breves consolam. Quanto mais as belas narrativas que contigo aprendo! Vou precisar sempre que me contem narrativas! Um sorriso muito amigo e grato por tudo o que suavemente ensinas.
ResponderEliminarA imagem é bem narrativa...estava à tua espera e da Saudades que à narrativa acresce logo,, e de um golpe brilhante, a poesia. O Paulo conhece bem os colaboradores do blog. Ainda bem! Só me deslumbro com isso.
a execução de Deus...
ResponderEliminarDeus executando-se a si mesmo
ResponderEliminarA propósito do nascimento de grandes Mestres, da "execução de Deus" e de "Deus executando-se a si mesmo", lembrei-me do discurso de Krishna a Arjuna, no Bhagavad-Gita, sobre o conhecimento (jñana) de Atma e o papel do sacrifício:
ResponderEliminar"Sou Atma imutável, não nascido,
sou o Senhor de todos os seres vivos;
mas, Eu renasço, sim, cá neste mundo,
por Minha Maya e por Minha Prákriti."
"Porque sempre que o Dharma desfalece,
seguido da desordem, ó Grão Filho de Bhárata,
então, Eu volto a emergir de Mim
próprio no coração dum ser humano."
"Pra protecção dos bons e homens santos,
e pra acabar de vez co'os criminosos,
e no objectivo de firmar o Dharma,
d'yuga em yuga, Eu manifesto-me."
"Aquele que vê, na inacção, acção
e, na acção, só vê a inacção,
esse é um sábio entre os homens:
integrado, em Yôga, pratica todos os seus actos."
"Aquele cujas empresas estão libertas de desejo e de tenção, e cuja acção
é queimada plo fogo deste conhecimento,
tal homem, entre os sábios, é baptizado mestre."
"Livre d'apegos, em total libertação,
tendo, no conhecimento (jñana), a consciência absorvida,
agindo só por sacrifício, os seus actos dissolvem-se por completo sem deixar vestígios."
"A oferenda é Brahma; a oblação é Brahma lançada ao fogo, que é Brahma, por Brahma.
Só consegue atingir Brahma, quem vê, n'acção do sacrifício, unicamente Brahma."
"Desta maneira há inúmeros sacrifícios of'recidos à boca de Brahma;
e tais sacrifícios provêm todos da acção.
Depois de saberes isto, então, estarás liberto."
"Melhor que o sacrifício dos haveres terrenos é este o sacrifício: o do Meu conhecimento (jñana), ó Filho de Prithá;
qualquer acção que seja, ó Arjuna, nele está inteiramente implícita!"
Também não posso deixar de notar o paralelismo existente entre o renascimento cíclico de Vishnu como forma de firmar o Dharma e o fundamento da monarquia Egípcia, em que o Faraó é concebido como a própria encarnação de Horus, cuja função é a de firmar a Lei de Maat, em constante equilíbrio de forças com o poder caótico de Seth.
Vyasa, Bhagavad-Gita, Relógio d'Agua (tradu. António Baraona), Cap.IV, passim, pp.79-89.
ResponderEliminarParalelismo que se estende, naturalmente, à cultura tibetana e à figura do Dalai Lama...
ResponderEliminar"Como Jesus, para revelar o espírito do todo.../
ResponderEliminarEu disse: Eu sou a verdade (ana'l Haqq), a essência do Todo.../
Como Jesus, portador do Evangelho de amor,/
Eu realizei, sobre o patíbulo, o mais alto amor".