A propósito de anonimato e da assinatura como Anónimo no universo dos blogues, reputo de lucidamente incisivo o texto de Abel Barros Teixeira, que aqui cito, com indicação da respectiva fonte.
"Anóninos Anónimos",
por Abel Barros Baptista
"Há dias calhou que eu deixasse na «caixa de comentários» dum blogue umas frases destratando o respectivo autor. Assinei «anónimo». O sujeito abespinhou-se, e uma das coisas que logo lhe saiu foi a acusação de cobardia: que se eu fosse homem, hein? e valente, hein? não me escondia no anonimato. Estive a pique de retrucar que, fosse eu homem, e valente, hein! estaria no mar, a enfrentar a natureza a bordo dum veleiro frágil, em vez de ler blogues, demais o dele, que não presta para nada. Mas o assunto esgotara-se, ou melhor, esgotara-se o prazer, o da malandrice, que deve ser acarinhado sem apelo à temperança.
Depressa percebi que os anónimos, maltratados há muito tempo, ganhavam em constituir um grupo de auto-ajuda. Os blogues com caixas de comentários, creio eu que só asseguram a possibilidade do anonimato para os agredirem com o argumento fácil da acusação de cobardia. Fácil porque é verosímil a suposição de que o anonimato esconde. Acontece que um comentário assinado «Anónimo» mostra mais do que esconde. Por exemplo: mostra que o comentador não quer que saibam quem escreveu aquilo; ou, por pudor, não quer que saibam que lê aquele blogue; ou ainda que renuncia a assinar o comentário. São coisas distintas, e alinho-as na ordem crescente de dignidade. Quem renuncia a assinar, é indisputável que o pode fazer por generosidade, no caso em que não reivindica vantagens de uma frase particularmente inteligente ou lúcida; ou por sentido crítico, tendo compreendido que a pertinência do que escreve não se decide pela presença do nome; ou ainda por sentido autocrítico, no caso em que sabe que nada do que escreveu é lúcido, ou elegante, ou sequer necessário. Porque escreveu, então? Decerto para satisfazer alguma inclinação, que devemos aceitar, ainda quando perversa, ou algum impulso, que devemos abster-nos de condenar: não se negue nem reprima o prazer proveniente do escárnio.
Pergunto-me, de resto, se o mal do anonimato não estará antes em certo vício dos que se assinam em ordem e exuberantemente. Há pessoas convencidas de que a aleivosia dita em voz alta — «com toda a frontalidade»… — ganha só por isso certo mérito. Daí ao passo seguinte, o sofisma: a aleivosia assinada teria mais mérito do que a anónima, que não teria nenhum. Escapa-me a razão. Mas o problema não é moral. Reparem: um sujeito faz imprimir em papel um artigo ou ainda um livro inteiro e arrisca-se a que, à mesma hora, outro sujeito lhe chame imbecil em Braga enquanto um terceiro, em Lagoa, lhe decora as frases em estado de adoração. Quem vai saber de um e outro? Anónimos, indeterminados, dizem o que lhes apetece, para si próprios ou para quem estiver a ouvi-los: chama-se a isso crítica doméstica. Os comentários no blogue quase trazem para dentro de casa a crítica doméstica, como que impelidos pela etimologia. A coisa roça a promiscuidade, e daí que o anónimo em parte atenue mas sobretudo represente a indeterminação: já é bom saber que alguém leu; melhor ainda que deixou rasto; mas o anonimato mostra, evidencia, testemunha – tudo em vez de encobrir – a indeterminação dos sujeitos da crítica doméstica. Situação análoga, para os escritores juramentados, seria ouvirem vozes sem verem os corpos que as proferem: «idiota», «cretino», «despautério», mas também «magnífico», «hilariante», etc. Bela cena, hein?
O anonimato é útil; mais: é desejável; aliás, é inevitável. Princípio regulador, testa os mais capazes pela exposição a juízos gratuitos, afirmações infundadas, sarcasmos ofensivos, e por aí fora. Uns clamam por discussão séria… A desfortuna é que há ocasiões apenas adequadas a lembrar a precariedade do que se diz, a vaidade inerente à publicação, o esquecimento ali à espreita, ocasiões como que causadas por alguma força superior, força anónima, justamente. Sempre que alguém barafustar que o anonimato não vai com a discussão séria, decidamos logo que é tolo ou puritano, e apenas ao segundo valeria explicar que há outras coisas na escrita ou na dita blogosfera além da discussão séria. Mas não se espere do puritano que sequer perceba que essa perturbação da fronteira entre a crítica impressa e a doméstica, afinal aquilo que lhe permite exprimir-se livre e imediatamente, dá aos outros, os indeterminados, a possibilidade e o prazer, logo, a legitimidade de o considerar irrisório e de lhe bater à porta para lhe dizer isso mesmo.”
Fonte: http://ler.blogs.sapo.pt/250626.html
Postado em: Sexta-feira, 9 de Janeiro de 2009
Crónica publicada na LER nº75.
Tu bem sabes fazer política, heim?
ResponderEliminarQuem? Eu? Onde?
ResponderEliminarNão, meu caro!
Se se entender a política no (seu pior) sentido, de doseamento da verdade manifesta, com determinado - mas não totalmente manifesto - propósito de exercício de (algum ou alguma forma de) poder: não, não sou político, de todo, nem quero, como é mais que óbvio.
Se a entendermos, pelo contrário, no sentido grego do termo, como intervenção na pólis, na cidade dos homens, junto dos homens da cidade - como expressão da responsabilidade de ser, de ser algo, de ser para ser algo, e de estar, de alguma maneira estar e querer estar: sê-lo-ei, porventura, de algum pequeno e não facilmente determinável modo.
Impõe-se, entretanto, creio, que todos o sejamos, face à realidade mais do que incerta do mundo que temos, ou não temos.
Mas sempre aproveito para dizer: a liberdade é coisa que, ou é total e absoluta (tanto quanto algo de humano pode sê-lo), ou é mera servidão que assobia para o ar e vende sucessivos pedaços de si.
Abraço blóguico.
Viva a Liberdade!
Viva viver!
"Que falem mal de mim, mas falem!"
ResponderEliminarMário viegas
(se bem que poderia ser uma frase muito nossa, visto nada ter de original)
Será esta uma das conclusões a retirar? - "Que falem mal de mim, mas falem"?
É pior do que isso, penso eu, caro Virgilio, a indiferença anónima, ou o anonimato indiferente da massa humana que se movimenta pastosamente todos os dias no ritual e rotina, sem nome, do seu quotidiano tão pouco carregado de sentido, ou dum sentido que não seja a mera sobrevivência.
ResponderEliminarBem básica razão e, no fim de contas, bem animal:
ser humano é precisamente (querer) transcender isso!
Neste aspecto, o Mário Viegas tinha razão.
No fundo o "falar mal" é, apesar de tudo, falar.
Mas um "silêncio" que é apenas uma renúncia incolor ao falar (até consigo mesmo), um "descomunicar" propositado e dir-se-ia aceite como inevitável de assim ser, isso é perfeitamente diabólico: torna-nos "ínferos" a nós mesmos - ausenta-nos de nós próprios, tanto quanto queiramos ausentar-nos dos outros.
É uma espécie de ricochete ou de efeito boomerang do real.
Também sou da opinião que "há outras coisas na escrita ou na dita blogosfera além da discussão séria". Creio que é qualquer coisa… metafísica! (eheheh…)
ResponderEliminarSe eu tivesse um blogue, preferia que falassem mal, do que ter um deserto nos comentários. Mas há para aí blogues onde aparentemente nada se passa nos comentários, ano após e ano sem uma única palavra, apenas olhares ocultos, mas ainda assim muito válidos. Digo-te mais: Há pessoas que eu francamente aprecio e não gosto de comentar, embora não se trate propriamente de uma "renúncia incolor ao falar". Mas creio que percebo este teu último esclarecimento.
Viva a liberdade! E a indeterminação…
Tua sempre amiga,
Anónimo
P.S Um destes dias, conto-te a história de uma amiga minha que ficou grávida de um anónimo!Imagina o drama daquela criança na sociedade, se nascer indeterminado!
Permitam-me assinalar duas coisas, a propósito deste post.Em primeiro lugar, nunca me incomodaram muito os anónimos, ou quem escreve e assina Anónimo. Sempre me incomodou escrever num blog, pois achava que cada comentário, assinado ou não assinado, era assim como quem leva um estalo e não sabe de onde lhe vem. Depois, quando julgamos conhecer as pessoas por trás das máscaras e dos nomes, sentimo-nos de algum modo pertença a algo perfeitamente identificado (o que um blog deve ter o cuidado de indicar, para que não haja muitos enganos). Quando se escreve num blog, ou mesmo quando se fala com um conhecido, é bom saber quem temos diante de nós, para saber se o havemos de ter dentro ou fora de nós, respeitando as suas liberdades do mesmo modo. Se assim fizermos nos blogs como na vida... já não é mau.
ResponderEliminarO que me incomoda é a maldade, a astúcia vil, a intolerância, a arrogância e ofensa gratuita. É tudo uma questão de respeito e educação. E depois existem os contextos. Há contextos em que o dizer uma piada, "maluquear", rir, soltar-se e soltar, virar do avesso... me parecem processos deliciosos de assim se unir um são convívio com discussão de ideias, se as houver.
A minha própria susceptibilidade, que aqui tenho mostrado tantas vezes, não é tanto ao que se diz, por a quem se dirige, mas por aquele que o diz (mesmo anonimamente) mais por si mesmo, do que por o a quem o diz. Anónimos divertidos e inteligentes são o ideal, se houvesse disso.
Em segundo lugar e não menos importante é que, sem perceber nada de blogs, criei um que não é um blog. É uma espécie de "armazém de memória" duma persona que se calhar nem sou eu, onde guardo o que quero que se não me esqueça. Digo-o para o blog, e fica gravado.Simples. A mim resolve-me o problema da desarrumação de papéis.
Quando porém desse "armazém" se aproxima alguém, trato de o receber entre textos e imagens. Assim, os textos, para além de preservados, passam a ser dialogados. O pouco que lá está de comentários é o muito que se me aproveita.
Esta é a história do meu blog, continuando sem saber exactamente do que se trata, ou se trata nele.
P.S.Finalmente, também relato que, ainda hoje me rio com isso,uma amiga de uma amiga minha abortou do que leu em certo blog, não se sabendo quem era o pai dele o indeterminado terminou-se assim, anónimo.
Desculpa, Paulo, estar a falr em meu nome em tua casa.
Um abraço a todos:)
Ora bem!
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