"Porque caiu Don Juan na luxúria desesperada? Porque procurava o amor, isto é, a superação do tempo. Porque cai a mente leitora na luxúria da biblioteca? Porque procura o conhecimento, isto é, a superação do tempo. Porque escrevemos? Porque procuramos o silêncio do não precisar escrever mais, isto é, a superação do tempo. É absurdo o que estamos fazendo, Don Juan, leitor e escritor, e é preciso admiti-lo. Mas é um absurdo curioso esse absurdo que estamos fazendo. O mundo dos sentidos, o mundo fenomenal, é absurdo, porque carece de significado. Mas dentro dessa absurdidade todos os atos diabólicos têm um significado: a saber, manter esse mundo absurdo. A absurdidade da qual estou falando agora é absurda dentro da absurdidade do mundo. Trata-se, obviamente, de uma especulação calculada no argumento convulsivo que estou apresentando. Mas nessa especulação calculada reside um germe de esperança. Ler e escrever, aspectos femininos e masculinos da luxúria da mente, têm esse germe de esperança calculada no seu projeto. A luxúria mais evoluída, a luxúria mental, contém o germe da esperança. É um caminho tortuoso e cheio de sofrimento o caminho do ler e do escrever, e geralmente conduz ao inferno. Mas é um caminho acompanhado de esperança. Nem pela luxúria mais desenvolvida está garantido o diabo"
- Vilém Flusser, A História do Diabo, São Paulo, Annablume, 2006, 2ª edição, pp.100-101.
Caro Paulo,
ResponderEliminarComeço a ver, ou muito me engano, um Paulo tonificado (me desculpe o termo pouco próprio) por novos questionares, este ano. Este post deixou-me aí, precisamente onde estou, no centro dessa pergunta. Mas são tantas perguntas que deixo a quem tem a alma mais serena do que aminha está o pensá-las melhor do que eu as penso. Estou em estado de escrita permanente que quase tenho febre.
Esse é o nada que agora me tem.
Gosto deste seu questionar, sempre atento e não sei se inocente. Quem o é, se mem os anjos que imaginamos que há o são.
Santa provocação! Só me apetece dizer que santíssima tentação! Mas não poooosssso agora que tenho que ir a correr à Fnac comprar um livro! Muitos risos!Descobri que não posso viver sem esse livro que vou buscar...mais risos...
ResponderEliminarBrinquem, brinquem, que é isso mesmo que eu quero!...
ResponderEliminarFinalmente publica algo de verdadeiro!... Mas que se aplica sobretudo a si! A história do mundo é a do pecado e você é um dos seus maiores cúmplices.
ResponderEliminarOlá, Maria da Conceição!
ResponderEliminarPara não variar o seu comentário é verdadeiro.
Com efeito, é verdade que a Maria da Conceição, ou quem lá seja que assina com esse nome, diz:
"Finalmente publica algo de verdadeiro!... Mas que se aplica sobretudo a si! A história do mundo é a do pecado e você é um dos seus maiores cúmplices."
O que não se sabe, nem acho que a alguém aqui interesse saber, é se é verdade (alguém sabe o que isso é?) o que é verdade que a Maria da Conceição aqui comentou.
Ó, Maria da Conceição!
Finalmente, a minha amiga comenta algo que merecia a pena ser comentado. Parabéns!
Estava difícil, hein?
Que bom! Começar o ano novo em cheio...
Agora já pode descansar o resto do ano, e... descansar-nos também a nós, não é?
É.
Eu continuo, no entanto, a achar que a minha boa amiga, ou anda enganada no blogue, ou está enganada no "globe". Cheira-me...
"Isto sou eu a dizer...! - como diz "o outro".
E digo eu, logo a seguir:
"Pudera, cada um é cada um a dizer...! Ah, eu hoje estou aqui a sentir-me muito verdadeiro, a "dizer coisas".
Que bom!
Ano Novo, verdades novas!
Mas, olhe, estou também muito triste,sabe?
Afinal, pensava eu que escrevia (e cito) "algo de verdadeiro!(... e) que se aplica(sse) sobretudo a si..!!
Que "frustração"! Afinal, não!
Olhe, minha amiga, sabe que mais?
Não posso escrever-lhe aqui mais:
vou suicidar-me virtualmente (estas modernices, 'tá a ver?), atirando-me para a reciclagem do meu portátil: quem sabe encontramo-nos lá os dois, e mais ao Bill Gates também ...
Mas, de caminho, a ver se passo passo também pela Fnac, para comprar um livro que esteja esgotado (é desses que eu mais gosto, por causa aqui do texto do Vilém Flusser), e talvez despedir-me de Isabel Santiago, mesmo ainda antes de a conhecer.
Sabe, Mª da Conceição, é que (com aquilo do calendário Maia, está a ver? Outros doidos!) o tempo está a vir do futuro para o presente, a partir de 2012 para cá.
Coisas lá daquela gente doida da quântica, sabe?
Outros que tais, que não publicam nada de verdadeiro.
Aquilo é tudo mentira, mas Deus, ou (quer dizer) São Pedro há-de castigá-los, nas próximas festas da cidade... ai há-de.. há-de...
P.S. Agora não vá dizer que eu não escrevo aqui nada de verdadeiro, sim?
Antecipadamente grato, reconhecido e obrigado,
yerdpaL
(desculpe, amiga, mas aquilo do tempo às avessas já me afectou aqui a assinatura, viu? Que maçada!)
Fuja, enquanto é tempo!
(quem a avisa, seu verdadeiro é...)
Dou-lhe inteira razão, Maria da Conceição. Assumo toda a minha parte de responsabilidade pela dia-bólica e pecadora instauração e manutenção do mundo como mundo, particularmente mediante a palavra pensada, dita e escrita. Vivo assim contra o fundo sem fundo de mim e de tudo, no inferno de uma guerra interna permanente. E tanto mais peco quanto mais me deleito nisso. Manifestação do divino diabolismo que é a Vida, expressão de um Deus-Satã, como Pascoaes, Pessoa, Raul Leal e Agostinho da Silva pretendem? Não sei.
ResponderEliminarAcho que a minha amiga ia adorar ler a "História do Diabo", de Flusser, que traça uma história do mundo e da evolução movida pela energia dos sete pecados mortais e que os vê em acção mesmo naqueles domínios onde tendemos a esquecê-los, como na arte, na literatura, na cultura e na espiritualidade. Não resisto a citá-lo, antes de me precipitar para o pecado de mais um dia inteiro de leitura:
"É verdade que a já a ameba pode ser considerada como realização-tentativa do projeto que o mito de Don Juan estabelece. Mas a mente inflamada pela luxúria da leitura parece-me ser a realização mais perfeita desse projeto até agora alcançada pelo diabo. A sua frustração violenta, a sua caça desesperada, o inferno insuperável que é representado pela biblioteca fluida infinita, parece-me uma obra diabolica dificilmente superável... [...] É da própria essência do pecado afundar a mente numa torrente de desejos que aumentam à medida que estão sendo satisfeitos. Quando mais bebe, tanto mais sedenta é a mente pecaminosa" (p.94).
E com isto já estou a passar à consequência imediata do pecado da leitura, que é o da escrita.
Reze por mim, amiga! A sério! Reze por mim e por todos os que aqui e em todo o mundo se perdem, no vício das artes e das letras, um dos mais terríveis e difíceis de remir, porque difíceis de reconhecer, tal o orgulho de artistas, literatos, cultos e espirituais, e difíceis de suscitar o arrependimento, pois tão gratificantes!
"Reze por mim e por todos os que aqui e em todo o mundo se perdem, no vício das artes e das letras, um dos mais terríveis e difíceis de remir, porque difíceis de reconhecer, tal o orgulho de artistas, literatos, cultos e espirituais, e difíceis de suscitar o arrependimento, pois tão gratificantes!"
ResponderEliminarAo menos ja tens meio caminho andado. Qual sera o proximo passo?
O próximo passo é o que já dei, o primeiro: desaparecer. Só que leva algum tempo a tornar-se visível.
ResponderEliminarPara quem aspira a desaparecer não estarás a aparecer demais?
ResponderEliminarMais facilmente se prende uma alma num jardim de delícias do que num de suplícios, não é, amigos Bosch e Mirbeau? Disto percebo eu. E o Flusser, que denuncia as minhas artes, fá-lo das profundas do inferno do pensamento, da palavra e da escrita. Nada me escapa, a não ser eu mesmo. Pois nada sou senão a evasão de tudo o que vos prende: vós mesmos.
ResponderEliminarJust passing by ...
ResponderEliminarAmigo interrogativo, parece-me a mim (viu? eu também apareço) que o meu amigo aparece "de menos" e, quando aparece, logo desaparece: tal a inexistência das suas perguntações...
Não sei se diga: que pena!?
Pois, pena é ser uma aparição tão ponto e vírgula...
Nunca chega ao ponto final.
Logo, também não ao inicial.
Besides, there's none of them...
Farewell!
(P.S. Alguém viu por aí o diabicho? Ou estão todos o trincar-lhe a "cauda", de costas para ele?...)
Caro Paulo, a passagem do texto de Flusser que mais me perpetrou uma paradoxal fascinação de entendimento foi:
ResponderEliminar"Nem pela luxúria mais desenvolvida está garantido o diabo".
Talvez porque, não sendo ele garantia de si mesmo - se haja, porventura, um "Si" nele, e não se alimente ele por inteiro do(s) nosso(s) - só ele "haja" se o suscitemos, assim criando-o, "real" mas avessamente, na pulsão do desvairo, do descaminho, ou do inviés.
Caro Diabo,
ResponderEliminarComo sempre, sedutor e tentador, meu caro Diabo!
Nada aposto consigo, que não quero perder o que resta da minha alma perdida.
Faz bem em percorrer todos os jardins, assim o seu poder se engrandece e, quem sabe, possa de novo subir o que outrora foi queda...
Um abraço, Saudades
Servos, eu nunca caí. Tenho-vos em meu poder tanto mais quanto de mim fazeis alguém ou em mim não credes.
ResponderEliminarEstá bem, diabinho!:)
ResponderEliminarUm abraço.
Senhor Chifrudinho (estou a falar com "ninguém", entenda-se), viu o que eu escrevi três comentários atrás?
ResponderEliminarEscusava assim de ter chovido no molhado!
No inferno não há oculistas?..
Vossa "Cornudência" anda um pouco para o distraído, não?
Muito que fazer por cá, é?