terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Sobre espiritualidade, ecumenismo, sincretismo e Espírito Santo em Agostinho da Silva - em resposta a questões e observações de João Beato

Como vimos, a espiritualidade e o ecumenismo agostinianos, paracléticos, cumprem-se não na formulação de uma nova religião, sincrética, que a todas reúna e amalgame, nem mesmo enquanto religião do Espírito Santo, enquanto centro unificador de toda a vida espiritual e religiosa, mas antes numa experiência do Espírito, do divino ou do absoluto – isso que designa como “metanóia” ou “samadhi” - , acessível por muitas vias, religiosas ou não, sendo assim compatível com a existência dessa pluralidade diferenciada de caminhos que só será em definitivo transcendida quando todos os homens e seres comungarem a mesma experiência, inaugurando a trans-histórica era do Espírito Santo ou “os tempos de ser Deus” visionária e profeticamente anunciados . Todavia, para aqueles que desde já antecipam essa pneumofania, para aqueles que acedem a essa experiência plena ou pelo menos ao seu vislumbre, e a partir daí consideram a pluralidade diferenciada das religiões e vias, esta torna-se extremamente relativa ou mesmo evanescente , como para o centro vazio da roda que pudesse observar os múltiplos raios que dele partem e nele convergem ou para o viajante que, havendo chegado ao cume da montanha, pudesse contemplar, a toda a volta, as múltiplas veredas que lá igualmente conduzem . É nesse sentido que nos parece que Agostinho da Silva confessa que, apesar de usar predominantemente a linguagem da via religiosa que começa por praticar, e na medida em que aprofunda essa prática, já não se limita a ser um praticante dessa religião, no caso o catolicismo cristão, sem que o passe a ser de outra. Aliás, optando pelo “Nada que é Tudo” como melhor expressão do divino e do absoluto, mostra encontrar nele a possibilidade de conciliar todas as formas, nomes e imagens divinas com a sua total ausência, negação ou superação. Como diz, em dois aforismos significativamente sucessivos de um texto ainda inédito: “Não sou inglês por falar inglês. Não passo a ser católico se uso a linguagem católica”; “Aviso aos que não concebem que sob o Deus católico possa haver o nada dos budistas” .
Todavia, se a experiência de Deus, do Espírito ou do absoluto é uma transcendência de todas as vias, religiosas ou não , ela converte-se, ao mesmo tempo, e por isso mesmo, no sentimento da sua plena e total integração e cumprimento, sem qualquer contradição, como não há contradição em considerar os raios da roda inseparáveis do seu centro vazio ou o cume da montanha inseparável de todos e cada um dos caminhos que de lá partem e lá conduzem. Daí, ainda sem contradição, outra afirmação: “Claro que sou cristão; e outras coisas, por exemplo budista, o que é, para tantos, ser ateísta; ou, outro exemplo, pagão. O que, tudo junto, dá português, na sua plena forma brasileira” .
Cremos, todavia, que esta visão e experiência surge, em Agostinho, como o aprofundamento e o culminar da sua prática de uma determinada via, o catolicismo cristão - embora mediante uma leitura e sensibilidade paraclética que tende a extravasar das fronteiras ortodoxas - , não sendo porventura possível se desde o início procurasse caminhar por todas as vias, o que seria uma forma de não seguir afinal por nenhuma. Sendo um ponto de chegada, torna-se difícil que esta experiência e visão seja um ponto de partida, o que implicaria a capacidade, certamente rara, embora não impossível, de desde o início alguém se colocar (ou se reconhecer) no cume da montanha - mediante uma experiência real e não meramente mental, que geralmente não produz senão a atitude diletante e indiferente da maioria dos intelectuais em relação à verdadeira espiritualidade - , livre disso que condiciona o haver caminho, ou seja, a subjectividade cindida da plenitude. Neste sentido, embora relativas à luz do seu fim último, e cada vez mais relativizáveis à medida que por elas se avança, as diversas vias, religiosas ou não, revelam-se afinal de uma importância fundamental para aqueles que as percorrem e enquanto as percorrem. Sobretudo a via a cada um mais adequada para chegar ao fim último, pois é por ela, e não por outra, que melhor pode caminhar, e mais rapidamente - o que não quer dizer facilmente, mas antes o inverso, pois só as dificuldades obrigam à superação e transformação de si na qual consiste o avanço – , em direcção a ele. Com efeito, não tendo a capacidade de voar de imediato para o cume da montanha, ou seja, de se reconhecer desde sempre lá, nunca aí chegará aquele que desde o início queira percorrer todas as veredas que até ele conduzem. Não o vemos senão dando alguns passos numa, para logo voltar atrás, ensaiar o caminho por outra e assim sucessivamente. Ou então abandonando uma após algum progresso nela para, sem regressar atrás, tentar mudar-se para outra, o que implica o risco de se extraviar no denso matagal que as separa, sem encontrar outra vereda ou sem saber se, mesmo encontrando-a, nela lhe será de algum proveito o progresso feito na anterior, pois diferentes são, em função das diferenças de cada indivíduo, quer as características e exigências de cada caminho, quer as qualidades que ao percorrer cada um deles, embora convergentes para um mesmo fim, se desenvolvem. Claro que existirão muitas e dignas excepções, mas o quadro mais provável para alguém que deste modo se comporte é o de desperdiçar o precioso e limitado tempo de uma vida humana a andar em círculos, ou de um lado para outro, subindo e descendo sem se afastar muito do sopé da montanha, a entrar e a sair das diferentes veredas, ou ainda perdido a meio da subida, sem saber por que vereda continuar ou, abandonada uma, sem conseguir encontrar outra ou nela se integrar, até que o cansaço, a frustração, o desalento, o tédio, a descrença, o desespero ou a morte o surpreendam e lhe retirem toda a possibilidade de chegar ao cume, realizando-se plenamente. Pelo contrário, aquele que firme e decididamente, após averiguar qual a vereda que melhor lhe corresponde, e reconhecendo a equivalência de todas as demais como as mais correspondentes a outros, por ela caminhe sem distracção nem hesitação, quanto mais por ela ascender mais vai verificar e sentir a aproximação e convergência de todas as demais, e de todos os outros caminhantes, para o mesmo destino: o cume da montanha em cujo limiar todos finalmente em júbilo se encontram, dialogam, comungam ou mesmo, um passo adiante, fundem, descobrindo que um só é o sentido de vias múltiplas. O que não implica que todas as vias num dado momento e lugar histórico-geográfico e sócio-cultural existentes ou disponíveis conduzam exactamente, e com a mesma rapidez e proveito, ao cume, tornando-se legítima e desejável a mudança para os caminhantes que constatem a limitação, para si e para as suas aspirações, de algumas delas, por exemplo por se deterem no que consideram cume e não é senão um patamar da ascensão ou por não permitirem desenvolver todas as qualidades que a partir de um determinado estádio da subida se requerem. O que, todavia, nos parece que mais evidente e necessário se torna em níveis superiores do caminho e não tanto nos seus passos iniciais.
Se Agostinho predominantemente nos fala a partir desse cume onde todas as vias autênticas, mais exigentes e profundas convergem, ou do seu vivido vislumbre, o que supõe um estádio avançado no caminho por si percorrido, parece-nos fundamental enfatizar estas observações para obviar uma leitura da sua visão conducente ao que nos parece mais uma das tendências e equívocos fundamentais de uma certa e suposta “espiritualidade” contemporânea, conhecida como “New Age” (sem negar o que nela corresponde a uma autêntica busca de espiritualidade mais livre dos limites dogmáticos e confessionais em que tendem a enquistar-se as religiões tradicionais), em que muitas vezes não se vende senão todo o tipo de “cocktails” espirituais, inventados à medida da imaginação do criador e da curiosidade ou necessidade do consumidor, que não são senão uma quimérica via que procura conciliar o que haja de mais agradável e excitante, para o ego que deseja sempre resultados rápidos, por meios fáceis e agradáveis, em todas as vias tradicionais. Vias essas, ao contrário, de eficácia comprovada por haverem sido o, ou nascido do, percurso de inúmeros homens que por elas foram até ao cume, verdadeiramente se realizaram e assim se converteram em guias, nelas, para os demais, mostrando-lhes o caminho e as suas exigências e precavendo-os dos riscos e desvios. Seguir por uma via fabricada à medida das necessidades de gratificação e promoção do ego, e não em função da necessidade de o superar, sem outro mestre senão ele mesmo, não pode, naturalmente, senão levar ao seu reforço, que é o reforço do aprisionamento nele do ser mais profundo. O que está aqui também em causa é a irredutível diferença entre uma experiência e contemplação de toda a montanha a partir do seu cume, ou do todo na una simplicidade do divino, infinito ou absoluto, por aprofundamento de uma das veredas particulares que até lá realmente conduzem, e uma amálgama e mistura de tudo, de todas as veredas possíveis, tais quais na base se constituem, ou justapondo aspectos diversos dos seus estádios, em que se procura chegar ao cume, à unidade e à totalidade por soma de todas as partes e não por esse aprofundamento de uma delas, ao ponto de se verificar que, à medida que por ela se avança e ascende, todas as mais nela se implicam e tudo o mais nela está contido.
Isto não supõe contudo que as vias autênticas estejam já todas definidas ou sejam já todas manifestas, não excluindo que, em função das necessidades e capacidades particulares de percepção dos homens e dos povos, condicionadas também pelas condições da sua existência histórico-geográfica e sócio-cultural, mas sobretudo pelo seu grau de virtude e purificação ético-espiritual, novos caminhos surjam, manifestados pelo divino ou pelo absoluto, ou descobertos pelos homens onde até então estavam ocultos, como aliás o pensa Agostinho da Silva na sua visão de uma revelação plural e em aberto, convergente no culto popular do Espírito Santo para a inobjectivável universalidade “da íntima e profunda e secreta relação de cada um consigo próprio”, essa “última revelação” que “virá de nós para nós mesmos”, sem que ninguém a possa aperceber excepto os seus (trans-)sujeitos, conforme vimos . Essa “última revelação”, cume ou fundo último e culminante de todas as revelações e vias particulares, onde todas se fundem e transcendem, a que porventura exorta quando exorta a que abandonemos toda a relação ainda exterior e dual num experienciarmo-nos Deus: “Crente é pouco sê-te Deus / e para o nada que é tudo / inventa caminhos teus” . Neste ser-se Deus, pleno cumprimento de si na transcensão de si, exigência e instância de um ab-soluto que o é enquanto ab-solvido, ou seja, livre, de toda a dualidade sujeito-objecto, reencontramos a mesma transcensão, já atrás comentada a propósito das palavras de Cristo (João, 16, 7 e 12-13), da relação ainda exterior e dual com o mestre ou revelador visível, nesse supremo e libertador iconoclasmo espiritual que na tradição búdica encontra a formulação tão radical - “Se encontrares o Buda, mata-o !” – que porventura tem o seu implícito equivalente cristão na experiência da comunhão eucarística. “Se encontras Cristo, come-o !” , pode ser de facto a exortação inerente às palavras do próprio mestre, que chama os discípulos a não o deixarem fora de si, a não se deixarem permanecer algo distinto de si, num assimilá-lo que é ser por ele assimilados, fazendo de dois um : ““Tomai e comei: isto é o meu corpo”. […] Bebei dele todos, pois isto é o meu sangue […]”” (Mateus, 26, 26 e 28); “Eu sou o pão vivo descido do céu. / Quem comer deste pão viverá eternamente. / O pão que eu darei / é a minha carne para a vida do mundo” (João, 6, 51). Morte de Deus ou morte de Buda, assassínio iniciático de um e de outro, no sentido de haver que se transitar do seu conceito objectivante para a sua experiência não-dual, a única aliás possível . A mesma abrupta e libertadora transcensão da dualidade que se pode reencontrar ainda no rogar a Deus que dele (do que ele é para o homem, ou seja, “Deus”, um ob-jecto) se seja livre, em Mestre Eckhart , que mostra a necessidade mística, a-teia e a-teológica de o transcender e abandonar , na medida em que isso seja um transcender-se e abandonar-se do sujeito, que, libertando-se do conceito do supremo e de si como algo distinto, se liberta da última amarra e projecção conceptual que o priva da sua experiência imediata, na verdade uma não-experiência, despida de sujeito e assim de interpretação, características e referentes. Afinal uma morte que não é senão a daquele que supostamente a inflige, incompatível com a pretensão de se substituir à vítima no lugar por ela deixado . Uma morte que não é outra senão a da falsa vida dos conceitos e ficções dualistas que encobrem a tremenda vastidão, vazia e plena, de um espaço incomensurável. E é para este espaço que converge a espiritualidade agostiniana, em confluência com os rasgos mais ousados de toda uma tradição de espiritualidade mística libertária - geralmente acusada de autodeificação, anarco-panteísmo e heresia pela tradição dualista e dogmática, que muitas vezes parece ignorar as profundidades de uma experiência plena do divino - que, porventura presente na génese do culto popular do Espírito Santo por via das já assinaladas fontes beguinas, joaquimitas e franciscanas espirituais, assume feições radicais a que todavia Agostinho imprime uma forte orientação ética, libertadora também porque livre dos equívocos, excessos ou desvios do niilismo anomista ou do indiferentismo meramente gnóstico, desprovido de amor e compaixão pelo próximo, de algumas das suas mais cruelmente perseguidas manifestações medievais . Agostinho, transcendendo a antinomia entre “ortodoxo” e “heterodoxo” e assumindo-se antes do “paradoxo” , inscreve-se nessa tendência de espiritualidade laica, transcensora de mediações e intermediários para o divino, que ele mesmo, na esteira de Jaime Cortesão, remonta ao priscilianismo , purificando-a contudo de toda a beligerância contra pessoas e instituições e dirigindo antes a sua pulsão revolucionária para uma transformação que primeiro que tudo deve ser de si próprio – a metanóia / samadhi - , embora a partir daí vise a totalidade da sociedade e do mundo, em todas as suas dimensões .
“Crente é pouco sê-te Deus / e para o nada que é tudo / inventa caminhos teus” : cremos que este inventar deve ser entendido no contexto global de tudo quanto aqui expomos e no seu sentido etimológico, do invenire latino que remete antes para o ir ao encontro de algo, que se encontra, acha ou descobre - neste caso o modo mais próprio e melhor de, a partir de uma dada via, as transcender a todas - , do que para o mero imaginar e produzir subjectivo e arbitrário de uma ficção de caminho próprio. Como se na imensa montanha ou fundura da realidade e da vida, cósmica e íntima, exterior e interior sem interior nem exterior, veredas houvesse que, tal como as Ilhas encantadas ou encobertas, desde sempre lá estão, mas só se manifestam quando não as procuramos como objectos de apropriação. Sobretudo essa vereda primeira e última do Espírito que a todas as demais antecede, excede e integra, anima e autentifica, sem que a elas se reduza e sem que pela soma ou fusão de todas elas possa surgir. Na verdade menos uma vereda do que uma abertura inerente, natural e i-mediata para a incondicionada plenitude da Vida. A qual é simultânea e rigorosamente individual e trans-individual, pois, como indica Agostinho, “A união com Deus consiste em ser plenamente o que se é” .
Mas nesse aprofundamento de uma certa via, o catolicismo cristão, que o leva à transcendência e integração de todas as vias, religiosas ou não, Agostinho não deixa de dialogar explicitamente, por um lado, a partir da sua experiência brasileira, com o mais positivo de uma religiosidade pluricultural e pluriconfessional, mais vivencial e menos dogmática (embora, a nosso ver, não isenta de muitos dos referidos equívocos e riscos sincretistas), e também, por outro, com o pensamento pessoano acerca do futuro quinto-imperial de Portugal como o de “sermos tudo”, nessa assunção simultânea, tão ao gosto de Álvaro de Campos (e não isenta dos mesmos equívocos e riscos), de todas as possibilidades, psicológicas, nacionais e religiosas: "O futuro de Portugal [...] é sermos tudo. Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé ? [...] Ser tudo, de todas as maneiras, porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma coisa ! Criemos assim o Paganismo Superior, o Politeísmo Supremo ! Na eterna mentira de todos os deuses, só os deuses todos são verdade" . Esta posição de Fernando Pessoa - que deve ser compreendida à luz da tradicional assunção da vocação universalista e totalizante do homem e da nação portugueses, com momentos importantes em Padre António Vieira , na proposta de superação e fusão neoreligiosa do cristianismo e do paganismo no saudosismo de Teixeira de Pascoaes e ainda no paracletismo de Raul Leal – vai ser comentada por Agostinho, que se preocupa em assegurar-lhe a maior amplitude possível, identificando o neopaganismo totalizante do poeta com o seu próprio ecumenismo enquanto forma da religiosidade mais própria do mundo lusófono: “O neo-paganismo de Pessoa inclui o cristianismo; capaz até de incluir o que lhe seja contra. Se o não fizer será apenas um neo-paganismo de passagem, não o definitivo, o total, o único que deverá ser a religião dos portugueses; isto é, dos que falarem a língua, seja onde for. Os que, em Portugal, recusarem poderem os portugueses ser moçambicanos ou brasileiros e dever ser neo-pagãos (ou ecuménicos de passado e presente e futuro) não são, eles, portugueses; são apenas “portugaleses”” . Mas a perspectiva agostiniana é mais ampla e rigorosa, em termos tanto metafísicos como culturais, ao apontar que não basta para a verdade do divino, ou para a sua visão verdadeira, a totalidade das suas formas, sendo-lhe necessário integrar ainda a sua própria negação, superação ou ausência, para que nenhuma possibilidade seja excluída, como por exemplo a experiência budista, taoista, agnóstica ou ateia: “Acrescentemos a Pessoa: Deus só será verdadeiro quando, além de todos os deuses, incluir o nenhum” .
Para terminar, gostaríamos de insistir não ser de todo meramente teórica a questão para a qual Agostinho se convoca e nos convoca. Trata-se, fundamentalmente, de uma experiência, a mais funda, integral, inevitável e inobjectivável das experiências. A experiência do face a face com o fundo sem fundo de si e de tudo. Ou melhor, a experiência de não haver face a face, por não haver dois. A experiência da não-experiência. Com todo o perigo (periculum) e sua transcensão que por natureza implica e para a qual, em última instância - e para que não se cometa o tão mortal pecado contra o Espírito Santo - , não há nem pode haver seguranças, nem métodos, nem rotas, nem bússolas, nem mapas . E nem mesmo guias. Pois, por mais que até certo ponto, e desejavelmente, aqueles que continuamente vivem nessa experiência, ou seja, os mestres, nos possam orientar, acompanhar e até impelir, o último passo, aquele de que tudo depende, o passo para além de haver caminho e caminhante, para além de haver de onde e para onde, origem, meio e fim, terá sempre de ser dado apenas por cada um de nós próprios. No sem si de nós infinitamente sós e acompanhados e para além de solidão e companhia. No Infinito que somos e tudo é. Como no nascimento e na morte. Porque este passo é o grande Nascimento-Morte.

Como reza o fecho de um livro sábio com o qual Agostinho muito conviveu:

“Amigo, isto basta. No caso de mais quereres ler
Vai então e torna-te tu próprio a escrita e a essência” .

Ou, como livremente o traduziu:

“Já chega de leitura, se mais quer
só se em si próprio escrita o ser lhe fere” .

Pois afinal:

“Crente é pouco sê-te Deus
e para o nada que é tudo
inventa caminhos teus” .

Assim seja ! É a Hora !

- Tempos de Ser Deus. A espiritualidade ecuménica de Agostinho da Silva, Lisboa, Âncora Editora, 2006, pp.189-203 (as notas de rodapé foram suprimidas).

18 comentários:

  1. "Nos dias de hoje, é frequente encontrar pessoas que misturam e combinam religiões segundo a sua conveniência. Tentando ser não-sectários, intentam explicar conceitos cristãos do ponto de vista budista, encontrar similaridades entre budismo e sufismo ou entre o Zen e os negócios. É claro que podemos encontrar sempre, no mínimo, pequenas semelhanças entre duas quaisquer coisas na existência, mas não penso que tais comparações sejam necessárias. Se bem que todas as religiões comecem com algum tipo de objectivo filantrópico, habitualmente aliviar o sofrimento, têm diferenças fundamentais. Todas elas são como medicamentos e, enquanto medicamentos, destinam-se a reduzir o sofrimento, variando porém em função do paciente e do mal. Se sofremos uma comichão cutânea, por efeito do toxidendro, o tratamento adequado é loção de calamina. Contudo, se temos uma leucemia, não tentamos encontrar as semelhanças entre a loção de calamina e a quimioterapia a fim de justificarmos a aplicação da loção, sob pretexto de ser mais conveniente. De modo semelhante, não há necessidade de confundir religiões" - "O que não faz de ti um budista", Lisboa, Lua de Papel, 2009 (no prelo).

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  2. Ora, confiamos demais no saber. O homem que escreve um livro sobre a mente ou que disserta a respeito da mente, aceitamo-lo como autoridade. Damos um nome ao seu pensamento, e o esposamos. Nunca nos pomos a investigar o inteiro processo do nosso pensar, para descobrirmos por nós mesmos. E é por isso que temos tantos líderes, cada um fazendo valer a sua autoridade, e nos dominando. E pode alguém lançar fora tudo isso e descobrir as coisas por si mesmo? Porque (…) o saber é um obstáculo à compreensão. (Viver sem Temor, pág. 14)

    Não é válida a experiência de outro para a compreensão da realidade. Entretanto, as religiões organizadas, no mundo inteiro, baseiam-se na experiência de outro, e, por conseguinte, elas não estão libertando o homem, porém, ao contrário, prendendo-o a um determinado padrão e instigando os homens uns contra os outros. (…) (O Caminho da Vida, pág. 27)

    (…) Sabeis, a maioria de nós deseja adquirir sabedoria ou verdade por meio de outrem, mediante algo vindo do exterior. Ninguém vos poderá transformar num artista; só vós próprios podereis fazê-lo. É isto que desejo dizer: posso dar-vos tinta, pinceis e tela, mas vós próprios tendes de vos tornar o artista, o pintor. (…) (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 40-41)

    A verdade não pode ser acumulada. Ela não é experiência. Ela é “experimentar” - em que não há experimentador nem experiência. Conhecimento implica alguém que acumula, que junta; (…) A sabedoria é como o amor; e, privados desse amor, queremos cultivar a sabedoria, (…) (Idem, pág. 86)

    A sabedoria é sempre vigorosa, sempre nova. Como se pode conhecer o novo, quando há continuidade? (…) Só quando há findar, há o novo, que é criador. Mas queremos continuar (…) e a mente em tais condições nunca pode conhecer a sabedoria. Pode conhecer, apenas, a sua própria projeção, suas próprias criações. (…) A verdade não pode ser procurada. A verdade só surge quando a mente está vazia de todo conhecimento, todo pensamento, toda experiência; e isso é sabedoria. (Idem, pág. 86-87)

    Não há caminho para a sabedoria. Se algum caminho existe, então a sabedoria é coisa formulada de antemão, já imaginada, conhecida. (…). A experiência e o saber, uma vez que são contínuos, abrem um caminho para suas próprias projeções, e por isso são sempre entraves. A sabedoria é a compreensão do que é, momento a momento, sem acumulação de experiência e conhecimento. O que se acumula não dá liberdade para compreender, e sem liberdade não há possibilidade de descobrimento; (…). A sabedoria é sempre nova, sempre fresca, e não há nenhum meio de a acumularmos. O meio destrói o que é novo, (…) espontâneo. (Comentários sobre o Viver, pág. 94)

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  3. Krishnamurti, dizes precisamente o mesmo que dizem os grandes mestres e praticantes em todas as tradições e nas próprias religiões organizadas, sempre que apontam a transcendência da experiência espiritual sobre o dogma e a doutrina. O que está em causa é precisamente a transcendência desta experiência espiritual sobre todas as religiões, irreligiões e sua confusão sincrética, que parece todavia oferecer menos garantias na medida em que resulte de uma estratégia dos egos para criarem uma via à sua medida, onde não tenham ninguém para pôr à prova a autenticidade da sua experiência espiritual.

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  4. Mas porque é que em vez de te preocupares com os egos dos outros não te preocupas com o teu?

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  5. Dzingsar Jamyang Khyentse, o que tenho a dizer sobre isso é que, pessoalmente, não confundi religião nenhuma. De resto, acho toda a tua posição um apelo não só ao sectarismo, assim bem como a uma abdicação da inteligência comparativa e analógica. Dizes: «É claro que podemos encontrar sempre, no mínimo, pequenas semelhanças entre duas quaisquer coisas na existência, mas não penso que tais comparações sejam necessárias». Meu caro amigo, é absolutamente impossível encontrar somente «pequenas semelhanças entre duas quaisquer coisas» em matéria de religiões comparadas!Não me peça, por favor, que me minta a mim próprio e que abdique da minha inteligência. Para além disso, vejo no seu conselho uma clara expressão daquele que é considerado um dos maiores pecados na tradição budista: o pecado de estudar textos e práticas de tradições não-budistas. Nas palavras de Patrul Rinpoche :«Considerar verdadeiros os textos de tais doutrinas e segui-los, ou mesmo, sem o fazer, pensar que as palavras de Buda, as instruções do vosso mestre ou os textos dos comentadores eruditos estão errados e duvidar e criticá-los, tudo está incluído no que se designa por visões falsas. As piores das dez accções negativas são tirar a vida e as visões falsas [...] A partir do momento em que a nossa mente é maculada por visões falsas, mesmo o bem que fazemos não mais conduz à libertação e o mal que fazemos não mais pode ser confessado»(Caminho da Grande Perfeição, p.158). Meu Deus, para os budistas estudar e praticar outras doutrinas é uma acção imbuída com tanta negatividade como a de matar alguém!? Dzongsar Jamyang Khyentse, essa postura que propões é absolutamente incompatível com a cultura plural em que vivo e com o trabalho que faço; para além disso, como já te disse, acho que estás a fazer um apelo à separação e à subvalorização da inteligência. Não, obrigado!

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  6. Dzongsar Jamyang Khyentse, espera só mais um pouco, já me esquecia do mais importante... Reconhecendo a nobreza incomparável da doutrina a que pertence, e infinitamente grato pela saúde que através dela eu e tantos outros seres beneficiam, não poderia deixar de lhe dizer, já que citei Patrul Rinpoche, que a leitura d'"O Caminho da Grande Perfeição" foi aquela que me tirou todas as ilusões de algum dia algum dia poder vir a ser budista (no seu sentido mais rigoroso para um autêntico budista). Muito do que li nessa obra dificilmente se poderia coadunar com a nobreza do meu caminho.

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  7. Caro João, quem publicou o texto que criticas fui eu e arrependo-me de o haver feito, pois arrisca-se a ser objecto de interpretações descontextualizadas, apressadas e emocionais como a que me parece que fazes, também a respeito de Patrul Rinpoche. O que está em causa é a eficácia dos ensinamentos espirituais enquanto medicamentos, que só podem curar se forem específicos para cada doença e não misturados com outros, a bel-prazer do doente, que se arrisca assim não só a não se curar como a ver o seu estado agravado. Imagina alguém com uma doença grave a pensar em curar-se a si próprio sem consultar um médico experiente e tomando todo o tipo de medicamentos que encontra ou fabrica, doseados conforme os seus caprichos... Creio que encontrarás isto claramente expresso no meu texto, se te deres ao trabalho de o ler e reflectir calmamente. Quanto ao suposto sectarismo budista, recordo-te que é a única religião ou filosofia em que o fundador nos convida a não aceitar as suas palavras sem as pôr à prova e em que se assume claramente que a própria doutrina e via budista é ainda uma ilusão que deve, em última instância, ser superada na experiência da vacuidade e do Despertar. Mas isto supõe abandonar todas as visões falsas, que não são, como dizes, as visões não-budistas, mas as visões, pura e simplesmente, incluindo as budistas, pois nelas se fica refém do intelecto conceptual que distingue entre sujeito e objecto. É por causa desta dualidade que se matam pessoas e é por isso que todo o mal daí provém.
    Não vejo nenhum problema em que se estudem comparativamente as tradições e tenho-o feito abundantemente, para conhecer o que tanto as separa como as aproxima. Já me parece problemático e artificial pretender encontrar a partir da síntese ou síncrese delas uma panaceia universal para todo o tipo de necessidades e doenças espirituais humanas. Como sustento no trecho que publiquei no post, não é isso que me parece que foi proposto por Agostinho da Silva, que convidou precisamente a um aprofundamento de cada via, no diálogo fraterno com as outras, e não à criação de uma nova religião do Espírito Santo. Se quiseres podemos debater esta questão e será um óptimo tema para o colóquio que pensaste promover em Ponta Delgada. Isto se não continuares demasiado irritado com as minhas reservas ao sincretismo, como parece.

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  8. Patrul Rinpoche escreveu para monges tibetanos do séc. XIX, dando-lhes o remédio de que precisavam. Aconselho-te a que leias o livro de Dzongsar Jamyang Khyentse, escrito para doentes diferentes, os Ocidentais do séc. XXI.

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  9. É tão difícil dialogar... O diálogo autêntico é só por si uma experiência espiritual extremamente profunda.

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  11. Paulo Borges, para mim a questão é muito simples: se para que eu possa ser considerado budista estou impedido de praticar ashthanga vinyasa yoga, de invocar e de ler Patanjalim, de estudar os Vedas, os Upanhishds, os Guitas (Ashtavakra do meu coração...) os Sutras, de dançar para Shiva (ou seja, a formação clássica de um hindu), então para mim faz muito mais sentido ser hindu e, como tal, conceber Buda como uma das encarnações de Vishnu e portanto como um Mestre da tradição à qual pertenço. Não sei porque deva separar o hinduísmo do budismo, Buda nunca poderia ter sido quem foi sem a base da cultura hindu, estudar uma é aprofundar a outra, é ter acesso a e compreender a visão do Cosmos que estava na base da formação espiritual de Buda. Quando comecei a compreender o budismo, já era, há alguns anos, estudande e praticante de hinduísmo com mestres autênticos, e acho que faz todo o sentido ter acesso às duas vias, pois ambas se esclarecem mutuamente, e, reciprocamente se anulam. Qualquer uma delas na ausência uma da outra será uma da outra deficitária: separá-las hermeticamente, como duas religiões absolutamente distintas, para mim, não faz qualquer sentido. Até porque, no fundo, são tudo falsas visões. Recentemente encontrei Krishnamurti, ainda não tive tempo para estudá-lo com a devida atenção, mas estou certo de que me ajudará a Ver melhor.
    Também não percebo porque vais sempre buscar esse assunto da nova religião. Nunca reflecti seriamente sobre isso e não era, até hoje,uma questão que me procupasse. Sempre o vi como algo que não me diz respeito, na medida em que acho que está totalmente fora do controlo de qualquer um de nós. Se por acaso surgir uma nova religão, como outras tantas que já surgiram, que temos nós a ver com isso? Se daqui a duzentos anos o pensamento de Krishnamurti, que se diz compenheiro de Buda, tiver sido transformado numa doutrina religiosa fundada a partir da figura desse Mestre, que temós nós a ver com isso? Achas que podemos controlar o Espírito? Na verdade nunca me tinha passado pela cabeça o que pudesse ser uma religião do Espírito Santo, em termos mais concretos, mas tu, com toda essa preocupação deixaste-me curioso: «é verdade, como seria realmente uma religião do Espírito Santo?» Garanto-te de que nunca me tinha atrevido a sonhar semelhante coisa, mas podes ter a certeza de que a partir desta noite vou tentar sonhá-la. Aliás, acho que toda a gente deveria tentar. Achas que não?
    Quanto à obra de Patrul Rinpoche, é precisamente por ser do séc. XIX que fiquei aterrado com o atraso da consciência ético-social ali representada. Um primeiro encontro com a tua religião através deste livro, para um ocidental, só pode ser no mínimo assustador: tivemos tanto que nos esforçar para nos livrarmos do medo provocado pela falsa visão do Inferno cristão, e vamos ter que acreditar naqueles Infernos todos? Um budista não se deve relacionar com thírtikas (mas que significa isso, «os iludidos»? «os adoradores dos ídolos»? «os brâmanes perversos»? Num texto do séc. XIX? Se o budismo tem hoje aquela imagem mediática, tolerante e adogmática que dele chega até nós, isso significa que teve necessariamente que se ocidentalizar/cristianizar ou seja, aderir aos valores ético-sociais, científico-tecnológicos e materiais do Ocidente, que são uma conquista do mundo cristão. No outro dia vi à venda um livro para pessoas de negócios, publicado em conjunto pelo Dalai Lama e por um economista; era qualquer coisa do género «Como conjugar o budismo com uma vida de negócios», com uma bela capa. Não acho que isso seja bom ou mau, é o que é, mas não vejo porque me deveria tornar budista.
    Quanto ao colóquio, espero sinceramente encontrar-te lá.

    Um abraço

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  12. João, a única coisa que caracteriza a via budista é a compreensão vivida dos quatro selos, mais abrangentes do que as quatro nobres verdades:

    1 - Todos os fenómenos compostos são impermanentes.
    2 - Todas as emoções são dor.
    3 - Nenhuma coisa tem existência inerente, em si e por si.
    4 - O Despertar transcende os conceitos.

    Com esta compreensão vivida segue-se a via do Buda, ou seja, a via do Despertar, independentemente de se fazer ou não yoga, ler-se Patanjali, a "Bíblia" ou a "Bola", ser-se presidente da República, rock star, vagabundo ou prostituta.

    Também achei duro, tanto mais que o traduzi, ler muitas partes do "Caminho da Grande Perfeição": depois compreendi que quem sofria era o meu ego e o meu orgulho, por não encontrar ali o que o gratificasse. Quanto aos "thirtikas", em termos últimos, são, em tibetano, os "mutekpa", os que se apoiam numa qualquer visão conceptual, incluindo a budista. Quanto aos infernos, são o fruto das alucinações de mentes corroídas pelo ódio, vividas como reais como nos pesadelos. Infelizmente, os infernos não são coisa em que se acredite ou não, mas sim que se vive, exterior e interiormente, como o nosso século XXI supostamente evoluído amplamente o mostra, muito mais do que o séc. XIX tibetano, que dizes atrasado. Agora há muito mais no livro e na obra de Patrul Rinpoche: experimenta ler alguma coisa sobre o Dzogchen, de que ele foi exímio mestre. Não deixarás de ficar surpreendido com a diferença de perspectiva. O que se ensina e escreve é em função de necessidades específicas dos destinatários, como deverias saber. A isso chama-se no budismo "meios hábeis", estratégias espirituais, upaya. Talvez esta discussão não o seja.

    Um abraço

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  13. Pelo que tenho observado, as religiões organizadas, como qualquer outra coisa, também se tornam muito facilmente em gratificações para o ego. Há muitos meios de nos desiludirmos e nos libertarmos, a religião tradicional é apenas um deles.

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  14. Não é válida a experiência de outro para a compreensão da realidade. Entretanto, as religiões organizadas, no mundo inteiro, baseiam-se na experiência de outro, e, por conseguinte, elas não estão libertando o homem, porém, ao contrário, prendendo-o a um determinado padrão e instigando os homens uns contra os outros. (…) (O Caminho da Vida, pág. 27)

    (…) Sabeis, a maioria de nós deseja adquirir sabedoria ou verdade por meio de outrem, mediante algo vindo do exterior. Ninguém vos poderá transformar num artista; só vós próprios podereis fazê-lo. É isto que desejo dizer: posso dar-vos tinta, pinceis e tela, mas vós próprios tendes de vos tornar o artista, o pintor. (…) (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 40-41)

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  15. Porventura Krishnamurti não teve a capacidade ou a humildade de reconhecer que as religiões organizadas podem ser o suporte exterior de uma via iniciática, embora seja verdade que muitas vezes tendem a submergi-la nos dogmas, doutrinas, hierarquias e morais de rebanho. Temo, no entanto, que o self-service de experiências religiosas e "espirituais" ainda ofereça menos possibilidade de uma verdadeira iniciação. Claro que nisto não há saber possível, pelo menos da minha parte, mas confesso que, pela imagem que tinha de Krishnamurti, fico bastante desapontado ao vê-lo fazer juízos tão genéricos e simplistas sobre fenómenos tão complexos e diversos.

    Ainda sobre os infernos, passei hoje o dia a pensar que tomara a muitos iraquianos e suas famílias que o senhor Bush acreditasse que matar pessoas leva ao inferno, como efectivamente acontece, ainda que seja em nome do "bem" contra o "mal". Como tomara a todos nós que os agiotas dos bancos e da banca acreditassem que roubar legalmente leva ao inferno, como efectivamente acontece. O que não quer dizer que os infernos sejam "reais". Também nós não o somos e todavia experimentamos prazer e dor.

    Terá sido um progresso deixarmos de acreditar no inferno? Não o creio. Quando menos nele acreditamos, mais o criamos.

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  16. Vivem no inferno da discussão porque não conhecem a Paz de Cristo.

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  17. Não, minha amiga, aqui, entre almas ("des")inquietas, vive-se mas é na paz da liberdade de discorrer, de opinar e até de errar, porque os cristãos, nomeadamente os católicos (muito quietinhos ultimamente: "Graças a Deus!") parece terem esquecido, por um lado, que é bem capaz de haver "por aí" inferno e, sobretudo, por outro, parece terem de todo esquecido que podem usar a cabeça (já que não usam chapéu), enquanto ficam de mãos postas e cabecinha ao lado, em cima dos joelhos.
    Deus me perdoe...!

    Maria da Conceição? Hum... isso não era uma tal de "Santa da Ladeira"?
    Mau! Não me digam que a pobre criatura ressuscitou??!!
    Estamos bem arranjados! O fim do mundo vem já aí...
    (Perdoe-me a minha amiga a ironia da alusão, sem malícia...)

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  18. Parabéns, Serpente Emplumada!
    Um grande abraço para todos.

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