terça-feira, 30 de dezembro de 2008



Nenhuma voz.

Silêncio.

De nenhuma voz é a lágrima.

Nenhum silêncio de nenhuma voz.

Sozinho.

De nenhum rosto é a lágrima

De nenhuma voz.

Silêncio.

De nenhum Eu, de nenhum Tu é a Voz.

De nenhum deserto

De nenhuma pedra.

Ermo de nenhum coração.

Só de nenhuma ausência

Limpo de nenhuma mácula.

Assim és em mim.

Riso de ninguém.

E de Todo o Mundo.



Para o Paulo Borges,
antes que haja o que se houver não haverá nem não haverá.

20 comentários:

  1. Saudades, estou a pensar se me parece ou não que, com este seu poema tão "peculiar", Paulo Borges vá ficar ou não um tanto indeciso entre ser "nenhuma voz" (o que é talvez demasiado despojado) e o ser "riso de todo o mundo", o que francamente me parece algo excessivo: afinal o nosso amigo, rei deste domínio blóguico, talvez prefira a folia de Carnaval às mordomias "burguesas" deste nossa desnatalizada Consoada, e ao bate-tachos da "passadeira de ano".(Acho que não é assim que se escreve!Adiante).
    Ou então, em alternativa (foi bom ter pensado nisso, minha amiga), penderá seguramente hesitante entre passar a noite de 31 entre "nenhum deserto" (um excelente local) e "nenhuma pedra" (outro fantástico destino turístico), coisa que fica relativamente angustiante para esta época "festiva" do ano, não acha?
    É muito em cima da hora, para arranjar alternativas.

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  2. Saudades, não leve a mal: foi apenas uma brincadeirinha de final de ano, que é coisa que talvez não haja (isto, se ao mundo ou quem nele manda ocorrer acabar antes) ou não exista (no continuum do tempo não há passagens), que a minha amiga dedicou a um certo Paulo Borges, de que temos (não é verdade?) apenas uma série de indícios - curriculares, blóguicos e outros-, mas que bem podemos perguntar-nos se não será mais uma daquelas partidas que nos pregam os bons dos nossos órgãos dos sentidos (falemos baixo, para eles não ficarem sentidos!).
    Pois é, não sei o que pensar quanto a isto tudo.
    O que sei é que o seu poema me encheu de vacuidade, o que nem sei se é bom sinal (piscadela de olho, aqui, para os anónimos!).

    Aliás, assim "cheio" de "vacuidade" estou a sentir-me um bocado estranho: acho que vou tomar uma Rennie,e mais tarde volto.

    Abraço.

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  3. Lapdrey,

    (que conheço tão somente de blogues, de indícios de qualquer coisa ou de seja o que for que pense que seja),

    Só achará “peculiar” o poema, quem não lhe conheça o sentir e me não conheça (mesmo ao que o meu contributo aqui no blogue tem sido), que, podendo não ser feliz na expressão de suas metáforas, é limpo em suas vestes e em sua entrega. E talvez por não conhecer, ou só querer ver o ramo e se esquecer da árvore, assim o poderá desvirtuar. Desculpe a franqueza, outra coisa não seria de esperar a quem feriu, acho que não de morte, porventura, o puro sentimento que o inspirou e a dádiva que aqui presencia. Teria achado graça aos seus trocadilhos (reconheça que excessivamente vulgares e caricatos) se tivessem vindo da parte de alguns anónimos que se situam na periria anárquica desta desordem ordenada, (palavras mais ou menos traduzidas do que atrás li). Assim, sem ficar zangada, fico só triste. Duma tristeza que não sei nomear, mas não é boa, por não ser justa.
    Pareceu-me também, o que não quero crer, ter duvidado da minha nobreza de alma e de intenções. E ter entendido, na sua mudança de tratamento para comigo, insinuações que não esperava ouvir de si e não oiço de ninguém que me conhece. Se queria ferir, Lapdrey, conseguiu. Isso é que é grave, caro Laprey, não sei se vou desculpá-lo, por isso. Nunca precisei de pedir o que por mim própria não tenha conseguido. Ponto final. Se tudo não passou de um mal-entendido da minha parte, tudo o que acabo de lhe dizer, ou se apenas se tratou de diferentes sensibilidades estéticas, no que aqui se disse, não faço mais que a minha obrigação: pedir-lhe desculpas.
    Se é vacuidade o que encontrou no poema, e se a leu mal, e se não gosta da sensação. Pois tome a sua Rennie, e volte mais bem disposto. O poema nem sequer lhe era dedicado, não sei para quê tanto som. Só se for a passagem que não há a ser ruído antes do tempo. Ora vá apanhar ar, Lapdrey.

    As ofensas são tanto maiores, quanto mais inesperadas e injustas. Admita que se enganou e peça desculpas, esta é uma ordem!

    Que fim de ano, uff!

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  4. Voçês são engraçados. Escrevem bem, pensam melhor, são cultos, elevam-nos, fazem-nos rir, pensar, surpreendem, mas depois são tão suceptíveis que não se compreende porque se desgastam assim sem razão para tanto drama.
    Gosto de si, Saudades. Também já tive muitas saudades do futuro, e ninguém achava possível (os imbecis!), agora já não tenho, imagine. Também gosto de si Lapdrey, irreverente e impetuoso e generoso de palavras. Bom ano! Ah, e para que não me confundam com outro qualquer anónimo, dar-me-ei uma identidade anónima quando descobrir como isso se faz.

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  5. Este é um texto que fez a síntese e a fotossíntese de tudo o que por fomos sendo. Um texto de leitora atenta. Um texto de alguém que não dá título ao que é só dentro e muito fundo. Saudades tenho saudades de si a voar para a casa das gaivotas...vamos para lá?!

    Como seria uma ópera de gaivotas, uma cantata das "guardiãs do silêncio"? O Obscuro talvez se lembre dessa criança que hoje lhe dá a mão e pede para a ler o livro das Saudades.

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  6. Encho a minha voz de Silêncio para te desejar, fazendo e desfazendo as tranças, um Bom 2009.

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  7. Isabel,

    O Obscuro lembra-se de tanta coisa, Isabel! que lhe apetece esquecer tudo. Agora, feliz que estava por receber as corsas vindas do deserto em meu jardim... pois que de suas árvores se caiu um pássaro estonteado... E choro. Não tenho pudor das lágrimas, elas purificam, como muito bem sabem as leitoras do silêncio.
    Lá estará um agradecimento pelas corças. Não ter a armadura vestida, por vezes fere na alma, fundo. Que patetas que somos (sou, sem dúvida). Alguém mal intecionado poderia dizer ou pensar: “mulheres!” Sabemos que assim não é. Claro que havemos de ir à “Casa das Gaivotas”, às ternas “guardiãs do silêncio”. É capaz de passar a mão pela minha cabeça, Isabel? Um rio movente nos olhos, eis o lugar da alegria e do riso.

    Um bom ano, Isabel, vêmo-nos, porque nos lemos, Saudades

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  8. Grata, Brunhild,

    Porque será que mesmo com uma pedra na boca e os olhos turvos, vejo o seu cabelo a crescer?

    Tudo de bom para 2009.

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  9. As minhas mãos estão nos seus cabelos. É, por isso que, como sabe a Agustina, pentear os cabelos faz revelar a alma. E que somos nós senão paisagens claras e obscuras da alma...penteio-a...sempre!

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  10. Sr Ladprey,
    ocorrese-me perguntar-lhe que idade tem ou a que colégio foi. Enfim, contarei-lhe uma história.
    Há já alguns anos conecheci a um velho cavalheiro. Um homem de cabelos brancos, que como ele gostava dizer, não eram de estar deitado ao sol. Ele deu-me um bom conselho: "Olha para o que fazem as pessoas não para o que dizem. Ao longo da vida, disse-me, observa como reagem ao elogio e á censura. Através da censura podes conhecer uma parte das pessoas mas será pelo elogio que terás um saber mais completo". No seu momento não comprrendi plenamente as suas palavras. Mas estes dias tive uma clara manifestação do significado das mesmas, pronunciadas na minha presença há mais de 10 anos. Sr Ladprey, há algo que hoje me resultaria francamente um pesadelo, e isso seria estar no seu lugar.
    Adeus

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  11. Cara Saudades,
    minha amiga,

    Antes de mais, devo francamente dizer-lhe: hesitei entre responder e nada fazer.
    Ambos têm inconvenientes. Ambos são inconvenientes.
    O responder expõe aquilo que provavelmente deveria ser, a todo custo preservado: aquelas franjas de intimidade (de quem seja) que, se cabem num diário íntimo, não me parece que devam caber num registo de âmbito público e, em geral, de indiferenciados e indiscriminado acesso e participação, como num blogue, ainda que um com a elevação da Serpente.
    Afigura-se, assim, que alguém arrependido sairá mais ferido do que entrou, alguém ferido acabará porventura mais arrependido do que terá entrado.
    O nada fazer em nada levaria vantagem, ou antes, as suas vantagens seriam os inconvenientes de o fazer por outros meios.
    Já disse algures por aqui que, para tais circunstâncias e outras que melhor também o exijam, tenho eu no meu perfil, como outros o têm, meio de contacto para os devidos fins: seja para insultar-me, desprezar-me, odiar-me, ou os puros contrários disso - creio ser este um princípio de mínima hombridade “virtual”, se bem que isso sempre releve da óbvia decisão entendimento de cada um, ou se ache conveniência em fazê-lo, por quanto permite (ao menos) preservar do terreiro anonimamente público (quando o seja) que é o universo de todo o blogue, aquilo que a ele não pertença, porventura não deva pertencer ou não se queira que pertença.
    Aqui, estamos pois com diferença de armas, armas que nem sequer escolhemos, visto que aqui se nem trata de um qualquer duelo.

    Passando ao assunto, amiga Saudades.
    Se porventura - o que perfeitamente admito que possam ter sido ou todos sejam, e quiçá venha até a reconhecê-lo - os meus comentários foram incerteiros, disparatados, descabidos e até injustos, e o que for que eles sejam, valha-me o ser sincero e em me não ter em muita conta.
    Confesso desde logo - o que ainda agora, relendo o seu poema não sei – que o choque maior, mais intenso e desiludente (perdoe-me a franqueza, qual a teve também) foi precisamente a natureza outra de língua com que ali deparei, ao ler o seu texto.
    Lesse eu o poema ignorando o autor e, indo a uma extrema metáfora, talvez fosse capaz de morrer defendendo que tais palavras nunca poderiam ser suas.
    Dirá que conheço pouco a sua poesia, o que é por certo verdade (apenas a conheço daqui e de onde sabe), e imagino que alguém com a maturidade, profundidade e altura de sentir e plasmar em árvores de palavras as tem a Saudades, terá por certo coisas publicadas alhures, o que obviamente não posso saber, nem importa para aqui.
    Seja como for, essa impressão de estranheza, acrescida sem qualquer dúvida do terramoto orfaico do texto “A Corça”, ontem aqui dado a público por Isabel Santiago, e que me invadiu até aos interstícios do ser no mais abísmico e alpínico que imaginar se possa, isso bem contribuiu para tolher o seu poema na exacta medida da boa ferida da patada de corça, bem como do coser viajeiro de tal leitora, àquelas paragens rarefeitas e mal suportadas pela maioria dos humanos.
    Reconheço que, em caso de dúvida, sempre devemos preservar quem lemos de toda a ferida,e sempre lhe darmos o máximo benefício, para também (o que é sempre o menos) a nós nos preservarmos de todo o desastre ou descalabro. Isso, ai de mim, não aconteceu aqui em toda a linha.
    Do facto, da ferida sem visível extensão de seus limites e demais danos que em si causei ou possa vir a causar, amiga Saudades, que prezo sem sequer conhecer, que ouso dizer que “conheço” sem saber o que seja não prezá-la e mais ainda admirá-la por quanto mostra, tanto pelo que tem o delicado cuidado de não desocultar – por tudo isso, e por todas as razões e motivos que eu, em minha insensatez e insensibilidade patente, me não dei ou não dê conta – por tudo isso que sei e não sei, que fiz sem querer fazer, que fazendo imaginei que não faria, por isso tudo aceite, peço-lhe, o meu pedido (aqui público) de perdão.
    Não vou dizer, como a Saudades disse ao começar (o que acho compreensível, mas começo que não é pró certo o melhor), não vou apelar, digo, ao facto de não lhe conhecer o sentir e de não a conhecer em pessoa.
    Isso são razões e motivos a que não podemos apelar para melhor considerarmos uma obra de arte. A obra nada deve ao autor senão a feliz circunstância dum ou duma série de acasos, que são o que são, isso mesmo: acasos de acontecer.
    Quanto ao resto, como diz Óscar Wilde, “o objectivo da arte é revelar a arte e esconder o artista”. Focada deste ponto de vista, alguma parcela do que aqui nos faz estar a falar agora é terrivelmente perecível: connosco vai onde formos e um dia formos, de nós ficando apenas, se ficar, o que haja logrado rasgar precisamente esse contorno que, em nós susceptível, é susceptível de ser susceptibilizado e susceptível de querer não sê-lo.
    O artista, tenho-o para mim, que muito certamente o não sou, parece-me ser aquele ser afim do que Nietzsche designa o filosofar à martelada.
    A martelada aqui é essa indefinível e indelimitável capacidade de suportar em nós a exaltação, a alegria, o demasiado ver, o inconter da desmedida das coisas, o furor que de nós se apossa, a febre que nos toma conta de toda a fibra que em nós há, o espasmo que nos aflora à boca da alma impotente, a dor de sentir tudo como ninguém sente, a angústia de não saber porque se sente até a angústia de não senti-la, a bravura de tudo ser capaz de enfrentar, a lucidez de quem vê até no que o fita aquilo que jamais verá, e tudo o que sabemos que, precisamente, faz do artista em geral, e do poeta em particular, um ser iminentemente solitário e, em muito, insólito.
    Ele é aquele a quem o mundo inteiro martela, para que não seja. E, ou ele é capaz de dar de si tudo, e mais atenção dar a si mesmo, vigiando-se enquanto olha tudo, e mais ater-se a todas as coisas do que a si mesmo, ou, creio, acabará ele por sucumbir à ilusória convicção de ser o lugar singular (que talvez seja) e excepcional (que não sei se é) a que nunca assomará assim o jovial voo de pomba, a atenção vigilante da gazela, o salto pronto da corça, o olhar penetrante da águia, a ponderação lúcida da coruja, o destemor imbatível do tigre, a força indómita do leão, o temível desígnio do elefante, a argúcia abrupta do crocodilo, a longa paciência do leopardo, a rapidez inultrapassável da chita…
    Haverá assim o artista de almejar ser fábula vivente de todos estes agires exemplares na natureza.
    Sem me deter (porque não quero hoje e aqui fazê-lo) nos diversos pontos que as suas palavras em mim suscitariam, tanto mais que se não trata do que elas em mim suscitem, mas de quanto eu em si suscitei, e não querendo sequer defender-me, porque me não estou defendendo, mas defendendo o que porventura de singular (ia eu a dizer de peculiar, não fora o desastre que tal adjectivo já hoje causou) e do que de espanto mútuo tenhamos ou houvéssemos tido de poeticamente enraizado em seu jardim, a que me não barrou entrada, antes solícita me sempre acolhendo - o que me não creio capaz de deixar, não digo esclarecido, mas tão-só aclarado (é óptimo fazer tais esclarecimentos aqui, e à janela do mundo, esclarecimentos que apenas melhor sabem suscitar ambiguidades do que pacificação e reconforto, como uma ou outra que até em si aqui se suscitaram, coisa com que, confesso, jamais me imaginaria vir a ser confrontado), isso de que falo é coisa simples e mais coisa daquela periferia do sermos humanos, onde mais as diferenças se acentuam do que esse mais comum lugar, qual seu jardim vários os tem, onde as almas se avistam, se encontram e mútuas permanecem inteiras e intactas no mútuo reconhecer de quanto de comum ou de incomum se passeia nelas por tais domínios feitos da rareza das flores e seus perfumes, tanto quanto da rarefacção dos que o visitam e ele tenham acesso, por sua mesma achada pureza.
    Quanto a nobreza de alma, se esteja a minha, bem o creio, pelos estragos nisso ferida, isso (se importa e muito) me não consola senão no verificar o que nem duvidaria jamais: que é sua alma, que não a minha, esculpida toda em nobreza, e mantém-na intacta.
    Talvez o tempo, que tudo repõe no lugar e dimensão que as coisas realmente tem, talvez o tempo faça o que tão bem sabe fazer, rasgar em nós o perdão e mostrar que por baixo da veste da ocasional e eventual baixeza, o ser humano sempre preserva intacta a divina armadura que mais brilha do que a de metal ou cota de outros guerreiros.
    Do que sinto ou sinta, não vou falar em âmbito de público confessionário, perdoar-me á. Não faz o meu estilo, se bem que fizesse as delícias de outros estilos, e se bem que a humildade que eventualmente possa em mim encontrar-se, a isso muito me auxiliaria em tal empresa.
    Simplesmente entendo que, ou falo para uma “assistência” com rosto, ou prefiro procurar o contexto e o meio que mais convenham ao recato de quem a alma abre, para que, dela exangue, a flor do ser exale os mais ignotos perfumes e aromas, ao libertar-se em tal catarse.
    Cabe-me apenas assegurar, com toda máxima clareza, que não ocorreu mudança alguma de trato para consigo, delicada amiga, e muito menos insinuações as fiz de que, como é mais do que patente desde que aqui sou assíduo, jamais alguém me viu ou leu fazer tais baixezas.
    Posso ser directo, seco, por vezes áspero, e lá o que mais eu seja, mas, acredite, mais eu devo a todos quantos meteram mão na minha educação de infante, formação de jovem e edificar do homem em, naquilo em que foram isso mesmo que eu porventura seja aqui agora tido por ser, do que quando foram doces, meigos e compreensíveis.
    Isso é, com toda a certeza, mais cataliza do que conforta e satisfaz, mas o que mais fica e é mais semente de ser melhor e mais humano vir a ser está antes do lado da lâmina da acribia, da dureza que decepa e espurga, da repreensão que corta a direito, e tudo o mais que desses espinhos dolorosos ou aspereza de casca nos dificultem o que, a bem dizer, não nos deve ser nunca facilitado. Fácil não é a vida: porque, educando-nos, nos haveriam de facilitá-la?
    Talvez eu, despretenciosamente, haja que dar outros nomes a cada maneira de eu ser e estar, aqui ou onde seja: para clareza minha e aviso de quantos me contactam ou eu aborde. Não sei.
    Não me vou esconder, igualmente, na fácil desculpa do mal-entendido, que porém aprecio que a minha amiga haja proposto como provável de ser razão do que haja aqui havido: mal entendido, afinal, é o que, quanto a mim, mais nos ajuda a entender as coisas e as pessoas. Se sempre as entendêssemos “perfeitamente” seria, creio, evidente sinal de que a partir de certa altura as tínhamos por certo começado a desentender. Se bem que (isso o pior) sem disso nos darmos sequer conta.
    Ninguém é igual dois dias seguidos: eu o não sou, nem quero ser.
    Aquele a que muitos chamam senhor, deus e rei (e com ele todos os homens mais humanos e divinos) em tudo e a todas as horas surpreendeu, exactamente porque aquele abismo de diferença para connosco não suporta nem tolera as nossas rotinas, ritos, rituais ou outras ferramentas e utensílios canhestros que apenas nos são propostas e oferecidas porque, precisamente, nós, pelo nosso lado, não conseguimos suportar o permanente diferir no estar sendo, ao modo de um fractal, duma galáxia ou dum ventre materno.
    Entre o ter ido apanhar ar e outras medicinas mais baratas e o adequar o inadequado para o que convinha convir, hei de dizer: a vacuidade de que falei, amiga, era a vacuidade de que deveria falar, essa mesma de que o a quem o texto é dedicado (o que obviamente, num contexto como este, não inibe nem deve inibir, quem quer que seja, de dizer aquilo que melhor entenda dever e querer dizer), essa vacuidade é apenas e só o que for em cada um de nós.
    Não há obviamente, por mera contradição intrínseca, mais ou menos plena vacuidade: há vacuidade. Ponto.
    O que haja diferente é o manto de torpor iludente que no-la vela, com que no-la velamos, qual no-la vela agora, daqui a pouco, amanhã ou quando seja.
    Não há padrão para o que não há meio nem medida de medir-se. Mas é isso que nos permite estar aqui a falar do que porventura não há e no limite não seja.
    Não que não seja verdade que possamos ferir-nos, mas porque essa “verdade” está apenas em nós e só permanece enquanto nós lhe permitirmos que a nós adira, em nós permaneça, em nós fique e repouse. Sem isso, tal verdade, tal ferida, tal poema, tal Saudades, tal Paulo e tal Lapdrey, não seriam mais do que poeira atómica, fumo de ser.
    Se o Divino nos “desmontasse” por inteiro, imagino eu que em cada “parcela” ele encontraria o timbre e padrão do todo único que cada um de nós é, mas lá veria também aquilo que em nenhum pode estar, porque de nenhum isso é, senão nele.
    Ali onde nos encontrámos, amiga, talvez aí mesmo nos tenhamos desencontrado…

    “A isto se chama destino: estar em frente
    e nada mais do que isso e sempre em frente.
    (…)
    E onde nós vemos futuro, ali vê ele o Todo
    e a si no Todo e sarado para sempre”
    (Rilke, “Oitava Elegia de Duíno”).

    Seja ele o anjo que ao Anjo nos confie.

    Seu,

    Lapdrey


    P.S. A todos quantos esta página de comentários visitem, peço eu que me perdoem o longo deste comentário - eu, ainda por cima, que intimamente tenho certa "embirração" pela postagem de textos muito longos, o que acho sempre que tem o efeito exactamente contrário daquele que se pretende: pôr as pessoas aqui em diálogo - de que natureza ele seja, não importa.
    Ou antes: importará apenas a quem isso, em cada caso, importe.

    P.S. Cabe dizer que propositadamente não revi estas linhas: as gralhas, omissões e eventuais lapsos denotarão, cada um a seu modo, o que seja o labor de um texto, ancorado em sangue, como este.

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  12. Caro José António Lozano,

    Obrigado pelas suas palavras sábias, edificantes e subtilmente repreensivas, que aqui me deixou. Aprecio-as, e muito as agradeço.
    Não sei se deva ficar satisfeito ou não, ou se nem uma coisa nem outra - que não sei o que tal seja: sei apenas que não sei ser indiferente nem hipócrita.
    Fico igualmente algo reconfortado que não haja compreendido as minhas palavras: eu também não, confesso(sem ponta de ironia o digo).
    Acredito que lhe fosse pesadelo estar no meu lugar, sobretudo porque me não conhece, como há aqui quem me conheça.
    Porém, logo reconheço que ninguém pode alguma vez “conhecer” alguém: somos abismos de imaginar o que somos, quando afinal tudo parece levar a crer que não somos senão um abismo em desconstrução para que um dentro e outro fora dele possam caber.
    Empresa, na verdade, de ser máscara pessoana ou de ser infindavelmente matrioska vivente.

    Permita-me a ousadia de deixar-lhe um poema de Donis de Frol Guilhade, incluído num conjunto que antoja uma série de trabalhos da pintora Lenir Witzke, subordinados ao tema "máscaras", e cujo pretexto surgiu a partir de um dos poemas ingleses de Fernando Pessoa, que começa assim: “How many masks wear we, and undermasks…”


    Almáscara

    Olha como quem não olha.
    Máscara em forma de rosto,
    aberto ao alto,
    as gregas janelas de si são como pulmões:
    do que será, no espelho mútuo
    de uma na outra.

    O olhar, fechado em si,
    entreabre-se no sorriso
    (Gioconda das máscaras)
    em chamas por dentro,
    em mudez para nós
    dominando-se entre mostrar e o ocultar-se nisso.

    Em espiral, hipnose meditativa,
    à sinistra do coração - ele próprio máscara íntima -
    mascarando o lábio no ouvir,
    são ditas por ninguém,
    junto ao ouvir interno,
    palavras indizíveis em que se constrói no que constrói.

    À direita dela, espiral mais aberta,
    no menor vórtice firma-se em trapézio -
    qual esquadro do desejo com que desenha
    a verticalidade enviesada do real - vaso inverso
    que se entorna naquilo tudo de que é feito
    e, regando-se em firmeza de alicerce, a tudo retorna do que almeja.

    Assente no fundo das águas,
    como insciente liquefazer de si,
    o prado do vivo e de todo o mais petrino imo
    ele perpassa pacífico o oceano da cadência
    de todo o ritmo, como um istmo decisivo,
    na arritmia que fundamenta, íntima, a construção das coisas.

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  13. Caro amigo José Lozano,

    Tudo isto, a propósito de um poema dedicado ao Paulo,a quem estimo(sem condições) terá sido o que provavelmente terá suscitado o "caso", tanto mais que me pareceu(naturalmente com erro meu) que teria havido uma desafinação, que, pela estima que lhe tenho, queria compensar, oferecendo-lhe a sua e também minha bandeira, na sua casa e de alma escancarada. A estética ou a qualidade artística não me interessou. E se não houve poesia, pelo menos não me haveriam de tirar a pura intenção. Mas confesso que a susceptibilidade e a reacção talvez tenha sido ampliada, pela muito boa conta, e porque não, acompanhada de grande admiração e empatia sincera pelo autor do comentário. Não venho à Serpente ser artista, dela me aproximei (quem conhece a "novela" sabe)porque o que aqui era apresentado era grande, nobre e bom e foi e é um lugar de intensa espiritualidade que prezo e defendo em toda a parte. Sabe-se lá porque chegamos e como chegamos ou as coisas nos chegam. Deixo as coisas acontecerem e faço-as acontecer. À vida e à arte dedico o meu tempo que faço livre para isso.Todo o restante é totalmente ocupado. Simpatias ou antipatias, todos as temos e temos direito de as ter. Dou o que posso, não posso nem quero ser "obrigada" a mais. Entro e saio onde e de onde estou sem peso algum, que não seja o de a mim dever a sinceridade enquanto pessoa humana e o desejo de com "máscaras" que agradam e desagradam viver os textos que também são e não são eu. Não tenho pretensões a literatices, já publiquei e já recusei publicar. Quero lá saber. Não and à procura de nada que em mim não esteja em semente a querer ser fruto.
    Não quero dizer mais nada este ano, aqui.

    Quanto a Lapdrey,

    Nada melhor do que oferecer-lhe o meu perdão e as minhas sinceras desculpas. Dizendo-lhe apenas que não há mágoa e que houve imtespestades(será sim que se diz?) de parte a parte. Sei nele um ser humano bem formado, brilhante no escrever (já lhe tinha dito que o seu "barroquismo", por vezes me desagrada?). Pois meu amigo, tudo limpo como a água da fonte.
    Digo-lhe só uma coisa, tem que haver menos emoção (como se eu conseguisse!) e domínio de quanto em comparações se estabeleça entre os que aqui colaboram. Se eu sou capaz de fazer melhor e não o fiz: paciência! Mas eu também, esteja certo, fui isso que sou no poema que dediquei ao Paulo. Sou para além das expectativas que de mim formam ou formarem.
    A riqueza deste blog é isto mesmo, catarse e ir além dos limites de tudo, o "incipit" serpentino diz tudo, e é isso que hoje, quase a passar a "continuidade" sem passagem que oferecemos ao Paulo. A Serpente é isto. Está desculpado, amigo Lapdrey, como água transparente, como água e poesia, se a houver.

    Um abraço aos dois de Saudades.

    Também não fiz revisões, escrevi directamente. Fica mais próximo, embora, menos elevado.

    Agora já brinco: queriam emoção? Cá está ela, "ao vivo e a cores" para o Reveillon, ui, em cima de uma pedra ou em nenhum lugar? Já não sei. Só lembro o que faz bem, não remoo nas feridas.

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  14. Atenção com a pessoa que estão os dois a magoar para se libertarem dos vossos excessos. Sem quê nem para quê...


    se a conheço um bocadinho já a feriram e partiram.

    Estou triste!

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  15. Grato pela sua oportuna lucidez...
    Bem haja!
    E haja um bom ano!

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  16. Esse teu silêncio é um ritual de passagem. Aqui, de passagem para muito palavreado. Em ti, espero que da melhor passagem. Que se mantenha essa abertura, essa consciência do indizível e do imprevisível, essa compreensão natural do mundo perante a qual as palavras são farrapos que se desfazem como flocos de nuvens.

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  17. Obrigado, Francisco.
    De longe, no perto te saúdo e abraço.
    No silêncio que em momento certo abraçámos na ousadia de um incerto tentame de nomear o que nome não há...
    No abismo intestino da palavra, em seus mesmos interstícios de labirinto e seus mais fracassados entremeios, aí, meu amigo, mora silêncio, bem sabemos, que cala, se cala, nos cala entre olhares e abraços, esses sim eternos.
    Em nós se entreolha e abraça isso de quanto haja e se não vê nem olha, de quem nem há ou haja toque, senão o adejo raro e sempre matinal, que no sentir se espanta com sua mesma ausência doce e seu dolorimento mais presente.
    Bem vejo, amigo de "art'antiga", bem vejo que tua poesia extravasou de seu leito, desse teu rio cujas margens eram leitos, e bem extravasaste para a melhor fala, terra firme entre margens: a do olhar no pleno silêncio, de ver o que olho não vê.
    Do extremo excesso de ser extrema no ser aquilo que se não lhe podia, ela, a poesia que nos abraçou se te calou, para mais plenamente a dizeres - com teu olhar sempre na testa de teu seres áfrica em todo o lugar - o que palavra alguma dirá, sabemos, em todo o jamais.
    E, porém... quanto as amamos, Francisco, às palavras, que me soluçam e nos lavram tessitura da alma e húmus da melhor candura que em nós haja, e por elas, ditas ou caladas, vivêramos e nelas, por vezes, morreríamos, ou algo em nós morrerá sempre, de não ser... de não sermos... do que seremos...
    ...e somos, sim... amigo meu...

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  18. Caríssima Saudades, adorei o seu poema que já havia lido num repente, em Coimbra. Foi das coisas de sua lavra que mais apreciei e fico-lhe muito grato, sem qualquer divergência.

    Peço desculpa a si e a todos pelo laconismo da maioria dos meus comentários, ou sua ausência, mas sinceramente falta-me o tempo para o que mais o mereceria, por ter de o entregar a muitas e desvairadas empresas...

    Um Ano muito feliz

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  19. Faz muito tempo que não leio um romance ... bem escrito com sabor filosófico raro nos bastidores dos textos (leia-se comentários)

    Obrigado a todos pela camaradagem, essa mais rara ainda e ainda mais filosófica.

    Ando neste barco e ainda mal vos conheço, mas valeu de todo a leitura que tomei como presente.

    Voltarei em vós

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  20. Minha cara Saudades,
    Acho que, a fazer fé nos comentários, temos matéria para um calhamaço como os do Miguel Sousa Tavares: "bestseller" garantido!

    Coitado do Saramago, o José, sabe? - que o outro já cá não está, pobre do senhor.

    Mãos à obra!
    Proposta: a Saudades escreve as ímpares (ímpar, que é) e eu as pares - par(vo) que sou...
    Valeu?

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