Qual será a verdadeira origem do trabalho intelectual?
Será que surge de alguma predisposição natural que faz com que os seus autores só se realizem inventando fórmulas, livros, máquinas, quadros, esculturas e ensaios? Porquê estas formas e não outras? Porquê não dar vazão a essa energia pura e simplesmente fruindo a beleza que nos rodeia até aos limites? Tornando-se pura receptividade e dissolvendo-se nela, transformando-se eles próprios nessa beleza beleza e deixando a beleza tornar-se neles mesmos?
Será que a arte, a ciência, a filosofia e a literatura têm ao invés origem nalguma incapacidade dos seus autores de fruirem a vida em plenitude?
Será que a inadaptação que atinge tantas "grandes cabeças" será resultado de alguma falha inata, de um qualquer defeito orgânico que os torna aquilo que são, "grandes cabeças"? Ou será resultado de uma má-vontade intríseca do "homem comum" que só pensa em satisfazer suas necessidades e curtir um lazer massificado? Da sua incompreensão e inveja em relação ao que supostamente o ultrapassa, condenando assim as "grandes cabeças" à solidão e neurose, quando não à auto-destruição?
Cuidado! Estás a ficar muito interrogativa? Qual a verdadeira origem disso?
ResponderEliminarA questão é óptima: as respostas serão todas péssimas.
ResponderEliminar“Qual é o objectivo da arte? Se a realidade impressionasse directamente os nossos sentidos e a nossa consciência, se pudéssemos entrar em comunicação imediata com as coisas e com nós próprios, julgo bem que a arte seria inútil, ou melhor, que todos seríamos artistas, porquanto a nossa alma vibraria então continuamente em uníssono com a natureza. Os nossos olhos, ajudados pela memória, seccionariam no espaço e fixariam no tempo quadros inimitáveis. Dum relance, o nosso olhar fixaria, esculpido no mármore vivo do corpo humano, fragmentos de estátuas tão belas como as da estatuária antiga. Ouviríamos ecoar no fundo das nossas almas como que uma música por vezes alegre, quase sempre plangente, sempre original, a melodia ininterrupta da nossa vida interior. Tudo isto se situa à volta de nós, dentro de nós e, no entanto, nada de tudo isto é por nós distintamente apercebido” - Henri Bergson, O Riso.
ResponderEliminarUma coisa é certa: Quanto mais lido com intelectuais, mais admiração tenho por quem trabalha com o corpo e a matéria ...
ResponderEliminarCada vez mais me convenço que os "intelectuais" deste mundo, que infelizmente governam as percepções que temos dele e são responsáveis pelo seu desencantamento, estão entre as criaturas mais doentes que existem.
Lembrem-se de Kafka, de Nietsche, de Hanna Arendt, de Marx, de Fernando Pessoa ...
Muitos daqueles que não são, ou não foram doentes, eram pessoas com profundas dificuldades para amar em plenitude ... O "nosso" Agostinho da Silva, na sua postura bonacheirona e doce, era também um homem que teve dificuldades em formar vínculos amorosos autênticos com uma mulheres, tendo vários filhos de várias companheiras, dos quais apenas um não o renegou como pai ... Ao que parecem, eles se sentiam insignificantes, uns zeros à esquerda, em relação à absorção que o seu pai dedicava ao pensamento e à escrita ... Agostinho deixou-nos um grande legado intelectual, mas a que preço?
E o Teixeira de Pascoaes? O António Sérgio? O Amadeu de Sousa Cardoso?
Não dá que pensar que quase tudo o que nos é enfiado pela garganta abaixo na escola, nos media, nos teatros e nos grémios seja produto de neuroses e complexos dos mais diversos?
Não é interessante que aquilo que muitas vezes mais idolatramos, nos dá mais enlevo e ao qual mais aspiramos seja pouco mais do que sintomas de doença que são sobre-valorizados pela sociedade?
O Bergson chama a atenção para uma coisa muito importante: Se a arte, a filosofia, a ciência e a "intelectualidadae" em geral existem, é porque talvez no fundo sejamos todos doentes ... Precisando assim dos mais assumidadente doentes para interpretar a realidade em nosso lugar ...
ResponderEliminarSerá?
Ana Margarida, experimenta a integrar a prática da 'meditação' no teu dia-a-dia, vais ver que todas essas questões intelectualizantes se dissiparão como umas meras núvens que já passaram...
ResponderEliminarfui aluno de Régio
ResponderEliminarcelibatário militante como Pessoa e outros que entendem não poder dispersar-se por ocupações consumidoras de tempo como fazer compras ou memorizar datas de aniversário da família.
são opções - felizmente válidas para a esmagadora maioria dos que aproveitam os frutos da misoginia
dos que julgam realizar-se em solidão
"Deus criara o mundo à escala humana, o artista recria-o à escala divina. A impureza da terra transcende-se à dimensão dos céus e a parte divina do homem afirma-se radical pela rejeição do que é limitado e imperfeito. A essencialidade da obra é a temerária ambição de recusar um corpo terreno para que a obra real do homem supere a realidade criada por Deus. Deus é assim acusado de nos menosprezar a nós, de não ter tido confiança na nossa capacidade de intelecção e de ter criado um mundo para a nossa suposta inferioridade mental (...). O gesto do artista corresponde assim à ambição-limite de reinstaurar Deus em si, reconduzindo-o desde onde o colocara, retirar-lhe os poderes que lhe condecera para os assumir totalmente. A pureza da arte exprime assim a afirmação do absoluto do homem contra tudo o que nele prório o não é (...). O Deus que vive no homem tem uma linguagem divina e todo o esforço do artista deve ser o de libertá-la para que só ela fale e se ouça.
ResponderEliminarMas nesse esforço sobre-humano de se voltar enfim da caverna para a luz que brilhava fora, o homem descobriu com surpresa que essa luz o ofuscou. O máximo de claridade igualava-se a um máximo de cegueira. Como na dialéctica hegeliana, o ser puro era igual ao nada (...).
A absoluta arte pura teria de ser apenas silêncio."
Vergílio Ferreira, "Invocação ao Meu Corpo"
praga.
ResponderEliminar...abençoada
ResponderEliminarPessoa e Régio como celibatários militantes? Quem sabe, homossexuais armariados, ou filhos castrados de mães com complexo de omnipotência ... talvez aí esteja a raíz do seu talento ... E da sua pouco saudável solidão ...
ResponderEliminarCaro amigo Platero, fez uma observação bastante perspicaz ... Que põe muito em questão a ideia de que intelecutais e artistas são uma suposta elite ... Quem sabe, talvez sejam uma classe de pessoas emocional e espiritualmente mutiladas, que se tornam no sopeirame da malta que depois goza o fruto do seu trabalho ... Ou é obrigada a engoli-la com óleo de fígado de bacalhau, em nome da "educação" ou da aceitação social ...
Lemos muitos livros ... Apreciámos muita arte ... Quizemos transformar o mundo à medida das nossas ideias e vejam só o resultado:
ResponderEliminarhttp://www.thebaadermeinhofcomplex.com/
Pois é, meus amigos, quizeram fazer do mundo uma obra de arte, desenhada pela régua e esquadro da filosofia e acabaram por só espalhar a morte ... Dos outros e de vocês mesmos ...
ResponderEliminarTanta moralização, tanto problema interno a resolver... Coragem, não estás só!
ResponderEliminarO que é a sanidade? Na minha perspectiva, consiste em realizar plenamente o nosso potencial mais profundo, em termos cognitivos e afectivos. Ou seja, ver a realidade como ela é, sem filtros e distorsões conceptuais e emocionais, e amar todas as formas de vida igual e incondicionalmente. Nesta perspectiva considero-me doente, com possibilidades e esperanças de cura. Quanto às várias formas que a doença ou insanidade assume, mais intelectuais, artísticas ou comuns, e ao que pensam uns dos outros os diversamente doentes, é-me absolutamente irrelevante. Não é colocar essas questões que me vai curar, pois elas fazem parte da doença de que me quero libertar.
ResponderEliminar"Intelectualidade: Benção ou praga?"
ResponderEliminarNão que se responda imediatamente... estou indeciso Ana. Benção ou praga... Não consigo enquadrar-me em nenhuma das opções. Intelectualidade: Um bem ou um mal necessário? Intelectualidade: virtude ou vício? Intelectualidade, não sei. É muito verdade quando dizes que os "grandes intelectuais" contemporâneos têm um certo je ne sais quoi de loucura, demência, etc... no quadro actual, e quando dizes que nos despejam esses autores pela goela abaixo não deixas de ter razão. É um facto. Talvez a sociedade se identifique nesses e noutros desvios racionais aceitando-os como sublimes, tanscendentais ou demasiado verdadeiros para não serem credíveis. O ser humano reconhece essa genialidade distanciando-se dela, um lugar confortável. Ao imprimir esse afastamento redescobre nesses génios aquilo que pensa não possuir, isto é, acaba-se por ir de encontro ao lugar comum, "isto só mesmo vindo desse louco(a)!" Esgares tantas vezes por nós repetido... "Eu era incapaz de escrever sobre isso"... "É-me difícil atingir essa percepção"... "Incrível, genial!"...
De que forma então é esse "génio" por nós assimilado? Penso sinceramente que de uma forma, às vezes, demasiado conclusiva. Chamamos-lhes doidos, malucos, desequilibrados, mas encontramos aí mesmo a prova da genialidade.
A própria inteligência é uma questão dúbia... Chamr-lhe-emos agora nada mais que percepção. O ser humano (mais uma vez o ser humano) possui aquilo que em ciência se denomina um limite de percepção para níveis do cógnitivo e sensorial. Sabemos que no escuro total é possível avistar a luz de uma vela até 20km! Sabemos por outro lado que o cortex não realiza duas operações em simultâneo... Como é possivel então avistar essa luz e saber ao mesmo tempo que é vela? Ou alguém nos diz e aceitamos ou interrogamo-nos e duvidamos. Agora, muitas formas existem para serem encontradas as excepções que confirmam a regra. A droga, é o exemplo clássico. Porquê? Porque modifica os intervalos da percepção. A esquizofrenia, porquê? A demência, a contemplação, a meditação são alguns dos exemplos históricos que, por intermédio de ímpares estados de consciência deixaram um legado de conhecimento para o homem dito normal, conceito ultrapassadíssimo nas sociedades imediatas.
A minha opinião, apoia-se apenas nisto, todo o ser humano tem o seu lugar cativo, tem o seu espaço próprio naquilo que denominámos como genialidade. "Neste mundo, somos todos loucos!" - a afirmação confortável.
As questões que apresentas, para as quais não me respondo, são ou nutrem o sentido da incapacidade. Não sei se me fiz entender... Estas questões são o cerne de uma dúvida ou, pelo contrário, de uma forte consciência do eu. O eu que reconhece a sua limitação em chegar mais além, o eu genial que se assume como tal.
Entretanto, para encontrar uma saída para a minha catadupa de disparates, vou, sem demoras dizer que, a genialidade é cliché da intelectualidade. O intelectual descreve-a como se a tivesse vivido, como se a sentisse, como que fazendo-se parte dela. Intelectualidade do génio e génio da intelectualidade não existem.
Outra questão levantada... citando: "Será que a inadaptação que atinge tantas "grandes cabeças" será resultado de alguma falha inata, de um qualquer defeito orgânico que os torna aquilo que são, "grandes cabeças"? Ou será resultado de uma má-vontade intríseca do "homem comum" que só pensa em satisfazer suas necessidades e curtir um lazer massificado?"... É assombrosa. Vou puxar a brasa ao meu pescado... É sem dúvida uma falha. Imagine-se um palco e no oposto a plateia... um quadro na parede e um mar de gente sobre ele debruçada... um criador de costas para a sua criação... um livro de escola ou um manual de prestidigitação?
Um abraço Ana.
Tenho a certeza que me perdi no raciocínio.
Ultimamente, a minha forma de fruir em beleza, a minha plenitude.
Viver a massificação do lazer é seguir à risca a opinião de um intelectual. Ler um livro é acrescentar um degrau à inevitabilidade. A distância compreeendida entre ser e deixar de ler...
PS Tenho pena, só consigo deixar de ler quando em férias de verão. Talvez aí o nosso lugar comum. Abstração.
Uma coisa é certa: Quanto mais lido com intelectuais, mais admiração tenho por quem trabalha com o corpo e a matéria ... (faz de conta que fui eu que o disse, em forma de desabafo)
ResponderEliminarObrigado Ana por mo teres lembrado...
(Arre!! Lá estou eu a falar de trabalho!!!)
Em geral a intelectualidade é mais uma praga que uma benção. É uma forma de vampirismo. Pessoalmente não suporto os ambientes "literários" e "artísticos". Depois de estar um tempo com esse tipo de gente um fica como se tivesse bebido uma garrafa de whisky. Mas isso não tira a verdade a certas produções. Como dizia um sábio: "Alguns são como aquela vaca que dava muito leite mas tinha o problema de dar uma pancada que atirava o balde"
ResponderEliminarUm abraço, Ana. E alegro-me de saudar-te
Que alternativa mais estreita! Será que o intelectual ou o artista não são também "homens comuns", que gostam de beber copos com os amigos, dizer parvoíces e olhar para as miúdas (ou para os miúdos)!?... Será que os "homens comuns" não podem tornar-se também intelectuais ou artistas, se despertarem para essa outra forma de se ser um homem comum!?
ResponderEliminarE porque não há-de um solitário acompanhar mais todo o mundo e um homem cheio de convívio social ser mais isolado?
São os intelectuais que governam as nossas percepções!? Como se a cultura erudita entrasse nas camadas mais profundas do psiquismo humano!...
E julgar as pessoas pelo número de mulheres que tiveram!? Isso nem a Maria da Conceição o faz!...
Questionas demasiado, Ana Margarida! E estás sempre revoltada. Saberás tu sorrir espontâneamente, mesmo em situações adversas? Assim ficas doente, miúda. Relaxa...
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