domingo, 9 de novembro de 2008

Escuta, Zé ninguém!

Há uma grande virtude em sermos governados da forma como o estamos a ser, aprendemos na pele a inutilidade dum governo. Neste momento as escolas públicas só funcionam, graças ao empenho de todos os que nelas trabalham. Só isso impede que a legislação educativa produzida nos últimos anos em Portugal produza todos os seus efeitos. Só isso impede a implosão do "sistema".
É pena que não se saiba que existem funcionários que ganham menos de 500 euros por mês e que estão numa situção precária há muitos anos. Não estão vinculados, não têm uma carreira, não podem ver a sua situação sócio-profissional melhorada, mas são submetidos a uma avaliação que não os vai beneficiar em nada. O ambiente entre os funcionários das escolas piorou muito desde que começaram a ser avaliados de acordo com as novas regras.
O mesmo se passa com milhares de professores contratados. Estão no início daquilo que deveria ser uma carreira, mas vêem-se obrigados a aceitar ordenados de 300 euros, 400 euros, enfim... Têm horários incompletos, muitas vezes longe de casa e aceitam-nos na esperança de que possam ter uma colocação melhor nos próximos anos. Esperam que a estupidez abandone a vida política. Mas a tenacidade da estupidez é a sua maior virtude. Agarra-se aos lugares. Porque a estupidez é o contrário da utopia. E esperam. E são excelentes professores, jovens e com ideais. Mas vêem-se cada vez mais nas margens do sistema. Mesmo assim, no ano passado foram "avaliados".

O que esse universo de Zés ninguém que serve de referente ao termo eleitorado, uma das palavras preferidas pelos agentes da estupidez, não sabe nem sonha é que a escola pública está a ser desmantelada. O sector que está na vanguarda desse processo é a área anteriormente designada por "educação de adultos". No que respeita aos adultos a escola transformou-se numa fraude. "Ensinar" está fora de questão e "aprender" é um verbo sem presente e sem futuro, inconjugável com a vida e com a elevação cultural dos cidadãos. "Validar competências", é esse o eufemismo que hoje serve para abrir aos adultos as portas das escolas e de uma série inenarrável de centros de formação. Aí já não há professores, mas sim "formadores". É a "venda" de certificados a pataco. Certificados de competências que, até aqui, estavam reservados aos atrasados mentais.
Há professores que se enganam. Recebem as turmas dos cursos EFA e começam a tentar ensinar, para serem repreendidos de imediato: "o que conta não são os conteúdos, mas sim as competências." Mesmo que o aluno faça mal, o aluno fez, logo sabe fazer. Imagine-se numa fábrica um operário fabril recém-licenciado em saber-fazer, completamente ilustrado em "boas práticas", tem que carregar num botão verde duma máquina qualquer, com botões coloridos. O homem em vez de carregar no botão verde, carrega no vermelho. Estraga a produção diária de coisas (pode ser de chinelos, cafeteiras, água destilada, bobons de natal, efim...). Acabará promovido porque fez o que tinha que fazer, carregou num botão. O conteúdo simbólico do mesmo é indiferente, é quase como pedir Macieira e receber São Domingos, isto se o taberneiro for "ilustrado".

Esta "lógica" vai ser aplicada a todo o sistema. Ao nível do ensino pré-escolar, a coisa ainda poderá funcionar. A inteligência dos miúdos ainda está muito acima da dos governantes, por isso não haverá por aí muito mal. Depois é que há que incutir a ignorância activa nos até há pouco tempo designados por "alunos". Como se sabe, na internet está tudo e tudo pode ser metido em portefólios. Hoje em dia, estudante que cumpra este viático de bestial a besta tem que fazer portefólios. Em vez de meter conteúdos na pinha, aprende a preparar papeladas para a reciclagem, pois temos que salvar o Planeta, e o areal da Caparica, para que os nossos filhos, se não se enganarem no orifício, poderem nascer num mundo mais porreiro do que o nosso.
Um mundo com TGVs e aeroportos da Ota em Alcochete e muita gente com licenciaturas tiradas a preceito, antes das universidades fecharem as portas.
Neste momento tenho uma aluna doente, confirmadíssimamente doente, que vai ter que se subtemer a um exame global quando regressar às aulas porque, devido à doença (já alguém viu algum exemplar do Homem Novo, ou seja, algum membro do governo, doente? Não? Ora aí está, a doença é uma coisa sem importância) faltou ao seu dever de assiduidade. Eu acho bem, porque como professor também não posso ir para casa doente. Se adoecer não poderei ser avaliado com Muito bom ou Excelente. O que é natural. Toda a gente sabe que a doença é uma coisa vergonhosa porque aumenta o défice da Segurança Social.
Mas ainda temos o Inem. É claro que corremos o risco de, se sentirmos que estamos quase a ter um enfarte, as meninas lá da central nos mandarem um barco salva-vidas. Pena é não vivermos em Veneza. Mas aí os genéricos para o reumático estariam muito mais caros. O que seria mau.
Ora, a avaliação dos professores transformou-se num processo quase kafkiano. Convém deixar o Kafka fora disto, porque algum zeloso agente do SIS pode pensar numa qualquer diatribe islâmica no seio da comunidade docente.
Em relação à minha avaliação, enquanto professor, estou à espera da anunciada quartelada para reparar as injustiças junto da instituição militar. Se a tropa conseguir sair dos quartéis sem se esfrangalhar perante a risota geral, acho que até seria bom termos um novo 25 de Abril. Se fosse em Abril, até se poderia aproveitar o feriado.
Mas há uma coisa que não entendo: não era melhor esperar pela coisa, antes de se começar a nacionalizar bancos? E não era melhor começar por nacionalizar o banco que desse mais lucros? Os senhores assessores que usam o Magalhães acho que não teriam problemas em fazer contas... Para que é que servem os Magalhães afinal?
E já agora... não podiam ter dado ao tal computador o nome dum navegador que tivesse concluído a viagem? Uma qualquer viagem? Por exemplo: Sr. António Pinto, Mestre de Cacilheiro. Hum?!
(As fotos são da manifestação de ontem, 8/11/2008, que reuniu uns 120.000 professores).

10 comentários:

  1. Estão descontentes!? Então porque é que vão para professores!? Vão para políticos!

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  2. Quem dera que houvesse mesmo 120000 Zés Ninguéns, pobres em espírito, não ricos em reivindicações... Digo isto, mas estou do lado dos professores, porque o governo e a ministra ainda se acham mais Alguém.

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  3. Estão fartos de burocracia, de preencher papéis e de não terem tempo para ensinar!? Não preencham: peçam a demissão e vão para a rua mendigar! Pode ser que a Maria da Conceição e as amigas vos dêem umas sopinhas e umas palavras caridosas. Sobretudo se se tornarem mais pobres de espírito.

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  4. Não são os professores que reproduzem o sistema? O governo, ao atacar os professores, está a derrubar o sistema. Os anarquistas tomaram conta do poder.

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  5. Sim, o governo é o maior perturbador da ordem pública. Sócrates é um anarca disfarçado e Cavaco um pós-punk apocalíptico.

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  6. Paulo, porque não pões este post na Nova Águia?

    Os comentários por aqui estão castiços...

    Abraço

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  7. Ó Paulo, achas que a Nova Águia deve ter espaço para falarmos desta governação?
    ;)

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  8. Caro homónimo, no meu entendimento a Nova Águia é obviamente também um espaço para isso!

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  9. Estes 120000 vieram para a rua porque não querem trabalhar! Nem ao Sábado.

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