sexta-feira, 24 de outubro de 2008



quantas alvoradas
nas crostas do ventre alado do vento rasteiro
e amplexo de punhal no verso de existir
quem sinta a imensidade a irromper no entre isto
no cá e lá de estar atento
quantas
as núpcias do olhar e do firmento
debaixo do chão e das contracturas dos penedos
só medos e restos de memórias de não ter sido
com sabor à crepitação das oliveiras
quando envoltas em luz do sol que as torna álgicas demoras
dum tempo enroscado aos desejos e aos bocejos das coisas enxugáveis
são rúmulos murmúrios e rumos onde a morte se torna navegável
e há um depois que não se sente
um rasgo de treva que não pertence à sorte
há o que vem no que se fica a ver
do lado de cá dos olhos com amplitudes secretas
só espaço espiralado e marulhante
temos os mares todos no estarmos acesos
todas as vidas nos sopram em metástases
estilhaços
coisas de ser e ter sido
que bailam sem se deter
além da fogueira e da perdição no coração e nas partidas
quantos barcos se nos tornam do avesso
barcas do fim e sem princípio
no lodo e na frieza de manhã
onde quer que nos vejamos como eco ou como partitura
quantas madrugadas
vieram e lavraram o nosso sono
e as mãos
essas máscaras com que criamos o entrudo que somos
asas de pomba naufragada
começo falhado de rio
enxadas que dedilham a terra
e a tornam um silêncio moldável
ficam cravadas na escuta

5 comentários:

  1. É pá, gosto muito dos teus textos e de alguns poemas, destas flores berrantes e chapadas é que não!

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  2. "O entrudo que somos" está muito bem visto...

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  3. "(...) talvez não venha a haver nenhuma distinção entre passado e futuro e presente, talvez que mortos nos sonhemos vivos / talvez que vivos nos saibamos mortos. Talvez que sobre nós pese apenas uma fatalidade, aquela de que não sabemos ou não podemos soltar a nossa própria concepção de Deus: a fatalidade de ser livre."
    Teixeira de Pascoaes, "Introdução a Regresso ao Paraíso"

    Beijo.

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  4. Também acho que escreves muito bem. De fotografia não percebo nada e a letra muitas vezes diz-me mais que as formas visuais. O meu amigo que anda sempre com a máquina fotográfica que até chateia, faz uns cortes malucos, descentra, desfoca mas eu depois até curto a cena dele.

    Júlia Gonçalves

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  5. Ó Júlia, talvez tu nos salves!

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