segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O Poeta em Lisboa


Para Paulo Borges


Quatro horas da tarde.
O poeta sai de casa com uma aranha nos cabelos.
Tem febre. Arde.
E a falta de cigarros faz-lhe os olhos mais belos.

Segue por esta, por aquela rua
Sem pressa de chegar seja onde for
Pára. Continua.
E olha a multidão, suavemente, com horror

Entra num café.
Abre um livro fantástico, impossível.
Mas não lê.
Trabalha - numa música secreta, inaudível.

Pede um cigarro. Fuma.
Labaredas loucas saem-lhe da garganta.
Da bruma
Espreita-o uma mulher nua, branca, branca.

Fuma mais. Outra vez.
Atira um braço decepado para a mesa.
Não pensa no fim do mês.
A noite é a sua única certeza.

Sai de novo para o mundo.
Fechada à chave a humanidade janta.
Livre, vagabundo
Dói-lhe um sorriso nos lábios. Canta.

Sonâmbulo, magnífico
Segue de esquina em esquina com um fantasma ao lado.
Um luar terrífico
Vela o seu passo transtornado.

Seis da madrugada.
A luz do dia tenta apunhalá-lo de surpresa.
Defende-se à dentada
Da vida proletária, aristocrática, burguesa.

Febre alta, violenta
E dois olhos terríveis, extraordinários, belos.
Fiel, atenta
A aranha leva-o para a cama arrastado pelos cabelos.

António José Forte

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