quarta-feira, 13 de agosto de 2008

SANTA MARIA DE ÉVORA


Esta é a visão de um amigo meu sobre a Catedral de Évora. Partilho-a convosco, pois sei que nessa visão está um profundo entendimento e dele guardarão o que receberão em AMOR.
A "minha" catedral continua inacabada e imperfeita. Cada coluna é uma abertura e não tem tectos...


SANTA MARIA DE ÉVORA


"Que noite gloriosa a de hoje
Cheia de anjos e de névoa
Como aquela noite longínqua
Quando vislumbrei da planície
Uma Rosa na Catedral de Évora."
W. B. YEATS

Os Corvos negros fizeram-se ouvir na Torre Sineira da Catedral Gótica.
No interior, a Luz animou as Colunas... A Senhora do Ó, o Anjo, o Grifo e a Lebre desceram dos pedestais.
O Arquitecto desenrolou o Papiro e fez transparecer a Sua Mensagem inefável... Do triforium ouviram-se sons... A Energia entrou pelas Rosáceas e encontrou-se no Centro e jorrou para cima e para os lados e para baixo.
A Torre Lanterna incendiou-se e iluminou-se nos seus oito lados.
Os Corvos, no exterior, debandaram nas sete direcções do Espaço profundo.
A Palavra, regularmente pronunciada, fez erigir o Templo e acontecer o Ritual. As pancadas soaram, a Porta abriu-se e o Neófito aproximou-se com passada cadenciada e hesitante, do Oriente. Mas não se encontrava só... a Presença do Mestre fez com que a venda lhe caísse aos pés, fazendo-o vislumbrar a Luz almejada. E a Luz era Oiro, e o oiro tinha a forma de Coração e o coração transmutou-se em Rosa, donde brotou uma lágrima de orvalho há muito depositada no seu âmago... com destino de devir e de restaurar...
Sempre os Corvos...
Sempre o Sino... o Som.
O Sentimento transforma-se em Emoção e esta galopa nas asas do Vento a distâncias inimagináveis...
Viemos através da Névoa. A alvura dos Céus que cobria os campos em movimento era fascinante. As papoilas esbatidas no branco da neblina surpreenderam a nossa imaginação...
A flor da esteva ... neve quente e perfumada.
Dádiva e aceitação conduzem ao estado de Alegria.
Santa Maria de Évora - Colunas de Pedra elevadas pelo Silêncio e banhadas pela Luz da Rosa, aquela Luz que aspira unicamente à Libertação. Elevou-se este conjunto de Harmonia e Arte através da Meditação e da Obra. Esta, resultante da Força e da Inteligência; aquela, resultante da quatrilogia simbólica e perene do «Saber, Ousar, Querer e Calar», que teve a duração de dez anos de trabalho secreto de fermentação e espera... o resultado foi a Síntese Iniciática.
Este Silêncio centenário encontra-se sempre e sempre a renovar-se ... O Sol tem a Idade de Centos e Centos de Anos, contudo todos os dias renasce...A Rosa sempre desabrocha e sempre é Fonte Emanadora de Luz, e dia-após-dia revela a Sua Mensagem de Paz, de Amor e Sageza. E a Rosa é Luz e a Luz é o Deus inominável, omnipresente e eterno tal como EU SOU EU...
Colunas de pedra elevadas pelo Sacrifício e banhadas pela Luz da Senhora e pela Luz Interna. Silêncio quase absoluto, silêncio centenar, todavia dia-a-dia renovado. Encontro-me realmente no interior do Templus Dei, no Templus-Tempus, no seio da própria Natureza Divina, tudo à minha volta, pedras, imagens, presenças e ausências, está imbuído de um Silêncio e de uma Energia tal que denuncia a própria Presença do Ser Supremo, inefável, inominável... do qual eu próprio e tudo que me rodeia, fazem parte integrante. Tudo se encontra em harmonia, dentro e fora de mim, por não haver dentro ou fora... Olho em frente e, erectas perante mim encontram-se Jakin e Boaz ... do Templo de Salomão.
Na Entrada do Claustro, perante o Apóstolo, o Tempo parou.
Eis-nos perante o Tempo-sem-tempo das Origens da Criação.
Percorro os Claustros de Pedra e de Sombras, onde a Luz se esvai nos meandros labirínticos da construção dos arcos e contra-arcos, colunas e abóbadas que suportam a perenidade da Obra.
Na Capela do Fundador, Sanctum Sanctorum do Claustro, quiçá de toda a Catedral... deparo, ao centro, na Coluna, com o Homem das Duas Chaves. O garante da Abertura da Porta. O Livro está fechado e selado. A que Portais darão acesso aquelas misteriosas Chaves Templárias? Quando o botão do lótus abrir e florescer livre e radiosamente ao Sol, o Homem, então, sairá da sua letargia e facultará a Entrada aos seus Irmãos de igual condição...
Em frente, a Senhora, de Azul e Vermelho.
Ao avançar na Sua direcção os Anjos Guardiães ordenam, em Silêncio, que me detenha... Paro.
Isis permanece com o Véu. Encontra-se Selado e Virgem, por Juramento Sagrado, a cavidade do Seu Adytum. O Menino recolhe e protege o Livro. Igualmente selado. O Fruto permaneceu Sempre no Seu Sagrado Ventre...
Contudo os Tempos estão chegados para se elevarem e retirarem as pedras e conseguirmos finalmente o acesso à PAX PROFUNDA...
Todavia os Dois Vigilantes estão alerta nos seus postos a esquadrar devidamente o Templo e o Mestre Hiram ainda não ergueu a cabeça e colheu a Acácia...
A Rosa+Cruz , presente, ao Alto... O Santo Graal, apontado, em baixo... como duas realidades da mesma REALIDADE!
Vagueio sem rumo pelos Claustros vivendo intensamente o místico ambiente emanado pela coloração, pelo odor, pela forma das pedras da construção. Por entre as arcadas góticas, ao alto - o Athanor... Os Corvos o rodeiam vezes sem conta, quiçá procurando a inevitável transmutação que, da sua negritude putrefacta atinjam a alvura e a purificação e façam parte do resultado final da Obra.
Avanço, rodeado por uma luz doirada, e as pedras brilhantes de sol e oiro tocam-me fundo e fazem-me escutar sons de recordar, e fazem-me sentir os gestos ritmados do pedreiro construtor , prenhes de intenção e de sentido quando transformavam a pedra bruta e realizavam o sonho da sua vida de labor e de oração. Pedreiros, monges, mestres e companheiros partilham, aqui e agora comigo, a minha condição de aprendiz da Arte da Vida.
Os meus acompanhantes, imóveis na sua natureza de pedra, esquadram o Claustro - S. João, S. Marcos, S. Lucas, S. Mateus - e são o suporte existencial do próprio Claustro, racionalizando e quiçá justificando a obra...
Se o piso térreo do Claustro se encontra imbuído de uma força Telúrica, em que sentimos a Terra-Mãe em toda a sua pujança criadora... ao passarmos para a claustra superior, ao aproximarmo-nos do próprio Athanor, a Energia muda literalmente de qualidade e entramos no seio da luz livre e sem reflexo. Da horizontalidade passamos à verticalidade, como o Pedreiro passa do nível ao prumo. Aí, e na base de Athanor vemo-nos perante a representação simbólica do Homem que Sabe, que Ousa, que Quer mas que Cala aos ouvidos impuros. É o Homem Peregrino em constante Demanda da Sabedoria-Sageza das Idades - o Homem montado no Cavalo Branco da Tradição Espiritual de todas as Épocas e de todas as Gentes - , aquele que activa e conscientemente contribui para a Evolução Espiritual do género humano, simbólicamente representado pelas cabeças masculina e feminina. Guerreiro por excelência, mas Templário por Via e Vocação Iniciática, guardião da Mensagem Sublime contra os perigos tenebrosos, ameaçadores da Civilização e da Humanidade.
A Iniciação Solar adivinha-se com a representação do seu Portal do Limiar. O Sol e a Lua apadrinham o Neófito sob a Arcada trilobada, nomeação de facto das três Idades do Mundo.
Athanor... o Fogo no seu interior a arder faz rodopiar o Poder contido!
Silêncio!... Num ponto do Espaço, num tempo sem Tempo, arpejos de longínquos sons... de arcaicos sentimentos... de uma Harpa... O tanger da harpa faz lembrar não sei que distantes realidades... sentidas com uma intensidade de deslumbrar e de deslumbramento. Ouvida pelo ouvido... sentida pelo sentir do baixo-ventre e traduzida pelo coração, torna-se numa e mesma realidade de re-lembrar e de re-descobrir. Os Celtas, os Druídas, os Bardos... Merlin!... Daí até à Grande Mãe abarcante e omnipresente vai um pequeno passo de infinito alcance!...
E logo, a voz humana... a Voz!... os sons de vibração circular, os jogos do sentir entre a Voz e a Harpa... os vislumbres da Memória Interna do EU levando-me até ao limiar do Eterno Presente... E logo e sempre o Fogo, a Chama... Athanor, e no seu seio ,os deuses e os Elementos... O Silêncio!
O Vermelho, o Negro, o Amarelo acompanham e aquecem todo este sentir, e ainda o Castanho e o Dourado, que me fazem filho bastardo deste tempo e filho pródigo daquele tempo do Devir que toca os confins do SER...
Olhando Athanor e adivinhando a presença sublime do seu Fogo Interior, compreendo-lhe a Mensagem de Silêncio... a Linguagem do Silêncio... Ela arde por dentro de mim, de nós, e transborda, do pequenino graal, ao meu redor, através do Olhar e do Gesto, do Rito e do Ritmo, através do Sentimento. Ela arde dentro de mim e anseia pela Demanda... Ela está presente mesmo na obscuridade mais profunda... Manifesta-se na Estrela Flamígera, a Oriente, no Templo da Perfeição.
Athanor arde e a Energia escorre e purifica à sua passagem.
É nesta atmosfera de ritmos e ritos sagrados que encaro o Mestre e Ele me confere o direito de olhar o Pergaminho dos Postulados Ocultos que reza:
1. Uma Vida penetra o Universo e o mantém em Existência.
2. O Universo fenoménico é a manifestação de um eterno, ilimitado Princípio, para além do alcance do entendimento humano.
3. O espírito (ou consciência) e a matéria são as duas polaridades da Realidade última. Os dois, com a acção recíproca entre eles, incluem uma trindade da qual procedem inumeráveis universos, que vêm e vão num interminável ciclo de manifestação e dissolução, todos eles constituindo-se enquanto expressões dessa Realidade.
4. Ao nível do macroscópio, cada Sistema Solar é um ordenado esquema governado por leis da Natureza que refletem uma inteligência transcendente. A Deidade é Lei. A Evolução impera.
5. O Espírito do Homem é idêntico, na sua essência, ao Espírito Supremo Uno. Essa Unidade, essa Alma Superior, dentro da qual o ser particular de cada homem está contido e feito uno com todos os outros.
6. A Lei é Cíclica e o Homem é o seu próprio legislador. A Liberdade e a Consciência do Homem evoluem consoante evoluir o seu auto-conhecimento.
7. A Totalidade é a chave para a compreensão do Homem e do Universo.
Assim me transmitiu o Mestre. Assim eu o transmito.
ORDO AB CHAO!
R.A.,Evora, 1994.

3 comentários:

  1. Sei que as palavras aqui são uma profanação. :)
    Isto vivo, na carne, no sangue, nas profundezas, no Altíssimo que até há pouco não acreditava que me pudesse (des)habitar, Isto, Saudades!

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  2. Ajoelho-me. Silêncio fundo.








    Escrevi-lhe já um texto desta cadetral. Em Maio.

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  3. Realmente, que grande catedral! Neste lugar se cresce.

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