Porque será que se idealiza tanto o ser-se criança, quando não há seres neste mundo que sofram mais do que as crianças - Seja pela fome e outras formas de miséria, pela exploração laboral e sexual, ou, até em meios supostamente mais "privilegiados", pelo narcisismo e estupidez dos adultos que projectam sobre elas os seus sonhos frustrados, as suas ânsias de mobilidade sociale a sombra que recusam encarar em si mesmos?
Porque será que a vulnerabilidade e a dependência são tantas vezes representadas como estados "angelicais"?
Porque será que insistimos em representar as crianças como "inocentes" e "puras", quando elas exibem, tantas vezes com orgulho, uma crueldade que na vida adulta continua a ser exercida, mas com "luva branca" e sob um manto hipócrita de subtileza e boas maneiras?
Porque será que os adultos congratulam tanto as crianças por estas estarem constantemente em vias de o deixar de o ser, e as apressam a entrar num mundo que todos eles lá no fundo se revoltam por terem sido obrigados a entrar pelas leis da Natureza e da sociedade - O dos adultos?
Porque será também que os adultos tantas vezes tendem a mostrar o seu próprio mundo de uma forma idealizada às crianças, engolindo todo o "veneno" que este acarreta?
"Que bom que gostas tanto de ler, Sara. Quando fores grande, hás de ser uma grande advogada como teu tio X e assim seres uma senhora muito importante que ajuda muita gente." - Diz um pai bem-intencionado à sua filha, sobrinha de um jurista especializado em ajudar empresas a fugir ao fisco.
"Pedro, estás um homenzinho, cada vez mais bonito e parecido com o teu pai. Espero que sigas os seus passos." - Diz a mãe divorciada e ainda amargurada.
"Ó vizinha, a Joana já é mulherzinha. Ondem manchou as cuecas pela primeira vez." - Diz a mãe a altos berros na varanda, ainda a recuperar de uma histerectomia provocada por dois miomas, indiferente ao corar de vergonha da sua filha, à beira das lágrimas por ter a sua intimidade assim exposta.
Pode-se ver assim e é verdade... E também se pode ver neste dia a comemoração da saudade adulta de um mundo perdido, real e simbólico, de despreocupação e fantasia... pelo menos quando a infância é minimamente feliz... E é igualmente verdade...
ResponderEliminarCreio que se pode constatar que a existência implica sofrimento, mas creio ser difícil dizer quem sofre mais: como se podem comparar sofrimentos ?
Creio que é mais fácil a um adulto do que a uma criança desembaraçar-se daquelas situações de sofrimentos que são evitáveis.
ResponderEliminarA criança é um ser economica e legalmente dependente, e a dependência cria vulnerabilidade, o que por sua vez torna mais difícil o escapar a situações abusivas.
O melhor da infância é realmente a despreocupação e a fantasia, quando estas são permitidas e se mantêm livres da interferência dos adultos.
Além disso, quando há fome^, violência ou uma catástrofe natural, são as crianças que morrem primeiro e em maior número devido à sua vulnerabilidade física.
ResponderEliminarCara Margarida,
ResponderEliminarNão sei se a verdade tem duas faces ou se é inteira,sem ladospor onde se mostre a "verdade" sem que deixe de o ser.
Na linha dos seus problemas sociológicos, de um dos ângulos em que os vê, a sua verdade magoa, e efectivamente há crianças e adultos infelizes. A infância deve ser lembrada e brindada como todas as idades da vida, que é una, mostrando múltiplos aspectos.
A existência, estou completamente de acordo com o comentário do Paulo Borges,implica sofrimento. É a nós mesmos que cabe divulgar a ideia de que poderia não ser assim...se todos estivermos prontos
para passar uma outra mensagem.
De tão repetida, quem sabe não seja possível minorar as causas e os efeitos dessa realidade.
Um abraço forte
Boa Tarde Ana,
ResponderEliminarÉ-me difícil aglomerar indistintamente as pessoas, como num rebanho, as crianças ( os adultos, os pobres, os ricos, os professores, os políticos…)... Que sabemos nós da vida de cada uma delas? O que significará para cada uma delas determinada situação de desconforto, desagrado, injustiça? O que significará para cada uma delas um certo brinquedo, um livro, um abraço? Qual a função de cada uma destas situações?
Não é preciso perguntar?
Pergunto-me,
o que significa a vida da criança que fui? Que criança habita ainda as minhas memórias? (Onde me levam elas? O que descubro através delas?) Poderei salvá-la da repressão e da humilhação? Ou libertar-me dela?
Poderia ter sido outra criança que não a que fui, com menos regalias, sob menos autoridade… (possivelmente para tal teria de ter nascido outra, com outro destino, com outras combinações genéticas, cósmicas..) Mas para quê ser outra? ser mais bonita, ser mais solta, ser mais feliz? Não quero ser outra coisa que não o que me trespassa este corpo do espírito. Haverá outro caminho para a liberdade?
Porque haveremos de não querer estar na nossa pele? É porque nos dói? Mas o que é que nos dói de verdade? E porque é que nos dói de verdade?
A singularidade é a única coisa que temos em comum. Como lidar com a singularidade na colectividade? Como olhamos cada indivíduo?
procura na wikipedia a palavra melotonin, ou pineal gland . .
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