domingo, 8 de junho de 2008

pergunta

(a António Quadros)

*

Na cela onde medito,

Erodindo-se a vida,

Recordo, e deixo escrito

O enigma da partida.

A própria situação

Em que me encontro agora

É de luz e prisão,

É de mágoa e de glória.

O respirar é brando

E revulsivo o olhar —

Ainda vislumbrando

Perigos sem lugar.

A terra que murmura

Abraçando os sinais

De uma noite escura,

Esfuma-se no cais...

Tudo se depura.

Sobe a voz ao vento

E trémula, insegura –

Na canção do tempo

O silêncio escoa –

A boca se esvazia

E — leve — a coroa

De espinhos caída.

O som de uma pluma,

Nem tanto, falava,

Arcaico, e nenhuma

Palavra se escutava.

Contemplo-me, calmo,

A respirar calado.

Ouço-me, sossegado:

Já não posso dar-me...

E, porém, a luz

Que diviso agora

Nem sequer reduz

A beleza da hora.

Vejo a longa sala

Com as almas dentro:

Ora ocas de gala,

Ora em pensamento...

E porém o peso

Que me fecha os olhos

Não o sinto ou penso:

Pára-nos, e foge-nos.

Cinzas do apagado

Fogo se atearam

E é só luz a chama

Do espírito no ar:

Já não anda cego

O navio, fica

Vazio; surpreso,

O enigma não

Se explica.

O lábio está preso

À porta fechada;

A cela onde rezo

Esfria, abandonada.

Mas quem é que fala

Commigo e, ao sê-lo,

Porque não me cala?

Porque vou sabê-lo?

...

Depois era o céu

Límpido do sul

Delido no seu

Infinito azul.

4 comentários:

  1. Um abraço, Francisco, de infinito azul de céu e mar... De memórias que alimento nas salas vazias por onde o meu pensamento andou perdido.

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  2. A cela onde leio traz este belo som de antes. Soantes. E é infinito o seu sopro.
    ...Depois era o som límpido de Antes delido no seu
    Infinito Silêncio...

    Depois de o ler, na cela onde leio, entra a Beleza.
    Olho-a para que ela apague tudo e deixe de novo ouvir o que foi soprado.
    Obrigada

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  3. Belo poema ! Grato e um abraço, Francisco.
    Resistes a Angola ou ela inspira-te ?

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  4. Obrigado pelos vossos comentários.
    Paulo: estou em casa. Espero que nos visites aqui um dia destes. Com a Nova Águia nas mãos.

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