terça-feira, 10 de junho de 2008

INEVITÁVEL



O Verão cria sombras de nostalgia

embebida pela cítara

em mangas de camisa,

daqueles tempos em que era tudo a brincar.

As épocas que passam subtis,

mal delimeadas,

sem motivo de maior,

numa suave liberdade perdida

à deriva...

O prazer de fazer algo pela primeira vez

não embrutecido pela rotina da vida.

A certa altura

não passa duma reposição melancólica

do que foi a nossa juventude,

daqueles últimos dias de aulas

telefonava-se aos amigos e

estávamos vivos;

explorando as ruas da cidade,

esquecendo a saudade,

conversava-se vagamente

sobre o que nunca interessou.

Como antigamente,

como enxames de vespas aprendendo a dançar

sugando o sangue do dia até ao auge,

sem limites.

Nunca se tinha razão (tão novo)

e era tão bom (desde que o espírito não desfaleça)

foram os melhores tempos,

partilhando as primeiras cervejas

imaginámos

um futuro que não era suposto chegar,

perdeu-se a benção da ignorância.

Sofres agora as consequências

do que deixaste andar.

Os pais deixaram de se preocupar,

sentes um estúpido desejo de os beijar,

os galos ficaram roucos de cantar,

já não se sentem obrigados a acordar;

já ninguém te arranca

do inviolável tecido dos lençóis

gritando que estás atrasado,

nem te examina os olhos

refutando que estás drogado.

Nunca mais

pudeste gozar com a cara aborrecida

dos teus amigos de turma

que já nem reconhecerias,

(com quem muito viveste

o quê? Não te lembras

mas sabes que fez sentido).

A adrenalina de quebrar as regras,

as escolhas impostas,

as experiências que nos ensinaram a recuperar,

a ver o óbvio de outro modo,

no conforto do hábito no contrabaixo do tempo

pessoas que se perderam,

oportunidades que morreram,

sempre os remorsos que pressistem e

mais uns quantos anos que passam.

Nada a fazer,

como aproveitar?

Mais tarde serás tu a reprimir novos escândalos

naquela íris da expectativa

inculcando que não se é optimista

para sempre.

As memórias prevalecem,

acordadas ou em coma,

reconhecendo o passado,

chorando o futuro,

sabendo do inevitável negro percorrer das Primaveras,

suspirando tantos translúcidos sorrisos do que não voltará a ser

porque adormeceste

ou viajaste pelo mundo até perderes o folêgo.


in S&M (sem-nome & mal-dito) 2002


a ler:
- glândula pineal
a ver:
- todos os videos deste senhor www.youtube.com/soundlessdawn.com

9 comentários:

  1. Revejo-me em grande parte do poema. Uma certa nostalgia do que não volta, boas memórias, riso, tudo. No que a vida se tornou.

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  2. Não sei se é tanto um manifesto anti-adultice como um manifesto pró-adultice, o adulto a rever o que um dia foi.

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  3. anti-, estar contra, ser oposto, complementar.

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  4. só que o escrevi quando tinha dezasseis anos :)




    quET

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  5. Parabéns, gostei muito. Como te disse, revejo-me nele, tenho ideias parecidas.

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  6. Que comentários tão tótós para uma foto e um texto tão interessantes !...

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  7. a foto é de jan saudek

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  8. Não sei se conheces outras versões mais "amadurecidas" e mais "duras" desta fotografia como parecem ser "Oh, those fabulous F. Sisters!" ou "Czechoslovki, Women of all Kinds" entre outras…

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