O Verão cria sombras de nostalgia
embebida pela cítara
em mangas de camisa,
daqueles tempos em que era tudo a brincar.
As épocas que passam subtis,
mal delimeadas,
sem motivo de maior,
numa suave liberdade perdida
à deriva...
O prazer de fazer algo pela primeira vez
não embrutecido pela rotina da vida.
A certa altura
não passa duma reposição melancólica
do que foi a nossa juventude,
daqueles últimos dias de aulas
telefonava-se aos amigos e
estávamos vivos;
explorando as ruas da cidade,
esquecendo a saudade,
conversava-se vagamente
sobre o que nunca interessou.
Como antigamente,
como enxames de vespas aprendendo a dançar
sugando o sangue do dia até ao auge,
sem limites.
Nunca se tinha razão (tão novo)
e era tão bom (desde que o espírito não desfaleça)
foram os melhores tempos,
partilhando as primeiras cervejas
imaginámos
um futuro que não era suposto chegar,
perdeu-se a benção da ignorância.
Sofres agora as consequências
do que deixaste andar.
Os pais deixaram de se preocupar,
sentes um estúpido desejo de os beijar,
os galos ficaram roucos de cantar,
já não se sentem obrigados a acordar;
já ninguém te arranca
do inviolável tecido dos lençóis
gritando que estás atrasado,
nem te examina os olhos
refutando que estás drogado.
Nunca mais
pudeste gozar com a cara aborrecida
dos teus amigos de turma
que já nem reconhecerias,
(com quem muito viveste
o quê? Não te lembras
mas sabes que fez sentido).
A adrenalina de quebrar as regras,
as escolhas impostas,
as experiências que nos ensinaram a recuperar,
a ver o óbvio de outro modo,
no conforto do hábito no contrabaixo do tempo
pessoas que se perderam,
oportunidades que morreram,
sempre os remorsos que pressistem e
mais uns quantos anos que passam.
Nada a fazer,
como aproveitar?
Mais tarde serás tu a reprimir novos escândalos
naquela íris da expectativa
inculcando que não se é optimista
para sempre.
As memórias prevalecem,
acordadas ou em coma,
reconhecendo o passado,
chorando o futuro,
sabendo do inevitável negro percorrer das Primaveras,
suspirando tantos translúcidos sorrisos do que não voltará a ser
porque adormeceste
ou viajaste pelo mundo até perderes o folêgo.
in S&M (sem-nome & mal-dito) 2002
a ler:
- glândula pineal
a ver:
- todos os videos deste senhor www.youtube.com/soundlessdawn.com
Revejo-me em grande parte do poema. Uma certa nostalgia do que não volta, boas memórias, riso, tudo. No que a vida se tornou.
ResponderEliminarManifesto anti-adultice.
ResponderEliminarNão sei se é tanto um manifesto anti-adultice como um manifesto pró-adultice, o adulto a rever o que um dia foi.
ResponderEliminaranti-, estar contra, ser oposto, complementar.
ResponderEliminarsó que o escrevi quando tinha dezasseis anos :)
ResponderEliminarquET
Parabéns, gostei muito. Como te disse, revejo-me nele, tenho ideias parecidas.
ResponderEliminarQue comentários tão tótós para uma foto e um texto tão interessantes !...
ResponderEliminara foto é de jan saudek
ResponderEliminarNão sei se conheces outras versões mais "amadurecidas" e mais "duras" desta fotografia como parecem ser "Oh, those fabulous F. Sisters!" ou "Czechoslovki, Women of all Kinds" entre outras…
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