sexta-feira, 2 de maio de 2008

"Vocês aí dentro são muitos ?"

"Vocês aí dentro são muitos ?": palavras de um internado no Hospital Júlio de Matos, dirigidas através das grades a um transeunte.

13 comentários:

  1. Essa frase é ainda melhor do que o filme "Voando Sobre Um Ninho de Cucos".

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  2. Recordo que Pascoaes viu Portugal como a terra da Bruxa e da Loucura, por contraste com a Grécia, pátria da Deusa e da Razão.

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  3. O que é a normalidade?
    Onde está a Loucura?
    Os loucos são "vocês aí dentro" ou os que comigo habitam o Júlio de Matos?

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  4. A tradicional imagem da Grécia como a pátria da Razão não passa de uma interpretação moderna, iluminista e idealizada. Essa Grécia racional é uma invenção do Ocidente científico que nos impingem na escola e na universidade.
    A Grécia é a pátria do espírito criativo, do ritmo, da música, da dança, da poesia, do erotismo, do excesso transbordante. Logos não é só ratio; ratio é somente uma parte do logos; logos está cheio de criatividade; filosofar é criar! Atena trabalha ao tear, faz tapeçarias de beleza inigualável... Os modernos é que transformaram a lógica em frio exercício calculador e acharam que os gregos eram umas máquinas racionais como os alemães. A Grécia é a pátria da loucura e do êxtase, olhem para a Pítia! Nós é que continuamos a compreendê-los através da mentalidade romana, moralista, organizadora, calculista e utilitária; só um romano é que poderia traduzir logos por ratio; o logos também tem a sua saudade!
    O grego é um sátiro, um esteta, um amante dos prazeres da vida! No "Sympósion" estão todos bêbedos e ressacados da festança, mas estão a fazer grande Filosofia, Filosofia imortal, ora essa! E há ali homens que se abraçam, que se beijam, que fazem amor... Quem é que inventou essa blasfémia de que o espírito dionisíaco é avesso à mentalidade grega? Ele pode ser avesso à nossa mente cristã, toda muito angélica e casta, mas nunca à mente pagã, exuberante, livre, alegre, cheia de vitalidade, de sensualidade, de cor, de força, de vigor, de energia, de ritmo, muito ritmo! Eram loucos os gregos, sim, porque eram também grandes ascetas, atletas, guerreiros, navegadores... Mas Aquiles e Ulisses também dançam! Vidas plenas, aquelas, uma cultura coroada pelo Espírito Criador!
    Quem quer compreender o que é a Grécia deve olhar é para o Oriente pagão, não para o Ocidente cristão.

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  5. A minha avozinha de 90 anos uma semana antes de partir perguntava à minha mãe: Ó Luisa, eu ainda tenho mãe?
    A doçura da velhice e da loucura é intransponível.

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  6. Há muito de verdade na Grécia dionisíaca, mas o facto é que sempre houve nessa mesma Grécia uma forte tendência etnocêntrica para se considerar a terra do Logos e aos outros como bárbaros... Dioniso não deixa de ser o deus "xénios", estrangeiro, que vem de fora. Leia-se "As Bacantes", de Eurípedes. Leia-se também o comentário do neoplatónico Proclo ao "Timeu", de Platão, e veja-se a interpretação que faz do confronto entre Atenas e a Atlântida como o confronto entre a identidade e a medida divina e a alteridade e a desmesura demoníaca, ligada ao finisterra oceânico e atlântico, os confins do mundo conhecido que as culturas clássicas temiam e representavam ambiguamente, como lugares edénicos mas também de punição infernal... Pascoaes captou bem essa matriz grega do racionalismo posterior. Eudoro de Sousa também, ao mostrar que na Grécia, contra a tradição cretense-oriental, se dá a emergência do antropocentrismo que vem até aos nossos dias. Continuo a pensar que a Terra das Serpentes e Portugal, seu descendente, são uma das emergências do fundo arcaico que os gregos rejeitaram. Oceano, Poseidon, onde os nautas camonianos encontraram as ninfas e a Ilha dos Amores, é o principal inimigo de Ulisses, que rejeita a imortalidade oferecida por Calypso por nostalgia de Penélope e da pátria humana.

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  7. Somos da terra das serpentes/
    Da desmesura do naufrágio e da loucura/
    Somos do mar/
    Desse eterno oceano
    Onde os sonhos são nau
    E o amor caminho/
    Somos deste húmus deste chão/
    Lambido pela babugem do mar/
    Amado pelas deusas do choro e da alegria/
    da tempestade e de bonança/
    Somos do fundo oceânico da vida/
    Da terra da saudade/
    Do mapa da partida/
    Nas ondas revoltas
    É onde voam
    as gaivotas e os sonhos/
    País de rosto ausente/
    A velar o mar/
    A sonhar as viagens por fazer/
    País de dentro e de fora/
    Pátria de águias e serpentes/
    País com chão de poetas
    E razão de sã loucura.

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  8. É verdade, Paulo, muito bem visto. Mas... continuamos, na minha opinião, a concentrar demasiado a nossa atenção na Grécia ateniense do século de Péricles. Ensinam-nos a passar por cima da época alexandrina e a olhar para o helenismo como um período decadente, quando é precisamente nesse momento que, ao dar-se o encontro com as culturas orientais a cultura grega se torna realmente universal. A oposição gregos/bárbaros é típica da Atenas democrática, mas foi superada no período helenístico,em que surge um forma de espiritualidade ecuménica, inter e transreligiosa, que ainda não aprendemos a compreender. O modo como olhamos para a cultura clássica é sempre condicionado pela mentalidade da época a partir da qual se faz esse olhar retrospectivo, e só agora estamos em condições de começar a poder compreender o que foi o helenismo. A forte identificação e admiração do Ocidente pela Grécia dos séculos V e IV a.c.(virada sobre si própria) tem-nos impedido de alcançar um classicismo mais vasto, do qual derivaram o imperialismo romano e o catolicismo; o sentido que Agostinho da Silva recupera para este último tem um pendor, quanto a mim, claramente helenístico... De qualquer das formas, julgo que a universalidade de qualquer cultura se encontra no tratamento do dionisismo, e o Luso é, como sabemos, descendente de Baco...

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  9. Nós que esquecemos o que é dentro e fora e fomos sempre donos da razão da nossa loucura vemos mais longe. Para além dos continentes e das fronteiras,voamos na direcção do novo, sem medo de perdermos o húmus deste chão e qa raíz que nos sustenta. Somos antigos, por isso sábios do mistérios do tempo que se ocultam e revelam em cada nova era. Em cada nova regeneração.
    Somos da grécia e da África, dos deuses claros e dos obscuros céus; somos do Oriente, do sol nascente e do sol poente. Somos donos de nós em vontade de estrumar o chão de novas descobertas.

    Somos uma raça que se vê melhor misturada em outros sóis, em outros e diferentes vôos. A nossa realização não se mede na espera da recompensa do Mundo. O nosso sonho é de que o globo e a coroa assentem na cabeça de uma águia de melhor voo, que abranja no seu olhar os céus e os mares que percorrem a terra, para os juntar no vasto oceano do plural que nos é,no peito e no corpo, um promessa que todos sabemos.

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  10. " No jardim, um velho e a sua mulher: Isto tudo é uma ilusão por não sabermos quanta verdade no que dizemos e pensamos. Douta ignorância a do velho": SMS que me foi enviado por um amigo há uns tempos.

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  11. Caro João Beato, inteiramente de acordo ! Há que recuperar o "estilo alexandrino" de que fala Jean-Yves Leloup na abertura de "Manque et Plénitude": "Alexandria é o mito de um encontro possível das culturas e das civilizações "sem confusão nem separação"" (p.8). Creio que estamos a convergir para uma nova época helenística e que o melhor do espírito luso-português é uma vanguarda nesse sentido.
    E saúdo a visão dos "Olhos de Águia" !

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  12. somos mais que muitos... e aos olhos do louco, a loucura está em nós...

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  13. "Temos diversos Relógios bem curiosos, e outros que desenvolvem Movimentos Alternativos... E temos também casas de Enganos dos Sentidos, onde realizamos com sucesso todo o género de Manipulações, Falsas Aparições, Imposturas e Ilusões... São estas, meu filho, as riquezas da Casa de Salomão."

    (Francis Bacon, New Atlantis, ed. Rawley, London, 1627, pp. 41-42)

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