sexta-feira, 7 de março de 2008

É possível escapar à sombra. Basta não te acrescentares à transparência

8 comentários:

  1. Insustentável, insustentável a leveza do ser...sem ser a do Kundera também se diz assim nas páginas de uma autora desconhecida:
    "Em cima da ponte, a meio da passagem, inundada pela inocência do devir, recebendo o Sol pujante, poderoso, imperial, nas costas encostadas à janela, em pé, de pé, sente as mãos do Sol prendendo de novo as asas translúcidas. [Basta não te acrescentares à transparência...]Os raios como mãos primeiras, que um fundo em nós também chama parteiros. Os raios deram-nos à luz, dão-nos luz. Um rasgo. Um clarão. Um incêndio. Uma chama. A chama. As asas que Ícaro desejou. Qualquer coisa de ténue, de transubjectivo se movimenta no invisível preso às asas. Agita-se o movimento das águas. O rio move-se nela. Já não há rio. Nem ela como "eu". Um suspiro fundo. Um respirar mais lento, mais interior, mais soletrado até ao fim e ao desaparecimento da sílaba e sabe, num instante brevíssimo, para a sensação plena, que não há saber, não há nada de isolado, de adjacente. É um esvair-se. Um momento de repetição desse respirar aquecido e movido e não voltaria a ser.A fugaz metamorfose da chama e do que chama para o não ser, ou outro do ser? Ter sido? As asas como forma translúcida do corpo. Não ser, visitar. Não falar, anunciar. Não estar, atravessar. Percorrer a inocência do devir. Ela sucumbiu uma vez mais à sombra. O corpo não recebeu mais nem a luz, nem o movimento. Automatizou-se. Foi. E na sombra tudo foi sombrio e frio. O brio do frio tornou-a uma estátua. Uma estátua de gelo."
    In, diário de uma mulher sem mundo e guardada nas páginas de um livro. Experiência velha e antiquíssima de quem aprende a não ter tempo, a perder o tempo.

    ResponderEliminar
  2. E verdade. Quantos mais uma pessoa faz a cisao entre "bem" e "mal" e tenta a todo o custo por-se do lado do "bem", mais alimenta a sombra. os resultados estao a vista: Fundamentalismo religioso, guerra, exclusao e os nossos proprios preconceitos e egocentrismo.

    ResponderEliminar
  3. Isabel, que grande texto ! É seu ? De quem é ?

    ResponderEliminar
  4. Pensamento do dia

    Vivo numa casa.
    Essa casa tem um muro alto.
    No interior há um pátio...
    No pátio há um limoeiro
    As folhas do limoeiro desenham sombras
    no muro branco...

    Nem o muro foge da sombra
    Nem o limoeiro foge do Sol
    De súbito, umas asas rápidas e negras
    rasgam a sombra do muro
    Aí eu vi e disse:
    - Começou primavera!

    Lá fora do muro da casa
    Está uma estrada e árvores no passeio
    Um homem passa e vê o muro branco
    E pensa, enquanto caminha:
    - Olha um muro branco
    E não pensa mais nada.

    Mas a sombra das árvores do passeio
    Do lado de fora da casa
    Que não pensam e são opacas
    Refectem, à tarde, as suas sombras
    No muro branco
    Da minha casa...

    Eu passo e vejo a imagem:
    As sombras das árvores de fora


    Unirem-se no desenho exacto
    das folhas do limoerio de dentro.
    Então eu penso...

    Não será isto transparência?

    ResponderEliminar
  5. Caro obscuro, saúdo a tua visão súbita, embora não me pareça que a coincidência das sombras seja a sua transparente ausência. Do mesmo modo que a coincidência dos opostos não é a sua transcendente ausência: quando muito o seu sinal, para a nossa obscuridade. Um Abraço e a minha gratidão pela tua tão fecunda participação no emplumar da Serpente.

    ResponderEliminar
  6. Caro Pulo Borges,

    Obrigado pelas suas palavras. Vamos ver se consigo racionalizar.
    A minha visão não remete para a coincidência entre as duas falas presentes: a do seu post e a visão súbita do obscuro. Talvez remeta para uma outra e contrastante visão. Um contraponto, uma outro modo ou apresentação do problema. Também não remete para a «coincidência dos opostos», pela razão de que uma visão é sempre um sinal e esse sinal nunca é uma ausência. Diz bem que «a coincidência dos opostos não é a sua transcendente ausência». Não concebo uma transcendência contendo opostos (filhos da cisão), senão nos limites da definição, do que é mensurável, do dividido, dos sinais, enfim, do humano. - A linguagem poética, porque também profética, ajuda à aproximação - A transcendente ausência, é o Nada. E se não existe verdadeira distinção entre o Nada e o Todo, a não ser partindo do nosso mesmo pensamento cindido e de artifícios racionais ou diferentes interferências tradicionais para a questão que interessa, a «transcendente ausência» passa a ser o Todo. Não sei se me estou a exprimir claramente…
    A ausência a que aspiramos é sempre um verbo saudoso. O que havia antes da queda e da cisão é sempre a questão que a cada um, por caminhos diversos - nem tão opostos…- que se apresentam ao caminho, compete encontrar. Fico contente por partilhar a minha visão e por dar sinal da nossa obscuridade.
    Se "inexistimos" para escapar a sombra que é o mundo, a transparência é a ausência... Se somos ausência e o mundo(o real) é ausência, pelo sonho é que vamos!
    Vou escrever um poema, está um dia lindo e pensar cansa.:)

    Um abraço

    ResponderEliminar
  7. Ser com a transparência
    É não ter sombra
    É ser e não ser
    É não trazer os grilhões do ego
    a projectar sombras na sombra


    É ser com o outro

    Um coro de luz...



    Já me sinto menos obscuro :)

    ResponderEliminar
  8. Generoso leitor:
    em nome da autora desconhecida desenho na escrita, e na escrita do rosto muitos sorrisos de agradecimento. Este parece um bom encontro: entre a autora desconhecida e o leitor, desconhecidos e só leitores. Ambos o são, desconhecidos, um para o outro. Esta é a a irmandade, a mais nobre, a mais desterritorializada aliança. Porque o encontro entre o autor e o leitor é um acontecimento na transparência das almas. Bom domingo e boas leituras.

    ResponderEliminar