Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
domingo, 9 de março de 2008
Casa (2)
A sua casa era em lugar nenhum, em tempo algum; no silêncio que no entanto se manifesta.
Cansada, exausta, tonta pelo absurdo do mundo, sento-me convosco na Loja para construir o Templo Etéreo, o Templo que nunca acaba, a Casa Comum de toda a Humanidade. Não me julguem, Irmãos, por trazer comigo o meu cansaço, a minha angústia, o meu sentimento de estranheza. Por o trazer estampado no rosto e nas palavras, os olhos se fechando de cansaço, lágrimas retidas por pudor, para vos poupar à minha solidão e à minha saudade.
Falamos em colunas, em rituais, em princípios, em degraus de sabedoria que começam na palavra escrita e acabam no que dizem ser um pináculo de perfeição, a Torre do Templo.
Dizem que a beleza é equilíbrio, mas eu encontro maior beleza na desmesura.
Dizem que virtude é contenção e que impera entre nós o Amor Fraternal, mas eu só sinto que amo verdadeiramente alguém quando recebo a oferenda das suas lágrimas, da sua fragilidade, da consciência da sua imperfeição e finitude.
Gostaria tanto, Irmãos, de sentir o pulsar das veias que se resguardam por detrás dos aventais, dos passos medidos, dos rituais ensaiados até à perfeição formal.
Gostaria tanto que me oferecessem um pouco da vossa frágil e terna humanidade, para que tenha então a certeza de que o Amor que impera entre nós tem mais substância do que as palavras ensaiadas que se repetem cada vez que nos encontramos.
Para ter a certeza de que a casa que partilhamos é uma casa feita de carne, e não do frio mármore de colunas.
Pois a maior lição que tenho tirado do nosso trabalho é que o essencial da vida é desenvolver uma visão pura, a compaixão e o amor incondicional por todos os seres.
No entanto, será que são precisos templos de pedra, rituais centenários e uma progressão de graus para chegar a essa conclusão?
Especialmente visto que todos os edifícios, sejam eles materiais ou etéreos, acabam mais cedo ou mais tarde por ruir?
Prefiro o calor de um coração que se consome na sua própria chama do que o mármore dos corpos que se transformam em templos ...
Vocês, humanos são mesmo um fartote de riso. Ora se queixam de ter casa e não poderem a deambular pelo mundo inteiro porque têm empréstimos para pagar, ora se queixam de não ter casa e por isso terem de viver à pala dos familiares ou numa pensãozeca qualquer, ou andam por aí a engendrar "templos etéreos" ou a ganir for um cafofo no que vocês chamam de "infinito" ou "incriado".
Tantas complicações para quê, rapaziada? Olhem para nós: Basta uma lata de lixo cheia de espinhas de bacalhau ou o cantinho do sofá mais aquecido com os vossos peidos que estamos confortáveis, felizes e a ronronar que nem o motor de um Ferrari.
A própria ideia de casa é fruto da separação e sedentarização do ser. As línguas portuguesa e castelhana assinalam isso na etimologia de "ser" a partir do latino "sedere": estar sentado, residir em, estar assente sobre. A ideia de casa, com o chão, paredes e tecto que implica, é sempre um projecto do ego que se tenta proteger e resguardar do espaço infinito que em si ignora ou rejeita.
"O abismo é o muro que tenho / Ser eu não tem um tamanho" - Fernando Pessoa. Creio que isto se aplica tanto ao corpo como à mente, que são inseparáveis. Mas de facto o corpo parece ser espacialmente finito, a não ser que não nos identifiquemos com ele e antes com o corpo da totalidade, ou a não ser que encontremos o mesmo espaço infinito no interior deste corpo aparentemente sólido: por exemplo, decompondo-o nas suas partes constituintes, será que encontramos alguma coisa de sólido, que por sua vez se não possa decompor mais, até ao infinito ?... Não se resolve tudo em insubstancialidade: pele, carne, sangue, ossos, tendões, músculos, medula ?... Não na morte, mas agora mesmo ?... Não é isto o infinito em nós ?
"Mas o meu corpo é (espacialmente) finito. Onde é que está o infinito em mim?"
E quando te olhas ao espelho, onde está o eu em ti? Nos olhos, nas pálpebras, nas bochechas, algures nas gengivas?, ah!, já sei, está no cérebro, aí sim, vive o Amarelo e o Azul!!! Numa célula qualquer que por acaso não é amarela nem azul. Aí vive a beleza da música de Wagner, a doçura das ondas do mar, a alegria do vôo do pássaro. Nessas células que não têm ouvidos, nem línguas, nem sorriem...
Cansada, exausta, tonta pelo absurdo do mundo, sento-me convosco na Loja para construir o Templo Etéreo, o Templo que nunca acaba, a Casa Comum de toda a Humanidade. Não me julguem, Irmãos, por trazer comigo o meu cansaço, a minha angústia, o meu sentimento de estranheza. Por o trazer estampado no rosto e nas palavras, os olhos se fechando de cansaço, lágrimas retidas por pudor, para vos poupar à minha solidão e à minha saudade.
ResponderEliminarFalamos em colunas, em rituais, em princípios, em degraus de sabedoria que começam na palavra escrita e acabam no que dizem ser um pináculo de perfeição, a Torre do Templo.
Dizem que a beleza é equilíbrio, mas eu encontro maior beleza na desmesura.
Dizem que virtude é contenção e que impera entre nós o Amor Fraternal, mas eu só sinto que amo verdadeiramente alguém quando recebo a oferenda das suas lágrimas, da sua fragilidade, da consciência da sua imperfeição e finitude.
Gostaria tanto, Irmãos, de sentir o pulsar das veias que se resguardam por detrás dos aventais, dos passos medidos, dos rituais ensaiados até à perfeição formal.
Gostaria tanto que me oferecessem um pouco da vossa frágil e terna humanidade, para que tenha então a certeza de que o Amor que impera entre nós tem mais substância do que as palavras ensaiadas que se repetem cada vez que nos encontramos.
Para ter a certeza de que a casa que partilhamos é uma casa feita de carne, e não do frio mármore de colunas.
Pois a maior lição que tenho tirado do nosso trabalho é que o essencial da vida é desenvolver uma visão pura, a compaixão e o amor incondicional por todos os seres.
No entanto, será que são precisos templos de pedra, rituais centenários e uma progressão de graus para chegar a essa conclusão?
Especialmente visto que todos os edifícios, sejam eles materiais ou etéreos, acabam mais cedo ou mais tarde por ruir?
Prefiro o calor de um coração que se consome na sua própria chama do que o mármore dos corpos que se transformam em templos ...
Vocês, humanos são mesmo um fartote de riso. Ora se queixam de ter casa e não poderem a deambular pelo mundo inteiro porque têm empréstimos para pagar, ora se queixam de não ter casa e por isso terem de viver à pala dos familiares ou numa pensãozeca qualquer, ou andam por aí a engendrar "templos etéreos" ou a ganir for um cafofo no que vocês chamam de "infinito" ou "incriado".
ResponderEliminarTantas complicações para quê, rapaziada? Olhem para nós: Basta uma lata de lixo cheia de espinhas de bacalhau ou o cantinho do sofá mais aquecido com os vossos peidos que estamos confortáveis, felizes e a ronronar que nem o motor de um Ferrari.
=^..^=
"How do you move in a world of fog
ResponderEliminarThats always changing things
Makes me wish that I could be a dog"
Tom waits, "I don't wanna grow up"
A própria ideia de casa é fruto da separação e sedentarização do ser. As línguas portuguesa e castelhana assinalam isso na etimologia de "ser" a partir do latino "sedere": estar sentado, residir em, estar assente sobre.
ResponderEliminarA ideia de casa, com o chão, paredes e tecto que implica, é sempre um projecto do ego que se tenta proteger e resguardar do espaço infinito que em si ignora ou rejeita.
Mas o meu corpo é (espacialmente) finito. Onde é que está o infinito em mim?
ResponderEliminar"O abismo é o muro que tenho / Ser eu não tem um tamanho" - Fernando Pessoa.
ResponderEliminarCreio que isto se aplica tanto ao corpo como à mente, que são inseparáveis. Mas de facto o corpo parece ser espacialmente finito, a não ser que não nos identifiquemos com ele e antes com o corpo da totalidade, ou a não ser que encontremos o mesmo espaço infinito no interior deste corpo aparentemente sólido: por exemplo, decompondo-o nas suas partes constituintes, será que encontramos alguma coisa de sólido, que por sua vez se não possa decompor mais, até ao infinito ?... Não se resolve tudo em insubstancialidade: pele, carne, sangue, ossos, tendões, músculos, medula ?... Não na morte, mas agora mesmo ?... Não é isto o infinito em nós ?
"Mas o meu corpo é (espacialmente) finito. Onde é que está o infinito em mim?"
ResponderEliminarE quando te olhas ao espelho, onde está o eu em ti? Nos olhos, nas pálpebras, nas bochechas, algures nas gengivas?, ah!, já sei, está no cérebro, aí sim, vive o Amarelo e o Azul!!! Numa célula qualquer que por acaso não é amarela nem azul. Aí vive a beleza da música de Wagner, a doçura das ondas do mar, a alegria do vôo do pássaro. Nessas células que não têm ouvidos, nem línguas, nem sorriem...
Onde estás tu companheiro?