sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Bebamos mais ainda, Irmãos, bebamos !

Bom, como já vi que aquilo de que vocês gostam é de festa e copos e aquelas tretas da mente e da consciência é só pra disfarçar, aqui vai uma série de poemas do meu camarada alentejano que eu escrevi enquanto ele, uma destas manhãs, de copo na mão, já mal se aguentando de pé, os declamava à porta da taberna do Altíssimo, a tasca do Tizé. Na verdade, aquilo saía-lhe numa língua estranha, mas eu, com a ajuda do tinto e do Santo Espirro, logo os vertia para a nossa lusa língua, que é mesmo boa para estas coisas avinhadas... Depois é que foi uma maluqueira: começou aos abraços e beijos a toda a gente, a dizer que via Deus neles e em tudo e que tinha nascido há oitocentos anos no Afeganistão, mas que aqui no Alentejo é que estava bem e que tinha um nome muito grande, do qual já não me lembro, porque estava quase tão inebriado quanto ele... Acho que dizia prá aí três vezes Mohammad e depois acabava já não sei bem como... Talvez vocês, que estudam e lêem muitos livros, tenham alguma ideia... Parece que o gajo é ainda mais antigo do que eu !... O Alentejo está cheio destes fenómenos... Enfim, lá fomos agarrados um ao outro pela planície fora e acabámos a dormir debaixo dum sobreiro... É pá, mas acordei sem ressaca e só sonhei que era Deus !... O vinho do Tizé é mesmo bom ! Enquanto houver deste produto, ainda há Portugal ! O problema é que encontrá-lo é quase tão difícil como a Ilha do Encoberto... Mas o pessoal da Serpente, com jeito, há-de chegar lá !... Saúde !

Hoje tenho a taça do vinho matinal na mão
Caio e levanto-me, embriago-me
Estou ébrio e sou muito pequeno junto deste cipreste altivo
Converto-me em nada, de modo que não exista nada mais que Ele

Sei enfim que o amor se uniu a mim
E tenho esta cabeleira de mil tranças.
Se bem que ontem estivesse ébrio pela tua taça
Hoje estou de tal modo que a taça se embriaga de mim

O amante há-de estar sempre ébrio e ver-se difamado
Como extravagante, extraviado e louco.
A dor virá pela garganta quando ficarmos sóbrios
Mas enquanto estivermos ébrios que ocorra seja o que for

Esta noite que o vinho da alma é perfeito, perfeito
Copeiro é o rei e o vinho é espesso, espesso.
Os instrumentos da festa estão todos, todos
Ó corações vivos, ilícito é o sonho, o sonho

Se um só instante em meu fogo fervo
Desejo esquecer-te um só momento
Bebo um copo para afastar o pensamento
No copo assomas e nele te bebo

8 comentários:

  1. Gostei muito, Manuelinho.
    "Esta noite que o vinho da alma é perfeito, perfeito"...

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  2. Ó Manuelinho, tu estás a falar de Rumî ? Neste blogue só pode ser de Rumî... como é que vocês se lembram dele assim tão ébrios ? Claro, o poeta do amor, da dança do êxtase místico... com os copos é mais fácil chegar lá... faz todo o sentido ! Continuai, continuai...

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  3. E eu sonhei que era uma lesma.

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  4. E nós sonhámos que estávamos de regresso ao antigo Egipto, onde a malta reconhecia em nós o que realmente somos: Deus(es).

    =^..^=

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  5. Ó miúda gira, é isso mesmo ! Jalal al-Din Mohammad Ibn Mohammad Ibn Mohammad Ibn Husain Al Rumî ! É esse o nome que o meu amigo me revelou naquela manhã de copos lá na tasca do Tizé !... De repente provocaste-me uma regressão tal a essa experiência, que até já me sinto tonto sem ter bebido nada !... Tu é que me compreendes !... A ver se apareces para irmos juntos à missa no santo tabernáculo !

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  6. ... que o Manuelinho diz ser gira.
    Mas não é "por acaso" Manuelinho ! Pois, não há "acasos" ... sabes bem disso, há causas e a causa é "a tua visão pura", ó Manuelinho !

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  7. É recíproco Manuelinho ! É recíproco ! Só tu me compreendes... e olha, espera-me muito brevemente aí no Alentejo que eu até falei com a Orora... sabes, ela esteve aqui no fim-de-semana e também quer ir p'rós copos connosco... além disso estava com uma conversa muito estranha: que aqui há tempos te encontrou dentro dum computador ! e coisas assim... bem como ela ainda é mais louca do que eu... não quis saber de mais nada... e contigo tudo, mesmo tudo é possível !
    Ah ! Não te esqueças de levar o Rûmî... vai ser cá uma noite mística com poesia e vinho do bom à mistura... que até as lesmas vão dançar !

    Outra coisa: eu estava certa quanto às miúdas giras... aí está uma que te disse logo "lá estrei" ...

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