sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

a arca da aliança






a Lua tocou-me na testa com o seu dedo branco
e apontou-me de seguida uma silhueta longínqua
duma montanha-rocha em forma de baú;

contemplei-a pronta e vivamente com os olhos tão abertos
que deixei de ver a quimera do espaço-tempo
perdendo a distância as vertiginosas polegadas
como se tivesse sido puxada por uma corda invisível
ancorada entre as minhas sobrancelhas,
como prova o tilaque tatuado pelas alvas impressões digitais,
sem que eu discernisse o mínimo movimento ou tontura;

só dei por mim de braços abertos
a roçar a superfície da montanha-tesouro,
que apesar de vigorosa não era dura
e me acarinhava à medida que a sua espessa densidade
se desagregava em grãos de areia
abrindo-me a passagem para o Templo da Consciência
erguido no umbigo desnudado de si
e que do limiar do átrio ao ádito
cada passo que eu dava operava a transformação
das perguntas em respostas
das coordenadas geográficas em bússolas sem agulha
das moléculas desassossegadas em quietude lúcida
seguindo as setas que não estavam marcadas
pelo calor-magma do coração do Divino
pronto para fazer eclodir uma nova Criação
e explicar-me a anatomia do corpo do Infinito
para asseverar a minha identidade cósmica divisada;

acodiram-me no deserto rochoso as lágrimas
legendas intelegíveis mais do que visíveis
do estado de informidade e intangibilidade do Espírito
que não resiste à tentação da Manifestação
e que para isso se intensifica até condensar
semeando o Jardim da Humanidade para nele se verter
e deixar regado um novo código inflorescente
dos ancestrais mandamentos do Amor Original;

e assim como o mar eleva as ondas
em modo de grito e alegria
para as destacar no céu e agitar a profundidade
e seguidamente ensinar-lhes a mergulhar de cabeça
no regaço da totalidade e ubiquidade do seu oceânico Ser
assim também as lágrimas voltaram à Fonte,
criadora, receptiva e formadora
em contínuas materializações,
qual serpente que se move em curvas para o recto destino
e que morde a própria cauda
para cumprir a missão Maior da natureza
que é a compreensão de Si
conducente à compreensão Universal.
o Retorno.
a Religação.

fiel e mineral amiga de tempos remotos
mensageira e também em demanda
portadora e guardiã das leis invioláveis duma aliança,
impermeável às deliciosas guloseimas
e acerbas brutalidades dos vícios humanos,
a Montanha atravessou comigo as mesmas veredas
descalças as duas, sem cajado,
dançando e adormecendo em cadências zodiacais
para acordarmos no oriente da Graça,
peregrinas recém-chegadas ao Santuário.
intimamente unidas.
divinamente unas.

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