“Deus é Senhor de tudo: mas de que modo ? De tal modo, que para si não quer nada, e tudo o de que é Senhor, é para nós. Antes de Deus criar o mundo, tinha alguma coisa fora de si ? Nada; porque não havia nada. E depois do mundo criado, teve mais alguma coisa de novo ? Para si o mesmo nada que antes; mas para nós e para o homem tudo […]” – Sermões, XIII, p.191.
“[falando do Juízo Final] […] em um momento se abrirão os processos, e ficarão manifestas e patentes as vidas de todos, sem haver obra, palavra, omissão, nem pensamento, por mais secreto e oculto, que ali não seja público; vendo todos as consciências de todos, todos a de cada um, e cada um a sua” – Sermão da Primeira Dominga do Advento [1652], Sermões, I, p.63.
“Todas as grandes mudanças de estados que se vêem e têm visto neste mundo, sempre vário e inconstante, não são outra coisa que um perpétuo jogo do supremo poder que o governa: Ludit in humanis Divina potentia rebus” – Sermões, XIII, p.252.
“Os pensamentos são os primogénitos da alma; sempre se parecem à origem donde nasceram: assim como ninguém é o que cuida de si, assim é certo que cada um é o que cuida dos outros. Há uns pensamentos que nascem pelo que entra pelos sentidos; e há outros que nascem do que se considera com o discurso: os que são filhos dos sentidos, parecem-se com os objectos, os que são filhos do discurso, parecem-se com o sujeito, cada um costuma discorrer como costuma obrar; e o que cuida o que os outros hão-de fazer, é o que ele fizera; as obras e as imaginações dos homens não têm mais diferença que serem umas por dentro, outras por fora; as obras são imaginações por fora, as imaginações são obras por dentro” – Sermão nas Exéquias do Sereníssimo Infante de Portugal Dom Duarte, Sermões, XV, p.214.
“Que mal filosofaram da dor e do amor, os que lhe deram por defensivo a ausência ! Quem armou o amor com arco e não com espada, quis dizer que na distância seria mais; o amor não é união de lugares, senão de corações; a dor na presença reparte-se entre os sentidos, na ausência recebe-se só na alma, e toda é alma; a dor na presença tem o assistir, tem o servir, tem o ver, tem a mesma presença por alívio; a dor na ausência toda é dor” - Sermão nas Exéquias do Sereníssimo Infante de Portugal Dom Duarte, Sermões, XV, p.262.
“Que pouco disse quem chamou ao amor tão forte como a morte: Fortis ut mors dilectio ! A morte sepulta os que matou, o amor sepulta sem matar, que é género de morrer mais forte, mais duro, mais triste” - Palavra de Deus Empenhada no Sermão das Exéquias da rainha D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, Sermões, XV, p.329
“Pôs Deus a Adão no Paraíso com obrigação de que o cultivasse e guardasse: […] de quem havia de guardar Adão o Paraíso ? De quem o não guardou. Havia-o de guardar de si mesmo. E porque Adão o não guardou de Adão, sendo os bens que possuía todos os do mundo, ele mesmo, e só ele se despojou de todos, sem haver outro que lhe impedisse o lográ-los” – Sermão da Segunda Dominga da Quaresma, Sermões, III, p.69.
“Antes de haver meu e teu, havia amor, porque eu amava-vos a vós e vós a mim: mas tanto que o meu e teu se meteu de permeio, e se atravessou entre nós, logo se acabou o amor; porque vós já me não amais a mim, senão o meu, nem eu vos amo a vós, senão o vosso. No princípio do mundo, como gravemente pondera Séneca, porque não havia guerras ? Porque usavam os homens da terra como do céu. O sol, a lua, as estrelas e o uso da sua luz é comum a todos e assim era a terra no princípio: porém depois que a terá se dividiu em diferentes senhores, logo houve guerras e batalhas e se acabou a paz, porque houve meu e teu” – Sermão da Segunda Dominga da Quaresma, Sermões, III, p.70.
“Mais inventaram e fizeram os homens a este mesmo fim de conservar cada um o seu. Inventaram e firmaram leis, levantaram tribunais, constituíram magistrados, deram varas às chamadas justiças, com tanta multidão de ministros maiores e menores, e foi com efeito tão contrário, que em vez de desterrarem os ladrões, os meteram das portas a dentro, e em vez de os extinguirem, os multiplicaram: e os que furtavam com medo e com rebuço, furtam debaixo de provisões, e com imunidade. O solicitador com a diligência, o escrivão com a pena, a testemunha com o juramento, o advogado com a alegação, o julgador com a sentença, e até o beleguim com a chuça, todos foram ordenados para conservarem a cada um no seu, e todos por diferentes modos vivem do vosso” - Sermão da Segunda Dominga da Quaresma, Sermões, III, p.71.
“Porque assim como no Sacramento tanto recebe um, como todos, e tanto recebem todos, como cada um; assim na glória tanto logram todos, como cada um, e tanto cada um, como todos. Cá na terra, como há a divisão de meu a teu, cada um logra os seus bens, mas não participa os dos outros: porém no céu os próprios e os dos outros, tanto são comuns de todos, como particulares de cada um, porque lá não tem lugar esta divisão” - Sermão da Segunda Dominga da Quaresma, Sermões, III, p.76.
“O céu é uma república imensa, mas onde todos se amam: e está lá a caridade tanto no auge da sua perfeição, que todos, e cada um, amam tanto a qualquer outro, como a si mesmo” - Sermão da Segunda Dominga da Quaresma, Sermões, III, p.80.
“De sorte que a cidade da glória no pavimento, nas paredes, e no interior dos aposentos, toda é um espelho de oiro; porque todos perpetuamente se vêem a si mesmos, todos vêem a todos, e todos vêem tudo. Nada se esconde ali; porque lá não há vício, nada se encobre; porque tudo é para ver; nada se recata, ou dificulta; porque tudo agrada; e porque tudo é amor, tudo se comunica.
[…] esta é, senhores, a cidade da glória […]: e basta que fosse assim como se descreve, para ser merecedora das nossas saudades, e que fizéssemos mais do que fazemos, por ir viver nela” – Sermão da Segunda Dominga da Quaresma (1651), Sermões, III, pp.36-37.
“Grande é o ódio que os homens têm à idade em que nasceram. […] Tudo o moderno desprezam, só o antigo veneram e acreditam. Ora desenganem-se os idólatras do tempo passado, que também no presente pode haver homens tão grandes como os que já foram, e ainda maiores” – Sermão de São Pedro [1644], Sermões, VII, p.320.
“Considerai-me o mundo desde seus princípios e vê-lo-eis sempre, como nova figura no teatro, aparecendo e desaparecendo juntamente, porque sempre passando” – Sermão da Primeira Dominga do Advento, Sermões, I, p.104.
“A razão deste curso, ou precipício geral com que tudo passa, não é uma só, senão duas: uma contrária a toda a estabilidade e outra repugnante ao mesmo ser. E quais são ? O tempo, e antes do tempo, o nada. Que coisa mais veloz, mais fugitiva, e mais instável que o tempo ? Tão instável, que nenhum poder, nem ainda o divino, o pode parar. […]
E como o tempo não tem, nem pode ter consistência alguma, e todas as coisas desde seu princípio nasceram juntamente com o tempo, por isso nem ele, nem elas podem parar um momento, mas com perpétuo moto, e revolução insuperável passar, e ir passando sempre.
A segunda razão ainda é mais natural e mais forte: o nada. Todas as coisas se resolvem naturalmente, e vão buscar com todo o peso, e ímpeto da natureza o princípio donde nasceram. […] Assim todas as coisas deste mundo, por grandes e estáveis que pareçam, tirou-as Deus com o mesmo mundo do não ser ao ser; e como Deus as criou do nada, todas correm precipitadamente, e sem que ninguém lhes possa ter mão, ao mesmo nada de que foram criadas” - Sermão da Primeira Dominga do Advento, Sermões, I, p.113.
“Tu quis es ? Quanto ao espiritual, ninguém há no mundo que possa responder a esta pergunta. Cada um de nós espiritualmente é o que há-de ser; o que há-de ser cada um, ninguém o sabe; e assim não há ninguém que possa responder com certeza à pergunta: Tu quis es ?” - Sermão da Terceira Dominga do Advento, Sermões, I, p.200.
“Este mundo é um teatro, os homens as figuras que nele representam, e a história verdadeira de seus sucessos uma comédia de Deus, traçada e disposta maravilhosamente pelas idades de sua Providência” - Livro Anteprimeiro da História do Futuro, p.110.
“Mais gosto de ver em Roma as ruínas e desenganos do que foi, que a vaidade e variedade do que é, e com isto me parece o mundo muito estreito e a minha cela muito larga […]. Hoje começam as máscaras do Carnaval, em que eu digo as tiram, porque verdadeiramente mostram que não são por dentro o que parecem por fora”- Carta ao marquês de Gouveia [1671], Cartas, II, pp.316-317.
Curioso !... Em Vieira o Céu é a perfeita sociedade comunista... Deve ter sido lá que o Marx e os outros foram buscar a ideia !...
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