domingo, 20 de janeiro de 2008

A Realeza da Infância


A Realeza da Infância

“ A alma só vive agradada em nós durante a infância. A infância é um ambiente imaculado. Repare o leitor numa criança. Que harmonia evola a sua angélica expressão! Nem o mais leve contraste lhe perturba a placidez radiosa. Aquela alminha e aquele pequeno corpo vivem a lua-de-mel…
No rosto de um velho tudo são contrastes dolorosos, violentas linhas ressecas que se quebram. Percebe-se o conflito conjugal…”

Teixeira de Pascoaes, O Bailado

“ As horas da sua infância não as esquece o pobre tolo. Elas também o não esquecem. Enamoram-se da sua figura minguante e luarenta de melancolias misteriosas. (…) Batem-lhe à porta, de noite; a porta abre-se e elas entram acompanhadas do luar. Não lhe concedem um minuto de repouso! Cercam-lhe o leito aqueles perfis que se iluminam vagamente e lhe murmuram mil segredos. Vive no meio de vozes que lhe falam, mas não as compreende. São confusas, distantes; uma nuvem musical que se condensa em lágrimas espectrais (…).
Tem uma face interior que deseja exteriorizar-se, afrontar a luz e o riso dos espelhos…A alma tenta forçar os muros da prisão. “
Teixeira de Pascoaes, O Pobre Tolo

A infância é uma potência, diz um filósofo italiano, Agamben…que gostaria de ver as últimas fotos de Adama aqui apresentadas. Mas também a do Rei D. Sebastião, ainda invisível para nós... Somos por elas contagiadas de uma enorme vontade de sorrir e crer e querer que o mundo esconde mais possibilidades do que aquelas que em adultos percorremos. Quem olha assim, os que nos olham das fotografias, e o quem que as consegue, sem daqueles olhares nada tirar, é também uma potência de infância infinita. Não tira fotografias, nada tira, deixa tudo intacto. Apresenta rostos sem contexto. Não usa as lentes, vê com outro olhar mais perfeito do que a técnica permite. Deve haver dois tipos de olhares, como em Pascal duas razões: um olhar racional e técnico e outro olhar tecido pelo espírito do coração. Quando estas fotos nos olham e eu as olho a elas, as horas da infância batem à porta. Andam atrás da minha Vontade e das minhas mãos, contam-lhe os segredos, inquietam-nas de modo alegre e esperado. Mas estes segredos escutados pelo olhar fazem aparecer aquilo que é, como uma necessidade: a tarefa de criar uma nova realidade a partir da atmosfera onírica, de separar o real do irreal e conceder-lhe uma solidez existencial irrevogável “demonstrável”. (Hermann Broch) Quem olha assim é menos cego…deixa a alma saltar os muros da prisão. Um sorriso de gratidão.
Na infância só me chamavam “Isabel”

1 comentário:

  1. Este texto é uma foto tão bem tirada: para dentro e para fora !... Ilumina as fotos de que fala mostrando toda a luz que há em si.

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