quarta-feira, 1 de junho de 2011

perdido entre papéis


alguma coisa sobe como um vómito
- é o vento

as uvas e o cão
a vide o veneno velho o velho
que adormece com os olhos espetados
na fasquia dos seus muitos anos miseráveis
as pulgas no alpendre
na pocilga vazia
o choupo
de raízes cravadas na gengiva da casa
de que só eu sou interior

a hortelã nos pingos da torneira
a náusea da pausa vegetativa dos coentros
os limões de umbigo
os diques na caleira
da leira de tomate

a Peugeot cinzenta
pelo vento e pela noite
a grossa grade de portão
guardada por cães de gonzos ferrugentos

os velhos oblíquos
no interior do pátio
das carroças

as sinetas e as vozes
das franjas das echarpes
chamando os netos por entre minúsculos fios de ferro

caracóis nas listras
vermelhas das peúgas dos miúdos
alguns graus de tédio no choro com que nos respondem

o chá nas chávenas
sobre a falsa virgindade das toalhas
a memória de brancos aventais
das criadas
roçagando os soalhos

alguma coisa sobe como um vómito
:
é a cor no ecran
da casa toda branca
sem interior algum

8 comentários:

  1. Estava aqui a ver se colocava um |+1| no rodapé, para experimentar, mas parece que dá erro...

    Esse 'gosto', vai então, bom amigo, em forma de comentário:

    *Brilhante*

    Abraço!

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  2. Na verdade, alguma coisa é como a vide e o cão. ... "Choupo cravado na gengiva da casa de que só eu sou interior".

    A descrição é de uma crueza nua, sonora, correspondência entre o "cenário" "de pingos de torneira .... na hortelã... Náusea de ser. "Toda a casa branca [é] sem interior algum.". [A varanda da infância onde a casa era o mar...]

    Como eu gosto, apesar do gosto me arrepanhar a boca, do jogo entre passado e presente, como se o instante retirado do passado, fosse a prega de uma camisa coçada e de um casaco de cotovelos gastos. E a vida toda, muito antes, muito antes!...

    Agora, agora, abraço-te, Platero, e vejo-te, na nudez de uma outra luz, um "quase abjeccionismo" sem deformação alguma, sem lente, e que te revela outro, que não conhecia... A infância que somos e que trazemos nas palavras adultas! A vida que é vida, humaníssimamente, "brilhante", sim, Rui, e que nos transcende...

    Gostei. (Como se isso tivesse alguma importância!...)

    Um abraço, Platero, um beijinho de gosto.

    Rui, boa noite. :) Também estranhei aquela coisa de +1... aparece por todo o lado...:)))

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  3. coloco +1 em todo lado, em cada verso não numerado, coloco o + que acolhe o próximo, havendo outro 1 a dizer que este poema é mais.
    Um beijo

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  4. a vocês

    a rfm, que intuo meu amigo Rui mas por outro lado quase aparece como duplicado pelo comentário de Paladar
    :
    essa cena do +1, que me baralha por completo.
    Deu para entender que alguém - Rui, ou Rui+ Paladar - alguém gostou do "perdido entre papéis"

    os meus poemas nunca forma revistos nem datados. Este aparece sem data, mas com ligeiras correções. Tinha-o recuperado de um molho de papéis que andam por aqui, por cima de uma mesa, da(c)tilografei-o ainda muito antes do novo acordo ortográfico e está inserido numa espécie de caderninho em que toquei para limpar alguma poeira acumulada.

    voltei a ler o poema, e agradou-me tê-lo escrito. Quase como deus quando fabricou o mundo com o céu e as estrelas e a terra e o mar e a luz e as trevas, não sei, gostei de o ler de novo, talvez pela primeira vez depois de o ter da(c)tilografado.

    roasadomundo, que eu já não arrisco tentar identificar, deixa-me então deslumbrado com a sua crítica. E a ela em particular eu digo que o processo de escrita do poema se prende com, do que recordo, serem as palavras a invadirem, por sua conta e risco, a folha de papel.
    Aparecem assim disparidades que eu próprio a esta distância não entendo, como a referência a uma Peugeot/cinzenta pelo vento e pela noite//
    que me agrada, contudo, por lembrar-me de que não só a noite como o vento acinzentavam mais ainda a minha carrinha de serviço, da Fábrica onde trabalhava, de cor cinzenta na realidade.

    "As sinetas e as vozes/ das franjas das echarpes/chamando os netos por entre minúsculos fios de ferro"
    Isto para significar AVÓS habitando velhos pátios de casas solarengas.

    bom, deixando-me de cacetismos: gostei da minha descoberta, e se me perguntassem agora o que sentiria se soubesse que ele tinha sido destruido, responderia sem hesitação que ficava triste. Não só por ele - por tudo quanto escrevo, bom ou mau
    :
    é sempre um bocado de gente que se perde

    abraços a vocês. Em quem votaria de bom grado no domingo

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  5. se eu for eleita, dou-te um abraço pelo espaço

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  6. por quê pelo espaço?

    será que não mereço
    a ternura de um abraço?

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  7. :)

    Platero, gostei do 'rfm', que neste caso é igual a 'rmf', que por sua vez é igual a quem pensas que é, só podia ser, não é verdade?

    Passei aqui também para confirmar que já consegui por o |+1|! Ou seja, um dos outros |+1|'s que neste caso, a par com o da amiga Paladar é, inevitavelmente, do 'rmf', o mesmo que 'rfm', o mesmo do mesmo que é esse mesmo que estás a pensar.

    Quanto ao teu poema, como muitos outros que deves ter emaranhados entre tantos papéis, só isto... é, como se diz na fraterna gíria, 'do melhor!', um prazer a sua leitura.

    E se me permitires destacar ou transcrever uma passagem deste texto, por tudo o mais o que com ela me possa identificar, destacaria: "a Peugeot cinzenta
    /pelo vento e pela noite" a qual podia juntar a interpretação do Poeta "que me agrada, contudo, por lembrar-me de que não só a noite como o vento acinzentavam mais ainda a minha carrinha de serviço, da Fábrica onde trabalhava, de cor cinzenta na realidade." É verdade meu caro amigo, por me fazer lembrar a minha 'casa', e a minha casa, que um rio à passagem a viu nascer.

    Bom, só me resta esperar por mais, se é que não estou a pedir muito, e claro está, por fim, esperar o dia das eleições, onde ficarei a saber, contra as projecções, que alguém votou em mim!

    Votem Bem, mas Votem!

    Aquele abraço, a todos, está claro!

    E boas escritas!

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  8. queria dizer um abraço através do espaço. claro que mereces um abraço, Platero

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