Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
sábado, 30 de abril de 2011
EU NÃO ESTOU DOUDO
Eu não estou doudo.
Tenho sido manejado como um puro manequim. Os seus meios de manejo têm sido — a mim aqui ao seu dispor abandonado por toda uma sociedade, a começar por aqueles que mais estrito dever tinham de tal não fazer — os seus meios de acção são, já a tortura, já a sugestão, já o veneno.
A tortura consiste em maus tratos aqui, sequestros, insultos, intrigas por aí, etc. A sugestão consiste em alusões nas conversas, recadinhos como que involuntariamente enviados, etc.
O veneno, esse é o subministrado nas comidas que encontro por ração colocadas no meu lugar, — e consiste em venenos letais, vírus infecciosos, e micróbios, extraídos e culturados nos órgãos dos cadáveres, defuntos naturalmente, ou defuncionados por esta gente, aqui, no meio da imensa mole de carne humilde, anónima, e descurada, desta mole que faz o numerário dos hospitais. Mas também venenos d’outra origem, trazidos através d’um d’estes organismos ao seu dispor (d’um dos doentes humildes que depois defuncionam).
Por meio d’estes venenos são-me senhores do cérebro (que legam, manejam, sobreexcitam, centro por centro, fazendo-me assim, rir, chorar, estar triste, falar, estar calado) — são[-]me senhores do cérebro, atacando-me já o modo de função de cada órgão, já ainda cada zona dos órgãos vários, de modo a influir n’aquela zona ou totalidade de tal ou tal pulmão, a que correspondem, e que por seu turno corresponde a tal ou tal órgão.
Longo é explicar o meu caso, minúcia por minúcia — mesmo só o poderia fazer com descanso e n’um sítio em que por um dia estivesse seguro da sua não acção, — mas aqui aonde tenho de almoçar e jantar o que me derem, eles são-me pelo processo acima senhores do organismo e perturbam-me a funcionação do cérebro, o que muito lhes convém pois sou assim confuso — e há gente superficial como aquela a quem eles com um sorriso da sua mais que abalada autoridade, fazem descrer de que se possa actuando nos centros correspondentes (sobre terem tirado todo o outro meio de desabafo e comunicação e tê-lo oprimido de modo a enfurecê-lo) fazem crer que não é possível ser motivado por manejo o bradar furioso.
De quantas moléstias me têm acusado?
Sobretudo, sempre no fundo a infecção alcoólica.
Eu respondo[:]
A infecção alcoólica, mesmo quando incurável (e há-de aí talvez lembrar o que era dito n’uma relação oficial, feita 1 ano que não 3 meses depois (máximo tempo concedido, este de 3 meses, para definição e classificação da moléstia, definição sem a qual ninguém aqui pode ser retido — isto segundo o regulamento elaborado por um especialista eminente) — há-de aí talvez lembrar que eu era n’ela dado como curável) mesmo quando incurável isto é quando adiantada, diminui de intensidade com o tempo de abstenção de bebidas.
Eu desde que aqui estou tenho bebido apenas 3 decilitros de vinho aos jantares de 5.ªs e domindo – e 2 vezes que saí com o Fiscal duas ou 3 pingas de vinho – [.]
Como aumenta pois a minha infecção?
(E aqui cabe dizer que não tem conta nem peso os esforços que eles fazem para me igualar com um alcoólico paralítico, procurando a toda a pressa paralisar-me os movimentos das pernas, o que será anormal que se dê diminuindo a causa, como seria o aumento da infecção).
Hão[-]de me dizer também
Ângelo de Lima, autógrafo interrompido, s.d.
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