sábado, 5 de março de 2011

Fungagá

Quando tocou a campainha Dulce pediu-meque abrisse a porta. O pedido fez-me sentir elevada a um estatuto de amiga, até há cinco minutos desconhecido.
Do outro lado, estava um homem com um bigode que não ultrapassava a fronteira das narinas. Um chapéu na mão direita, vários embrulhos na mão esquerda.
Entrou atrás de mim, beijou  Dulce rapidamente e fugiu para outro lado da casa.
- João, onde vais?
- Vou ao quarto...
No regresso, olhou-me e disse:
- Eu conheço-te! Trabalhaste no Funfagá...
Respondi logo que não, mas a certeza dele começou a deixar-me insegura.
- No Fungagá?
- Tenho a certeza, tinha lá uma Lexa...
Nunca conheci outra pessoa com o meu nome, só podia ser eu.
- Mas em que ano?
-1974...
Será que eu trabalhei no Fungagá e não me lembro?
A verdade dele é tão mais segura que a minha que ainda peço desculpas pela minha falta de memória.
Porém algo em mim impede-me de embarcar na segurança de João que feito uma borboleta esbraceja deixando a minha afirmação fraca e mentirosa.
- Nunca trabalhei no Fungagá...
No elevador conto de 1 a 10 para ter a certeza de que ainda sei contar sem tropeçar no intervalo da dezena.
Há dias em que o sublime da vida é saber-me viva, apenas.

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