I
A melhor resposta a uma pergunta é a interrogação sobre o seu sentido. O que imediatamente nos desorbita dos hábitos e mecanismos cultural e socialmente dominantes. O que imediatamente nos leva a pensar para lá dos conceitos que são a moeda corrente das transacções mentais humanas.
Perguntar “o que é” pressupõe que o objecto em questão seja, no sentido de algo definido, um ser, um ente, uma id-entidade, pré-condicionando assim a resposta, que, seja qual for, sempre se moverá no círculo restrito da id-entificação. É este, porventura, o condicionante maior das línguas de matriz indo-europeia, particularmente activo no logos grego que, desenvolvido na ágora, o espaço público da polis, cedo enfeudou a filosofia ocidental a um projecto político-científico de redução do real a um conjunto de entidades e identidades definidas e determinadas, possibilitando o seu conhecimento conceptual, a sua ordenação mental e política e a comunicação ao serviço da vontade de poder presente em ambos. Com efeito, aquilo que passa por ser realidade, aquilo que passa por ser, resulta de uma instauração linguística e histórico-cultural de significados, sentidos e valores, ou seja, de um mundo ordenado e estável, sobreposto ao devir universal, onde o conhecimento e a acção humanos e antropocêntricos sejam possíveis, mas cuja convencionalidade se esquece nos hábitos de representação e prática que configura, como uma ficção que, pela sua repetida narração e encenação, passasse a considerar-se como a própria e única verdade. Foi este projecto que predominou na cultura mundial, padronizando o actual regime comum de consciência segundo o paradigma do logos ocidental.
Aplicada a Portugal, bem como a qualquer nação ou colectividade, a pergunta “o que é” avulta em problematicidade. Com efeito, se é difícil aplicar a categoria de ser – no sentido substancial, de algo que exista em si e por si, dotado de uma id-entidade própria – aos seres que como tal convencionalmente se designam – coisas, homens, animais - , uma vez que neles apenas verificamos processos, fluxos e metamorfoses contínuos e interdependentes, entre si e das mentes que os percepcionam, mais falacioso será pretender encontrar um ser e uma id-entidade em Portugal, realidade com-posta que a razão e a experiência não mostram dotada de uma existência em si e por si, que não esteja constitutivamente sujeita à mesma metamorfose e interdependência de todos os elementos que nela se agregam: a natureza compreendida no seu território, terra, flora e fauna, a acção e a organização social, económica, política e jurídica, a história, a cultura material e espiritual, a língua e, sobretudo, os factores do conceito de que tudo isto é Portugal, ou seja, todos os que assim o pensam e constroem, portugueses e estrangeiros, habitantes ou não do seu território. Na verdade, é apenas nas e pelas representações e acções dos homens, nacionais e estrangeiros, habitantes de Portugal ou não, que surge o conceito de que há Portugal, de que a agregação dos diferentes elementos referidos constitui uma id-entidade una, substancial e autárquica, existente em si, por si e para si. Todavia, analisado com desassombro, enquanto produto histórico-cultural complexo, constituída por múltiplos elementos tão cambiantes quantas as vidas e as mentes humanas deles indissociáveis, é manifesta a impertinência de se pressupor em Portugal um ser e uma id-entidade no sentido substancial. Uma coprodução histórico-cultural e linguística, que por definição está sempre in-definida e em curso, jamais pode, em rigor, constituir um ser e uma id-entidade fixos e imutáveis, jamais pode id-enti-ficar-se.
Analisar e pensar a fundo a realidade que se designa como Portugal leva-nos assim a vê-lo antes como um devir, um fluxo, um processo e uma metamorfose, interdependente dos devires, fluxos, processos e metamorfoses que são as vidas e as mentes de todos os que, sendo ou não portugueses e habitando ou não o seu território, o pensam e com ele interagem como tal. Livre da abstracção e ficção identitária, surge assim um Portugal simultaneamente mais real, concreto e indeterminado, que extravasa das fronteiras territoriais e administrativas, históricas, linguísticas e culturais, bem como da fronteira conceptual que separa Portugal e mundo, numa osmose com a história do planeta e com o processo em aberto da consciência e da realidade.
O mesmo acontece, naturalmente, com os demais povos, nações e culturas, tal como com todos os seres e coisas. Todos devêm em todos. Todas devêm em todas. A natureza profunda do real é a de uma dinâmica e metamórfica interpenetração universal.
Se tudo é interpenetração radical, se tudo é em tudo, e nada é uma id-entidade que se possa limitar como sendo algo desligado de outro algo ou alguma coisa: país, nação, língua, sujeito idêntico a si mesmo; se nada é, sem o que é em tudo o que, em sentido de ser ou não ser a-parece como limitado em algo que seja por si, como poderá algo, alguém: país, coisa, ser, na realidae ser?
ResponderEliminarPara definir é preciso separar, ora se nada está separado, nada na verdade é, ou, dito de outro modo, só o que é, é. Mas o que é não é, nem não é.
Portugal, Europa. mundo, estão no que são, sem ide-entidade.
Mas, então, o que poderá ser isso que não é idêntico? Isso que não é idêntico é uma impossibilidade realizada. Um sonho que nos sonha idênticos. Um mito que nos relata um país, pátria da distância e da Saudade. Mas a Saudade é o futuro irrealizado que é a esperança e a esperança é Poetugal, no mito da realização futura. Sonho essa realização como a pátria dos sem pátria, a mistura dos que só no encontro se realizam e actualizam.
Será isso Portugal? Uma Esperança e uma Saudade?
Não sei, Paulo, tu o pensarás por mim que o penso como linguagem de não-ser. Sono e sonho criado. Desejo, sim, de des-identidade. Diversidade e União.
Como poderá ser Portugal igual a si mesmo?
?
Gostava de te ler, nesse Portugal.
Um dia o farei. Talvez quando já não haja nem noite nem dia...
Beberei esse texto. Entre-abrirei um país, quem sabe um novo conceito de Ser...
talvez um terramoto, bem mais forte que o de 55, se faça sentir para destruir as raízes do ser e do não-ser... mas com tantas ajudas humanitárias, bancos mundiais e almas/países solidários (enfim, com tanta compaixão), duvido que portugal morra para que das cinzas renasça Portugal...
ResponderEliminarretiro o que está escrito... o terramoto de 55 deu origem a ruas e marqueses pombalinos... o portugal moderno que até vila real de santo antónio não escapou! o que é mesmo preciso é ir a umas aulas de meditação e terramotear as cidades interiores.
ResponderEliminarretiro novamente o que está escrito... é que ao destruir cidades interiores posso cometer o erro de erigir santuários exteriores... olhem, não sei o que fazer e muito menos o que não fazer! fico à espera de sugestões...
ResponderEliminarMeu querido Kunzang,
ResponderEliminarCreio não o ter entendido bem.
Mas um terramoto de 55 ou mesmo outro faria muito jeito, mas teria que ser um terramoto que fizesse tremer dentro de nós e abalasse as estruturas de um egoísmo que a todos corrói por dentro...
As aulas de meditação são evidentemente úteis, mas a alma de uma pessoa é maior do que um terramoto, pois que ela é o que nos une a todos e nos cria em Amor.
O ser e o não ser não precisam de ser abalados, nem destruídos, nem construídos...
Não vejo Portugal a renascer das cinzas, o que renasce das cinzas é o sonho de futuro de um mundo sem fronteiras.
A Paz, o Bem, a Justiça e o Amor: a compaixão não têm nome de país ou outro, nem identidade, não é?
É preciso crer no Homem, fazer o Homem e pensá-lo, também. O pensamento é também acção...
Há um querer e esse querer é um desejo e o desejo é que cria o mundo ou qualquer outra coisa, porque o que criamos, criamo-lo "mundo" para nascer e perecer...
Um abraço, Kunzang, e um sorriso.
querida maria,
ResponderEliminaràs vezes não me compreendo a mim próprio...
a lua está cheia
o sino da igreja toca
os cães ladram
sobre o copo com
tinto do convento
as suas palavras são um bálsamo para o meu espírito... o que quer que isso seja!
talvez seria bom (aqui fica uma ideia para este país), criar um dia dedicado à bebedeira... a bebedeira nacional, um dia que tal como a páscoa, deveria ser de lua cheia... toda a gente, por decreto de lei, deveria ser obrigada a beber até à exaustão, para depois, em tempo de ressaca, se criar um novo Portugal. Não sei é se a União Europeia iria permitir esta festa de Baco... eles até cortaram com o sal do pão! até parece que querem acabar com o mar português, quanto do teu sal são lágrimas de portugal - estou farto deles!!!
ResponderEliminarporque é do sal das lágrimas que se sonha o que deus quis o que o homem quer! e o que o homem quer? deixar de ser mediador (menshen) para ser mediado? mediado por quê? mediado pelo tempo e o eterno... o momento e o instante, ver no momento o instante e no instante o momento e disto libertar-se! é nisso que me acredito e me desacredito.
ResponderEliminarmas vocês que falam em luz, em salvação, em hiato, em deus, em satanás, em dar a mão sem tirar o pé, em silêncio, em essência, em buda, em cristo, em marx, em adams, em...
ResponderEliminarontem fui à guarda e visitei a sé. a porta ou portal (n sou especialista), fez-me lembrar a entrada para o útero... vou ser mais realista (e peço desculpa aos púdicos) - fez-me lembrar os grandes e pequenos lábios de uma vagina. e quando entras lá para dentro, parece que regressas para o útero materno, o local onde foste concebido e pensei: não será isto a religião? regressar ao útero materno e sentir a união com a mãe? e não é isso que se faz no tantra? regressar à mãe, ao útero, ao local de origem temporal, local esse que é o sítio onde o eterno (a mãe - sabedoria) se une ao tempo (filho - compaixão)? e não é isso que é Portugal? local onde os filhos de todo o universo se unem à mãe? fátima ou cartaxo? neste momento prefiro o cartaxo! beijos