quarta-feira, 10 de março de 2010

Que me ceguem as tardes
Que me roubem a alegria ao subir da estrada
Ou que todos os bichos me visitem quando estiver a fazer amor
Se esse amor não tiver contornos de uma rosa

Eu amo uma mulher
Uma epopeia de ventos e sóis
Uma árvore que cresce no sentido dos meus pulmões

Pergunto:
Tenho a janela aberta, será que dói?
Quem tem gramática para compreender o implacável silêncio?

Aqui estou de frente ao tempo invisível
A dar-lhe palha por uma fechadura
Multiplicando abelhas para sermos muitos mais que um Desejo

Que a minha loucura seja tabaco de enrolar
Que a solidão seja o espelho em que me olho e não veja porra nenhuma!
Amo as coisas que se formam no precipício da carne
Os azuis tão inocentes de um nada
A claridade que bate e perfura o mais íntimo de nós

Eu digo: a minha cabeça é um rebanho de ovelhas
O meu corpo: o pastor que se perdeu no pasto
Pena é que a lucidez não se beba por um copo
Nem que a verdade aceite fiado
O amor é aqui e agora: pele contra pele
E não sequer pensar que futuro é
Para a semana que vem

Amo sem nunca ter assinado contrato
Sem nunca ter ido a uma biblioteca
Ou escutado a dor em greve de fome
Crio o vazio e nele creio
Como creio na libertação das minhas mãos
No barro que moldo as manhãs primordiais

Amo o analfabetismo do meu sangue
Amo os insectos que me esperam no caminho
Amo o cansaço com que me deito
Amo e sou feliz nessa contradição

Posso até ser a morte viva
Um lápis à espera de ser aparado
Mas amo! Amo!
Amo e canto a serenata no hall do silêncio
E faço sexo com o meu nariz!

5 comentários:

  1. Deve ser bom escrever um poema belo como este.
    Também não é mau identificá-lo às primeiras palavras.
    Talvez esta a diferença entre o autor e o crítico.
    Eu sou nem um
    nem outro

    abraço

    ResponderEliminar
  2. Bom será,
    amar assim, concerteza!

    "aqui e agora compreendendo o implacável silêncio"

    Pois verdadeiro amor nasce realmente assim, no silêncio do nada, só na pura realidade de "tocar o coração das coisas".

    Muito bonito!

    ResponderEliminar
  3. "Uma árvore que cresce no sentido dos meus pulmões" prova inequívoca de quem tem "gramática para compreender o implacável silêncio"

    Abraço

    ResponderEliminar
  4. É isso mesmo. É uma gramática de que particularmente gosto e com a qual sinto grande afinidade, simpatia e empatia. Gosto do que escreve. É visível a entrega total a essa gramática do silêncio, a esse povoamento de vozes silentes.

    Gostei muito do que li. Serei leitora de uma escreita assim, entrada na gramática do olhar, como árvore.

    ResponderEliminar