"O Povo, como os animais, pressente certas grandezas, invisíveis aos olhos sujos de tinta de letra impressa. Os camponeses, os passarinhos e as árvores, são frutos ainda intactos, que sabem à terra que os criou. Neles brilha a Verdade natural; essa Verdade que, em nós pobres criaturas racionais, se oculta em artifícios. Ai de nós! Que iluminamos e definimos um pequeno espaço da Existência, e imaginamos, por isso, que mais nada existe para além. Pobre ciência, feita de ignorância e vaidade! As almas dos campónios e os passarinhos ignoram a luz que define. Vivem na noite indefinida; e os seus olhos, habituados à sombra natural, descortinam a imagem das cousas como ela é, muito embora indecisa... Vêem o esboço da Verdade; e nós não vemos mais que o nítido desenho da Mentira"
- Teixeira de Pascoaes, Os Poetas Lusíadas, Lisboa, Assírio & Alvim, 1987, p.122.
Esta é a herança de Pascoaes que não se deixa instrumentalizar em rapinas ideológicas, patrioteiras e lusomaníacas do seu legado. Esta é a herança incómoda, que não alimenta discursos legitimadores da vontade de poder. Esta é a herança que nos desarma e despe de ilusões, deixando-nos nus de nós mesmos, em contacto com a verdade do Céu e da Terra. Este é o Pascoaes universal, que há-de falar aos homens mesmo quando Portugal e a Lusofonia já não existirem.
Saúde, Irmão!
Bom texto
ResponderEliminarexplicação não menos boa. Foi bom ter lido os dois
É uma herança que nos 'deserda'. Ou seja: o que tivermos de nosso terá que ser buscado e feito com as nossas mãos!
ResponderEliminarA 'papinha' não está feita.
Excelente!
E um brinde a um Irmão Maior!
:)
Da parte de um... Menor! JCN
ResponderEliminarTodos querem ser testamenteiros... da herança de Pascoaes! JCN
ResponderEliminarBela citação. Só há aqui uma coisa que acho muito perturbante: A identificação do "Povo" (o que é isso?) como "Outro" e a sua identificação com os animais ... Uma nostalgia da era-pré industrial, muitas vezes acompanhada por uma certa repulsa pelo proletariado e classe média urbana emergente?
ResponderEliminarSim, a civilização industrial tem muito de distorcido e doentio. Mas será que a solução é mesmo uma nostalgia da era pré-moderna, marcada por um mundo de distância entre o "Intelectual" e o "Povo" e um desejo que esse "Povo" se mantivesse na agricultura de subsistência e no analfabetismo?
Sim, o "progresso" (se é que isso existe) tem muitos aspectos negativos. Mas para quê "jogar fora o bébé com a àgua do banho"?
Na minha linguagem, chama-se a este tipo de prosa... "palafrório". JCN
ResponderEliminarCreio que hoje há muito mais cisão entre o intelectual e o povo do que na era pré-moderna e nâo vejo onde Pascoaes vê o povo como Outro... Aproximá-lo dos animais é um elogio: Pascoaes recorda insistentemente que o burro de Barlaão viu o Anjo, invisível aos olhos do profeta.
ResponderEliminarPodes publciar esse texto no blogue, Paulo? Parece bastante subversivo e adequado à quadra Natalícia. Quem sabe a acompanhar a imagem de um Presépio...
ResponderEliminarUm abraço.
Porque achas que há hoje mais cisão entre o "intelectual" e o "povo", Paulo? Como definir o "povo" hoje em dia? Tarefa difícil... Já definir o "intelectual" fica mais fácil. É uma categoria que parece que se está a expandir cada vez mais. Especialmente se considerarmos como "intelectual" cada pessoa que trabalha com conceitos e abstracções.
ResponderEliminarAgora de "intelectual" a "pensador/a" vai uma grande distância...
Já a mediu?!... JCN
ResponderEliminar"SICUT NAQUILA VOLANS"
ResponderEliminarQuisera ser uma águia soberana
de asas possantes, fortes, resistentes,
para voar por cima das vertentes
em que rasteja a criatura humana!
Quisera ser uma águia sobranceira
de acutilante e penetrante olhar
para do céu diáfano enxergar
na sua vera essência a terra inteira!
Quisera, Pascoaes, ter o teu génio,
o teu talento, ó "Águia do Marão",
por obra de metáfora ou convénio!
Quisera, como tu, perto dos astros
voar, pensar, sem nunca estar de rastros
ante o poder... em plena solidão!
JOÃO DE CASTRO NUNES
No título, corrijo "NAQUILA" para "AQUILA". Evidente desatenção JCN
ResponderEliminarQue grande, que imenso soneto!
ResponderEliminarSó uma desatenção o não afirma!
Parabéns, JCN
Feliznatalpascoalino! JCN!
Atirai rosas às pedras!
E acendei as velas de Natais!
Já tenho Saudades, Saudades!
Obrigado pelas rosas... que coloquei em graciosa jarra Vista Alegre dos primórdios, marca dourada! Muitíssimo obrigado! Dá gosto escrever sonetos para si, "saudadesdofuturo2! É dar pérlas... aos anjos! JCN
ResponderEliminar