segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"Ai de nós!" - Homenagem a Pascoaes nos 57 anos da sua partida




"O Povo, como os animais, pressente certas grandezas, invisíveis aos olhos sujos de tinta de letra impressa. Os camponeses, os passarinhos e as árvores, são frutos ainda intactos, que sabem à terra que os criou. Neles brilha a Verdade natural; essa Verdade que, em nós pobres criaturas racionais, se oculta em artifícios. Ai de nós! Que iluminamos e definimos um pequeno espaço da Existência, e imaginamos, por isso, que mais nada existe para além. Pobre ciência, feita de ignorância e vaidade! As almas dos campónios e os passarinhos ignoram a luz que define. Vivem na noite indefinida; e os seus olhos, habituados à sombra natural, descortinam a imagem das cousas como ela é, muito embora indecisa... Vêem o esboço da Verdade; e nós não vemos mais que o nítido desenho da Mentira"

- Teixeira de Pascoaes, Os Poetas Lusíadas, Lisboa, Assírio & Alvim, 1987, p.122.

Esta é a herança de Pascoaes que não se deixa instrumentalizar em rapinas ideológicas, patrioteiras e lusomaníacas do seu legado. Esta é a herança incómoda, que não alimenta discursos legitimadores da vontade de poder. Esta é a herança que nos desarma e despe de ilusões, deixando-nos nus de nós mesmos, em contacto com a verdade do Céu e da Terra. Este é o Pascoaes universal, que há-de falar aos homens mesmo quando Portugal e a Lusofonia já não existirem.

Saúde, Irmão!

14 comentários:

  1. Bom texto

    explicação não menos boa. Foi bom ter lido os dois

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  2. É uma herança que nos 'deserda'. Ou seja: o que tivermos de nosso terá que ser buscado e feito com as nossas mãos!
    A 'papinha' não está feita.
    Excelente!
    E um brinde a um Irmão Maior!
    :)

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  3. Todos querem ser testamenteiros... da herança de Pascoaes! JCN

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  4. Bela citação. Só há aqui uma coisa que acho muito perturbante: A identificação do "Povo" (o que é isso?) como "Outro" e a sua identificação com os animais ... Uma nostalgia da era-pré industrial, muitas vezes acompanhada por uma certa repulsa pelo proletariado e classe média urbana emergente?

    Sim, a civilização industrial tem muito de distorcido e doentio. Mas será que a solução é mesmo uma nostalgia da era pré-moderna, marcada por um mundo de distância entre o "Intelectual" e o "Povo" e um desejo que esse "Povo" se mantivesse na agricultura de subsistência e no analfabetismo?

    Sim, o "progresso" (se é que isso existe) tem muitos aspectos negativos. Mas para quê "jogar fora o bébé com a àgua do banho"?

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  5. Na minha linguagem, chama-se a este tipo de prosa... "palafrório". JCN

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  6. Creio que hoje há muito mais cisão entre o intelectual e o povo do que na era pré-moderna e nâo vejo onde Pascoaes vê o povo como Outro... Aproximá-lo dos animais é um elogio: Pascoaes recorda insistentemente que o burro de Barlaão viu o Anjo, invisível aos olhos do profeta.

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  7. Podes publciar esse texto no blogue, Paulo? Parece bastante subversivo e adequado à quadra Natalícia. Quem sabe a acompanhar a imagem de um Presépio...

    Um abraço.

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  8. Porque achas que há hoje mais cisão entre o "intelectual" e o "povo", Paulo? Como definir o "povo" hoje em dia? Tarefa difícil... Já definir o "intelectual" fica mais fácil. É uma categoria que parece que se está a expandir cada vez mais. Especialmente se considerarmos como "intelectual" cada pessoa que trabalha com conceitos e abstracções.

    Agora de "intelectual" a "pensador/a" vai uma grande distância...

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  9. "SICUT NAQUILA VOLANS"

    Quisera ser uma águia soberana
    de asas possantes, fortes, resistentes,
    para voar por cima das vertentes
    em que rasteja a criatura humana!

    Quisera ser uma águia sobranceira
    de acutilante e penetrante olhar
    para do céu diáfano enxergar
    na sua vera essência a terra inteira!

    Quisera, Pascoaes, ter o teu génio,
    o teu talento, ó "Águia do Marão",
    por obra de metáfora ou convénio!

    Quisera, como tu, perto dos astros
    voar, pensar, sem nunca estar de rastros
    ante o poder... em plena solidão!

    JOÃO DE CASTRO NUNES

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  10. No título, corrijo "NAQUILA" para "AQUILA". Evidente desatenção JCN

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  11. Que grande, que imenso soneto!
    Só uma desatenção o não afirma!

    Parabéns, JCN

    Feliznatalpascoalino! JCN!

    Atirai rosas às pedras!

    E acendei as velas de Natais!

    Já tenho Saudades, Saudades!

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  12. Obrigado pelas rosas... que coloquei em graciosa jarra Vista Alegre dos primórdios, marca dourada! Muitíssimo obrigado! Dá gosto escrever sonetos para si, "saudadesdofuturo2! É dar pérlas... aos anjos! JCN

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